Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O mundo invadiu as seções de Economia

Há vida depois do Copom. Os cadernos de Economia são muito mais interessantes quando a política de juros fica meio esquecida no fundo da pauta. Passado o encantamento da reunião mensal do Comitê de Política Monetária, sobram espaço e energia para a exibição de talento. É quando aparece o material de qualidade superior, como o noticiário sobre a condenação dos subsídios americanos aos produtores e exportadores de algodão.

Os maiores jornais apresentaram coberturas diferentes, coincidentes apenas no miolo da notícia. O material tecnicamente mais completo e mais preciso foi o do Valor. O mais voltado para a repercussão política foi o do Globo. Foi uma rara ocasião em que a leitura de quatro ou cinco jornais, sem ser exaustivamente repetitiva, permitiu juntar pedaços que se encaixaram num grande quadro.

Igualmente rara foi a apresentação equilibrada do material na maior parte dos jornais. De modo geral, o noticiário foi editado sem o tom habitual de Copa do Mundo. Coberturas sobre negociações e disputas internacionais, mesmo quando o assunto é tecnicamente muito complicado, são com freqüência editadas em estilo futebolístico.

Esse tratamento é quase inevitável quando o evento é coberto por enviado especial. Turbinar o material, na edição, é quase uma forma de justificar o envio de um repórter à reunião do FMI, da OMC ou da Alca. É como se uma boa cobertura de um assunto objetivamente importante não fosse autojustificável.

Pura rotina

Sem os juros e o falatório financeiro concentrando a atenção de pauteiros e editores, várias boas histórias tiveram destaque nas seções de Economia. O noticiário sobre o Copom esgotou-se rapidamente. A ata da reunião, divulgada na semana seguinte, foi classificada como benigna pelos senhores do mercado e pelos analistas de sempre. Isso talvez bastasse para deixar o assunto em segundo plano, mas os Fados ajudaram.

A rotina foi atropelada pela vitória de Severino Cavalcanti, na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, e pela encrenca em torno de mais um desastre verbal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Encantado, como de costume, pelo som da própria voz, ele se expôs a um processo por crime de responsabilidade. Quem seria bastante excêntrico, nessa altura, para continuar ocupado com a exegese de uma ata do Copom, ainda mais de uma ata benigna, seja lá qual for o significado desse adjetivo?

Além disso, apareceram nos dias seguintes assuntos econômicos muito mais saborosos, ricos de ressonâncias políticas. O corte de R$ 15,9 bilhões do orçamento federal ganhou espaço em todos os jornais – muito menos atenção foi dada ao contraponto, a abertura de um debate sobre o processo orçamentário. Politicamente, esse debate é mais importante que o corte de gastos por iniciativa do ministro da Fazenda, um fato rotineiro. Não se pode prever, por enquanto, se a imprensa acompanhará o assunto e aprofundará a discussão.

Jornalismo explícito

A agricultura, tema negligenciado pela grande imprensa há pelo menos dez anos, ganhou espaço nas últimas semanas graças à barulheira de agricultores, que atravancaram com caminhões e tratores seis quilômetros de estrada em Goiás, e à mobilização de quatro governadores.

Os jornais deram grande espaço às manifestações e à intervenção do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que prometeu mais R$ 6 bilhões de financiamento aos produtores afetados pela seca – no Sul – e pelo descompasso entre custos e preços de soja, milho, arroz e algodão.

Mauro Zafalon, da Folha de S.Paulo, deu um tempero especial ao assunto, lembrando que os agricultores também têm responsabilidade por seus problemas – quebraram contratos na safra anterior, quando os preços da soja estavam em alta, e cometeram imprudências.

Notas como essa arredondam a cobertura e tornam mais equilibrado o quadro oferecido ao leitor. Não são produtos de ocasião. Resultam de uma boa experiência profissional e de uma longa familiaridade com o assunto.

Todo editor deve sentir-se confortável, em ocasiões como essa, quando pode acrescentar à cobertura o toque de um profissional que sabe das coisas. Mas quantos editores se preocupam no dia-a-dia com a formação de competências? E quantos consideram desejável, a não ser em momentos excepcionais, trabalhar com repórteres e redatores que sabem o que escrevem?

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Jornalista