Impedir que Jader Barbalho volte ao Senado, um projeto ao mesmo tempo político e comercial, se tornou uma obsessão para Romulo Maiorana Júnior. Pode ser considerada uma adaptação barata da famosa tirada de Winston Churchill no seu combate a Adolf Hitler: garantiu o primeiro-ministro inglês que se o líder nazista brigasse com o diabo, ficaria do lado do demo.
Para criar fatos e factóides desfavoráveis ao ex-governador, o grupo Liberal não escolhe meios. Vale tudo para criar um clima desfavorável ao líder peemedebista. Até a desinformação, a contra-informação e a mentira. Como a principal arma dos Maioranas contra o desafeto é os seus veículos de comunicação, a perseguição está acabando com o que resta de credibilidade desses órgãos da imprensa.
Uma carta anônima foi a arma usada por O Liberal para apontar a conivência do Ministério Público do Estado com os esquemas de desvio de recursos públicos montados na Assembléia Legislativa. O mais recente – e talvez o maior – se formou durante a presidência de Domingos Juvenil, do PMDB, candidato derrotado ao governo do Estado na eleição do ano passado. Se ele for atingido, sobrará muito para o seu padrinho, Jader Barbalho.
No dia 5 de junho O Liberal abriu manchete para acusar: “Cúpula do MP tem elo com Juvenil”. Denúncia nesse sentido teria sido entregue “por um grupo de promotores de justiça do Estado” ao procurador federal Ubiratan Cazetta, que a repassaria ao procurador-geral da república, Roberto Gurgel.
“Pessoas respeitáveis”
No dia seguinte os quatro promotores responsáveis pelos processos da Assembléia Legislativa divulgaram nota protestando contra a notícia e desafiando os denunciantes a se apresentarem e formularem suas denúncias. Garantiram que tinham o pleno apoio dos seus superiores para fazer as investigações necessárias à apuração dos fatos e punição dos autores dos ilícitos. Mas o assunto simplesmente desapareceu das páginas do jornal, que nunca mais voltou a se referir à rede montada no MP para favorecer o ex-presidente da Assembléia.
No último sábado o jornal voltou a abrir grande espaço para denúncias – novamente anônimas – contra dois desembargadores (a presidente do Tribunal de Justiça, Raimunda Noronha, e José Maria do Rosário), e um juiz, José Norat de Vasconcelos, da 12ª vara cível, mais o secretário de segurança pública, Luiz Fernandes Rocha, e o procurador geral do Estado, Caio Trindade. Todos eles teriam acobertado parentes em concursos para a admissão de servidores públicos.
A Associação dos Magistrados reagiu com a mais violenta nota pública que uma entidade já divulgou contra qualquer dos veículos das Organizações Romulo Maiorana. O presidente da entidade, juiz Heyder Tavares Ferreira, classificou como “irresponsável e criminosa notícia que abriga a torpeza da denunciação anônima típica dos covardes”. Considerou “descabida guarida que um órgão de imprensa que se autoproclama defensor da moralidade pública e exige a transparência dos Poderes Públicos permite que se utilize de meios sórdidos e ignominiosos” para atacar a honra alheia.
Como aconteceu com a manifestação dos membros do Ministério Público, O Liberal não reproduziu a longa nota oficial, publicada apenas pelo Diário do Pará, como no incidente anterior. Mas tratou de fazer sua retratação, sob o título de “Correção de uma inverdade”.
O editorial admite que o jornal errou quando não apurou o conteúdo da denúncia anônima que recebeu e divulgou. Como se pudesse transferir a responsabilidade pelo erro ao éter (ou ao Curupira), o jornal tentou se explicar: “O que era peça inicial para avaliação posterior acabou sendo publicado e atingindo quem não merecia ou não deveria”.
O jornal dos Maioranas garantia não concordar com as denúncias: “não tem nada que desabone a conduta, nem fira a retidão” dos personagens caluniados em uma das páginas da sua edição de dois dias antes. Não se refere, porém, a um único dos acusados: o procurador Caio Trindade, de tradicional família paraense (mais um lapso ou Trindade permanece sob a suspeição do tribunal de exceção dos Maioranas?). Quanto à presidente do TJE, o jornal lhe dedica “um carinho especial pela sua luta e que fez da simplicidade e do estudo os instrumentos para chegar ao mais alto posto da magistratura estadual”.
Todas essas autoridades seriam, para o jornal açodado, “exemplos de pessoas respeitáveis que conduzem a vida pública do Estado dentro dos princípios da correção e da decência e pede a todas elas as desculpas pela publicação indevida”.
Sangria desatada
Na nota em defesa aos seus associados, a Amepa ressaltou que, além de receberem sua solidariedade e desagravo, todos podiam recorrer à justiça para defender seus direitos, desde já assegurados pela retratação pública do jornal, que admitiu o grave erro cometido. Ciente de que o dano é irreparável, O Liberal tentou, com suas desculpas inconvincentes, evitar a responsabilização judicial, que lhe será muito onerosa, pelos danos causados a cinco das mais elevadas autoridades públicas do Estado. Mas se retratou dois dias depois, quando a reação dos magistrados se tornou pública, e não no dia imediato à publicação.
Mesmo se retratando, o jornal não se refere, obviamente, a dois componentes dessa sua deterioração contínua e acentuada, rumo à necrose da credibilidade. Um é a guerra sem fronteiras a Jader Barbalho, que o leva ao desvario e à total irresponsabilidade. O outro elemento é a auto-assunção do seu dono, Romulo Maiorana Júnior, à condição de cruzado da moralidade pública.
Através do presunçoso e-mail que criou para abrigar denúncias contra corruptos é que a sangria desatada do anonimato se formou. Drenada para as páginas do jornal, ela se transformou numa grave hemorragia, que ameaça de vez a confiança do público nesse grupo de comunicação. O denuncismo estimulado correspondeu ao nível do seu patrono.
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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]