Com o título de ‘Barbas de molho'[ver abaixo], o jornal Folha de S.Paulo – que tem o nome marcado por ter defendido e colaborado com operações da ditadura em torturas e mortes de prisioneiros políticos – publicou na sexta-feira (25/2) artigo de Eliane Cantanhêde tentando atingir, sem o lograr, a credibilidade jornalística da Telesur (La nueva televisión del sur) em seu esforço de cobrir a crise na Líbia.
Há muitas lições a partir da precária nota da jornalista. Primeiramente, está escancarado que a grande mídia comercial brasileira, seguindo orientações dos conglomerados internacionais midiáticos, editorialmente controlados pelas indústrias bélicas, petroleiras e a ditadura financeira, sempre protegeram os ditadores do Oriente Médio que serviram e ainda servem a estes interesses. A Folha de S.Paulo está dentro deste leque de proteção aos ‘ditadores amigos’. Assim é que, durante mais de 30 anos, protegeu Mubarak, tratando-o como o árabe moderado porque transformou o Egito em cúmplice do massacre do povo palestino por Israel, com o apoio de Washington.
Durante 30 anos, a Folha de S.Paulo jamais cobrou eleições diretas ou democracia no Egito, mas, revelando a imensa hipocrisia da sua linha editorial de dois pesos, duas medidas, engajou-se na campanha dos oligopólios midiáticos mundiais contra o governo da Venezuela que, em 12 anos, eleito pelo voto, realizou mais de 15 eleições, plebiscitos e referendos livres, vencendo 14 deles e respeitando democraticamente o único resultado eleitoral adverso registrado.
‘Ditaduras amigas’ foram protegidas
A reportagem de Telesur está, sim, na Líbia, como esteve no Egito e na Tunísia, para oferecer uma cobertura com linha editorial diferenciada, sem qualquer influência do poder petroleiro comandado pelos países imperialistas. A Telesur não descobriu somente agora que Mubarak era um ditador e que saqueou recursos do povo egípcio, bem como seu comparsa Ben Ali, tunisiano, sempre protegidos pelos grandes países imperiais como EUA, França, Inglaterra etc., por se transformarem em peões da política que facilita a intervenção militar imperialista no mundo árabe com o óbvio objetivo de rapina sobre suas imensas riquezas energéticas, das quais são tão dependentes.
A linha editorial que protegia Mubarak era a mesma que sempre condenou Kadafi. Não surpreende. Kadafi nacionalizou a riqueza petroleira da Líbia e usou esta extraordinária receita para transformar o país, hoje possuidor do mais elevado IDH da África e dos mais elevados no mundo árabe. Este exemplo chocava-se com os interesses imperialistas. Preferiam que Kadafi fosse como a oligarquia que reina sobre a Arábia Saudita, a mais maquiavélica das ditaduras da região, sob a proteção da mídia comercial internacional, inclusive a Folha de S.Paulo. E sem uma linha sequer da articulista que esboce qualquer reivindicação democrática para este país, cujo petróleo é rigorosamente controlado por empresas dos EUA. Portanto, rigorosamente diferente da Líbia, onde o petróleo foi estatizado permitindo uma elevação do padrão de vida do povo, com progressos reconhecidos internacionalmente nos serviços públicos e gratuitos de educação e saúde, com uma renda per capita e um salário mínimo que superam em muito os registrados no Brasil e na Argentina. Estas informações nunca circularam nem no fluxo internacional da mídia comandada pelos poderes do petróleo, das armas ou do dinheiro, muito menos aqui, na submissa Folha de S.Paulo.
Ao contrário desta linha editorial complacente com os crimes que se cometem contra os povos árabes, em particular contra o povo palestino, a Telesur, em sua curta existência de pouco mais de cinco anos de vida, procura revelar, com critérios jornalísticos, a falsidade e hipocrisia dos discursos pseudo-democráticos. Tais discursos servem sempre de parâmetros para as coberturas que tentam esconder, sob o palavreado democrático, o objetivo fundamental que esta mídia cumpre: dar suporte e favorecer o controle total das riquezas energéticas do Oriente Médio pelos trustes imperialistas. É por esta razão que a Folha de S.Paulo tenta, inutilmente, atacar a Telesur, que questiona e se diferencia do jornalismo obediente ao poder bélico-petroleiro que tantas vidas ceifa na região, inclusive na própria Líbia, tantas vezes bombardeada, agredida e boicotada pelos países membros da Otan.
É a subserviência a esta política imperial que leva a Folha e sua articulista a afrontarem as políticas externas soberanas que os países do eixo Sul-Sul estão desenhando com o objetivo de se libertarem das algemas da Otan, inclusive postulando a criação de uma Organização do Tratado do Atlântico Sul. Tal proposta é defendida por Kadafi e vários outros países sistematicamente criticados pela linha editorial da Folha. Essa é, certamente, uma das tantas razões que levou Kadafi a ter sido sempre condenado pelos imperialistas, pela ONU, pela Otan. Vale lembrar que Kadafi teve sua residência destruída por um bombardeio ordenado por Bill Clinton, no qual morreu sua filha recém-nascida. A articulista escreveu algum protesto na época? Ou lamentou que a pontaria poderia ter sido mais certeira?
Hipocrisia editorial
Mubarak foi protegido e elogiado por este jornalismo tipo Folha de S.Paulo – que, aliás, não chamava Pinochet de ditador, mas de presidente – porque comandou o retrocesso das conquistas socioeconômicas que o Egito havia alcançado durante a Era Nasser. Tal como aqui a Folha serve aos interesses estrangeiros e de seus prepostos internos que operaram para demolir as conquistas da Era Vargas. A complacência e a tolerância para com a ditadura de Mubarak devem-se ao fato dele desconstruir o nacionalismo revolucionário de Nasser, aliado da Líbia e da Síria, colocando o Egito na posição de ser um vergonhoso coadjuvante da macabra política israelense na região, a serviço da indústria petroleira imperial. Mas, os milhões de egípcios nas praças estão escrevendo outra história para aquele país!
A Telesur conta esta história. Faz jornalismo também para revelar o direito histórico da luta dos povos árabes por sua independência, por sua soberania. É por isso que incomoda tanto. É por isso que a agressão da Folha não surpreende, faz parte da blitz midiática internacional que sustenta o intervencionismo militar dos grandes países imperialistas. Esta mídia atua como os clarins que anunciam e clamam pela guerra!
Independente do desfecho que esta crise na Líbia produzirá, a esta altura imprevisível, não há como não perceber a imensa hipocrisia jornalística dos que se calam diante dos sanguinários bombardeios que estão caindo agora mesmo sobre a população civil no Afeganistão, ilegalmente ocupado pelos EUA, ou no Iraque, onde mais de um milhão de vidas foram dizimadas a partir de uma guerra iniciada por meio de grosseiras falsificações de notícias sobre a existência de armas químicas naquele país, fraude jornalística que a Folha de S.Paulo endossou, o que lhe retira qualquer moral, juntamente à assessoria que prestou à ditadura militar no Brasil, para reivindicar democracia ou clamar por direitos humanos.
Colônia petroleira
Provavelmente, a crise atual na Líbia também talvez tenha explicação pelos erros cometidos pelo seu governo, entre eles, provavelmente o mais grave, o de ter realizado inesperados e improdutivos acordos com os EUA, com a Inglaterra, com o FMI, inclusive dando início a medidas de privatização injustificáveis e abrindo mão, unilateralmente, do programa de energia nuclear, bobagem que o Irã e o Brasil, mesmo sob pressão, indicam não estarem dispostos a cometer. As concessões de Kadafi aos patrocinadores da morte e de opressão contra os povos iraquianos, afegão, palestino, entre eles Bush e Blair, aprofundaram, certamente, os conflitos internos, agravando as disputas tribais, facilitando a infiltração dos que nunca aceitaram a nacionalização do petróleo líbio. Agora, a Folha de S.Paulo, que se crê tão moderna, apresenta-se aliada aos que levantam novamente a bandeira da Líbia do rei Idris, demonstrando preferir operar para o retrocesso histórico da república à monarquia, o que faria da Líbia uma colônia petroleira controlada pelos conglomerados anglo-saxões.
Enquanto as grandes redes oligopólicas de TVs comerciais operam para justificar, auxiliar e assessorar a pilhagem dos recursos energéticos dos povos, – por isso assumiram editorialmente as mentiras que justificaram a guerra de rapina contra o Iraque –, a Telesur coloca seu jornalismo a serviço do direito dos povos de conhecerem na íntegra a versão objetiva dos fatos, inclusive dando voz aos povos que lutam, que buscam construir modelos de sociedade em que a soberania sobre seus recursos e o seu uso em benefício da população sejam sagrados. A Telesur tem consciência de quão árdua é a meta de fazer um jornalismo não controlado pelos oligopólios da guerra, do dinheiro e do petróleo. E desta meta não se afastará, pois foi como expressão dos povos que se rebelam na América Latina contra a dominação imperial que nasceu e que assumiu como bandeira o princípio ‘O nosso Norte, é o Sul’
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Barbas de molho
Eliane Cantanhêde # reproduzido da Folha de S.Paulo, 25/2/2011
Enquanto ditadores árabes caem do camelo, um a um, e Muammar Gaddafi, Muamar Khadafi, Muammmar al-Gathafi, Momar Kadaffi ou o que você quiser já até ensaia o papel de ‘mártir’, a rede Telesur relata que há um clima de ‘festa’ e de ‘normalidade’ em Trípoli, capital da Líbia, como nos contou Flávia Marreiro, correspondente da Folha em Caracas.
É de matar de rir, ou de chorar. A Telesur é uma invenção de Hugo Chávez com Cuba, Bolívia, Equador e Argentina (o que fazem os argentinos aí?!) e deve estar treinando para quando a onda de revoltas populares se descolar do Oriente Médio para as Américas. Jornalistas de verdade estão impedidos de entrar na Líbia, mas os da Telesur entram, acham bacana ficar cinco horas detidos e dizem que tudo está na santa paz, enquanto organizações independentes relatam mais de 600 mortos e 30 mil pessoas de todas as nacionalidades pulando fora como dá. Mal comparando, a Telesur lembra o PCdoB nos anos 1990. Esgotado o estoque de países a apoiar após o colapso do comunismo, o partido agarrava-se à Albânia, descrito como um paraíso na terra… até a diáspora de albaneses esquálidos, cheios de piolho e sarna, fugindo desesperados para a Itália.
A diferença é que, naquela época, os albaneses não tinham internet, como têm agora os cidadãos de Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Marrocos e Arábia Saudita – onde o rei Abdullah tenta se antecipar ao desastre anunciando um saco de bondades para a população.
Fidel e Chávez, como Gaddafi (ou Kadaffi, al-Gathafi…), também chegaram ao poder cheios de boas intenções e destronando regimes podres e injustos, mas sucumbiram ao mesmo mal: a sensação de que são donos da verdade e dos destinos de seus povos, endeusando-se e eternizando-se em tronos.
Em vez de mandarem a Telesur reinventar a realidade na Líbia, deviam é botar as barbas de molho.
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Integrante da Junta Diretiva da Telesur