Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O noticiário sobre a prisão dos pastores

Das folhas:




‘O Ministério das Relações Exteriores enviou nesta segunda-feira [22/1/07] para o governo dos Estados Unidos o pedido de extradição dos fundadores da Igreja Renascer, Estevam e Sônia Hernandes. Eles estão detidos naquele país desde o dia 9, quando tentaram desembarcar com 56 mil dólares não declarados’.


Na sexta-feira (19/1) o casal deixou a prisão. Agora andam cada qual com uma tornozeleira eletrônica para que a Justiça dos EUA saiba onde eles estão. Deixaram a prisão, mas não estão livres: o controle inclui que voltem para a casa onde estão hospedados antes das 23h. A primeira audiência deve acontecer na quarta-feira (24/1).


O pedido da extradição foi assinado pelo ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, com o fim de que seja cumprido o mandado de prisão expedido contra eles no processo em que respondem à acusação de lavagem de dinheiro.


O tema é polêmico. Pastores envolvidos com grandes quantias de dinheiro vivo, voando pelos céus do Brasil e do exterior, de lá pra cá? Não. De cá pra lá. Estão levando, não trazendo dinheiro. Os fundadores da Igreja Renascer foram acusados de tentar entrar nos EUA mentindo sobre a quantia de dólares que levavam na bagagem. Foi no dia 9 deste janeiro. Levavam 56 mil dólares.


O advogado Luiz Flávio Borges D´Urso, que faz a defesa do casal no Brasil, fez um esclarecimento que tem tido pouco destaque nas reportagens sobre o assunto: o casal não viajava só, estava na companhia de mais cinco familiares. Os sete juntos podiam levar 70 mil dólares. O problema é que foram preenchidas apenas três declarações. O advogado informou também que o entrevero havido nos EUA não tem relação com o processo que os dois respondem no Brasil por lavagem de dinheiro.


Ponto de equilíbrio


A imprensa não tem esclarecido o distinto público, que tende a torcer pelas forças da repressão, pois sabe que no Brasil a prisão é para os pobres, o rico quase sempre acaba se livrando dela, mas é função da mídia esclarecer que a lei deve ignorar estas questões de classe social e ser aplicada igualmente a todos. Se os dois acusados cometeram algum ilícito, é a Justiça quem deve julgá-los, não a mídia.


Outros quesitos ajudam a impressionar leitores, ouvintes e telespectadores, de que é exemplo o valor de 100 mil dólares estipulado como fiança para que os acusados respondam em liberdade.


Pelas leis americanas, o caso irá a um júri de 16 pessoas. O agente americano Edwin Santiago, que os prendeu no aeroporto, já depôs e disse que eles, além de tentar entrar ilegalmente com os dólares, ainda mentiram às autoridades dos EUA, no caso representadas por ele.


Há, pois, um rico manancial de temas a ser explorado. A Igreja Renascer foi fundada em 1986, num pequeno apartamento da zona oeste de São Paulo. Os primeiros cultos, realizados na sala de jantar, contavam com apenas 15 pessoas. Quando surgiram as primeiras denúncias, a Renascer já tinha 400 templos e hoje tem 1.200, computados os do Brasil e os outros que fundou em mais cinco países. É um crescimento formidável. Que empresa teve desempenho semelhante? Como o brasileiro é bem-humorado, já surgiram comentários do tipo ‘pequenas igrejas, grandes negócios’, ‘templo é dinheiro’ etc.


Do que há para ler sobre o tema pode-se concluir que a mídia ainda não encontrou um ponto de equilíbrio para tratar de assuntos relacionados à Justiça. Há questões de fundo, questões de domínio conexo, que não são essenciais, mas que seriam bem-vindas ao esclarecimento, que é o que se quer.


Poder roubado


O sensacionalismo acaba prevalecendo, principalmente quando o assunto é religião ou política. Como a mídia pode sair disso, querendo?


A palavra norteadora é isenção. Nenhum jornalista ou editor está autorizado, por poder algum, a julgar quem quer que seja. Talvez valesse para os mais afoitos o mecanismo da própria Justiça. Encarregado de julgar, preparado para julgar, nos cursos de Direito e nos concursos a que se submete, o juiz, entretanto, na hora de julgar uma questão decisiva, convoca 16 pessoas leigas, de formação e profissão diferentes, enfim em tudo diferentes umas das outras, e solicita que, depois de ouvir a acusação e a defesa, dêem seu veredicto.


A diferença é que a mídia ouve a quem quer e dá seu veredicto antes do fim. Tem sido quase sempre assim. E voltou a acontecer de novo. Os acusados são ‘caloteiros da fé’? Pode até que sejam de fato caloteiros da fé, mas só o serão se e depois que, em última instância, sair uma sentença a ser cumprida.


E quem dá esta sentença não é a mídia. Ela não tem este poder que a si mesma avocou. Se fizer isso, estará roubando um poder que não lhe pertence, que a sociedade não lhe outorgou.