Há um clima de profundo mal-estar entre o jornal O Estado de S.Paulo e setores do Judiciário, que se sentem atingidos pela série de reportagens que se segue à decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, de considerar nulas as provas originadas em gravações de conversações e incluídas no processo por crime financeiro que tem como um dos acusados o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.
Chama atenção o fato de que os outros jornais de circulação nacional e até mesmo sites especializados de notícias e análises sobre o mundo jurídico, como o Migalhas, que costuma trazer informações e comentários qualificados sobre o tema, pareciam, até quarta-feira, dia 21, pouco interessados em discutir a decisão do STJ.
O jornalão paulista demonstra disposição de sustentar essa briga, a julgar pela sequência de reportagens e análises em torno do funcionamento da Justiça, que tem abrangido desde o caso Fernando Sarney até as demandas de aumento salarial dos magistrados e servidores do setor.
Tanto no noticiário como em artigos e editoriais, não parece haver dúvida, para o Estadão, de que, como afirmou um de seus colunistas, o Judiciário está submetido ao poder político do presidente do Senado, José Sarney.
A decisão do STJ, sob essa ótica, contribui para piorar a imagem da Justiça, “que pune pobres mas livra os ricos, que cerceia a ação de seu órgão de controle, o Conselho Nacional de Justiça, e que só vê a própria barriga quando exige aumento de 56% aos servidores dos tribunais superiores” (ver João Bosco Rabello).
Não é pouco o que o Estadão coloca em jogo ao abrigar tais postulados.
Se, de fato, o Judiciário, em suas instâncias superiores, é refém de interesses políticos representados pelo presidente do Senado, estamos lidando com a maior crise institucional do período posterior ao processo de redemocratização. Se é verdade metade do que insinuam ou afirmam os textos do jornal paulista, é preciso completar o raciocínio e perguntar: onde está, então, a banda saudável da Justiça? E por onde anda a imprensa livre e independente, que não faz coro às denúncias do tradicional diário paulista?
Nesta quinta-feira, 22, a Folha de S.Paulo finalmente entrou na briga, ainda que indiretamente, numa reportagem em que delegados federais contestam a decisão judicial.
E a Associação Nacional de Jornais, tão alerta quando se fala em regulamentação da mídia, por que se cala?
O dinheiro foi passear
Desafiar os baronatos do Judiciário, se eles de fato existem ou se realmente funcionam segundo interesses privados, exige um elevado grau de certezas. Uma delas, a de que não haveria justificativas para a presteza com que o relator, ministro Sebastião Reis Jr., apresentou seu parecer propondo a extinção das provas no chamado caso Faktor, poderia ser explicada, segundo o Migalhas, pelo fato de Reis ser novato no STJ, portanto, eventualmente ainda não sobrecarregado de tarefas.
O voto do ministro só foi publicado, na íntegra, depois que o Estadão iniciou sua série de reportagens sobre a decisão, o que estende as possibilidades do debate público nos próximos dias.
O relator é bastante claro ao afirmar que as provas não poderiam subsistir como tais, porque o Ministério Público Federal baseou-se exclusivamente nas informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre movimentações financeiras atípicas do empresário Fernando Sarney e sua mulher. E a quebra do sigilo de comunicações dos acusados foi autorizada com base exclusivamente nesse fato.
“Atípica”, segundo o magistrado, não é necessariamente “ilícita”. Portanto, na sua opinião, a conclusão de que teria havido crime associado ao porte de R$ 2 milhões em espécie seria “totalmente subjetiva”, e, nesse caso, “desacompanhada de qualquer elemento concreto de que as movimentações financeiras atípicas deveriam ser investigadas por terem ocorrido em período pré-eleitoral”.
No ambiente jurídico, o debate se dá em torno dos limites do direito à prova. “A regra é o sigilo; a quebra é a exceção”, pondera o ministro relator. Com ele concordaram todos os ministros reunidos na 6ª Turma do STJ.
Mas, para o resto da sociedade, movimentações financeiras de grandes somas em meio a uma campanha eleitoral são altamente suspeitas e autorizam no mínimo que se providenciem recursos para a investigação.
E, se movimentações atípicas são apenas isso – atípicas – para que serviria, afinal, o Coaf? Para monitorar milionários que gostam de levar seu dinheiro a passear, para tirar o mofo?
Cá no universo dos observadores leigos, o parecer do insigne ministro faz lembrar a anedota sobre o cidadão que, apanhado levando às costas o leitão do vizinho, saiu-se com esta: “Esse danado desse porco adora brincar de cavalinho”.
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