Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O leitor será o último a saber

Poucas têm sido as ocasiões, em nossa história recente, nas quais se pôde perceber tão claramente de que material é feita a imprensa brasileira, e, por conseguinte, quais são os paradigmas com os quais se forma a opinião pública nacional. O episódio Waldomiro Diniz traz um curso compacto, porém completo, sobre a natureza do poder político no Brasil e de suas relações com a imprensa.

Antes de tudo, uma afirmação temerária, mas comprovável: o cidadão comum de classe média, aquele que assiste aos telejornais do horário nobre e eventualmente assina um jornal diário ou uma revista semanal, jamais chegará perto de conhecer a verdade sobre o caso que abala a credibilidade da primeira experiência petista no executivo federal – a imprensa já fez suas escolhas. Além disso, uma investigação em profundidade envolveria tantos personagens e tão diversos interesses que nenhum veículo teria condições de amarrar todas as variáveis.

O episódio apanha a mídia num momento de extrema fragilidade e no limiar da dependência dos humores do governo. Com exceção da revista Veja, que fez uma escolha de alto risco, e da Folha de S.Paulo, que vive do varejo da notícia, a maioria dos editores e ou prepostos parece torcer para que o governo ofereça uma resposta definitiva que isole de vez o chamado ‘núcleo duro’ das acusações de corrupção que têm como ponto central o ex-assessor do ministro José Dirceu.

As emissoras de TV têm que cuidar para que um gesto exagerado, ou alguns segundos a mais na exibição do personagem errado, não ponham a perder as negociações com o BNDES. Aquelas que se opõem à abertura de financiamento em condições especiais também têm por que se preocupar: bingos são, para umas, fonte importante de receita, mesmo que a Receita Federal não venha a saber. Para outras, jogos de azar são sua própria razão de ser e célula-mater [veja ‘A guerra na TV’ na rubrica Saídas para a Mídia, nesta edição].

Matéria editorializada

As chamadas fontes do mercado, aquelas que os repórteres de Economia consultam quando querem saber sobre os humores que predominam entre investidores, eram quase unânimes na semana passada em forçar um apaziguamento dos espíritos. Em quase todas as colunas especializadas, a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter o nível dos juros, sem indicar viés de baixa, era informação mais relevante do que o diz-que-diz sobre propinas e bicheiros. A consulta periódica do Banco Central indicava mínimas alterações na visão do mercado para o futuro próximo, com as projeções de valor do real praticamente estáveis em relação ao que se previa em janeiro.

Nesse sentido, pode-se aferir que o barulho feito por Veja, por exemplo, pouca influência tem sobre a vida real, ou seja, sobre as escolhas de quem oriente investimentos, o que não é pouca coisa, se nos lembrarmos de como, há dez anos ou até menos, uma simples nota num pé de coluna era capaz de produzir terremotos e inverter expectativas. Talvez, como se referiu um consultor financeiro que tem parceria com o Banco Alfa, o mercado tenha aprendido a ler jornais e revistas. Para esse especialista, a escolha do personagem a quem Veja dá todo crédito de sua versão sobre corrupção no governo – o ex-deputado José Vicente Brizola – soa como uma resposta apressada e leviana à reportagem de Época, a primeira publicação a vincular o governo petista a acusações de corrupção.

O risco de Veja se relaciona a uma frase que o jornalista Elio Gaspari usou pelo menos uma vez, quando dirigia a redação da revista, ao orientar sua equipe para a escolhas dos personagens que ilustrariam a edição sobre o movimento Diretas-Já: ‘Não se esqueçam que nossa fonte carrega nossa credibilidade nas costas – para o bem e para o mal’.

Ao colocar o filho do ex-governador Brizola na capa, dedicando-lhe uma entrevista alentada e um texto editorializado absolutamente redundante, Veja amarra sua credibilidade à do ex-deputado, figura errante da política nacional cujo currículo não é exatamente um primor.

Mal pago

A capa de Veja costumava ser um espaço nobre, supervalorizado e de difícil acesso. A rigor, o que o editores estão afirmando é que basta ter uma denúncia contra o governo para ganhar o pódio, sem o risco do contraditório ou qualquer esforço adicional de investigação por parte da revista.

No domingo, a edição que foi às bancas com validade até 3 de março (nº 1.843) requentou a sopa, com um texto que tecnicamente não passa de um editorial de seis páginas assinado por Malu Gaspar e um rodapé de duas páginas nas quais as afirmações de José Vicente Brizola são tratadas definitivamente como ‘revelações’.

A escolha da Veja – que, segundo nota oficial do PT do Rio Grande do Sul, não procurou os acusados para comentar as declarações do deputado – indica que, por aí, o leitor não chegará a imaginar outra possibilidade que não a de estar o partido do governo envolvido até o pescoço em parcerias espúrias com o crime organizado. Por outro lado, ninguém pode estar seguro de que as escolhas dos demais veículos, com exceção da Folha, também não estejam, num sentido contrário, influenciados demais pelo desejo – quase determinante – do mercado que não se faça muita marola neste momento em que os ventos parecem favoráveis a uma retomada da economia.

Se também já fez suas escolhas – o que tem caracterizado, de certa forma, as manifestações apanhadas nas cartas às redações –, o leitor perde muito. Para começar, perde a chance de exercer o senso crítico e agregar algum valor ao tempo que dedica à mídia. Vai apenas reforçar suas convicções, escolhendo o veículo que tiver optado pelo viés que lhe parece mais conveniente.

Se o leitor espera se informar sobre a extensão do caso Waldomiro e as reais implicações de figuras importantes do governo, esse está mal pago. Antes de qualquer movimento no sentido de buscar o enredo, a história já está contada.

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Jornalista