Os principais jornais do eixo Rio-São Paulo deram domingo aos leitores duas substanciosas matérias: ‘Controle de fontes radiativas é falho’, de André Solina e Michele Oliveira, na Folha de S.Paulo, e ‘Deputados federais suspeitos de extorsão’, de Maria Lima e Valderez Caetano, no Globo. Na mosca.
Mas o ouro puro do dia é a história ‘Burocracia petista vive síndrome antidarwinista’, contada por Josias de Souza, da sucursal de Brasília do jornal paulista. É a história – exemplar em todos os sentidos, a começar do jornalístico – cujo protagonista central é um certo Élvio Lima Gaspar, secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento.
O companheiro-burocrata, como diria Josias, fez o que sabia para rodar com o Astra preto chapa-branca, que o pródigo Estado brasileiro concede para o bem-bom dos DASs da vida como ele, sem os adesivos que o Código de Trânsito Brasileiro exige sejam afixados nas laterais dos veículos pagos com o meu, o seu e o nosso, informando: ‘Governo Federal’.
O texto de Josias se banha em ouro porque, a rigor, conta duas histórias.
A primeira é da heróica resistência do Adjunto em cumprir a lei – incluíndo a torpeza de fazer o chefe da garagem da repartição pagar pelo que não fez, exonerando-o –, decerto para dar a todos quantos o vissem pilotando a elegante viatura a enganosa idéia de que ela é tão coisa sua como a gravata que enverga.
Lembrou a este leitor o nunca por demais pranteado Paulo Cesar Farias. Antes de virar PC ele circulava por Maceió, sob o implacável sol nordestino, com os vidros do carango fechados, para fazer crer aos incautos que a máquina dispunha de ar condicionado, à época um luxo. Pelo menos o carro era dele, assim como o abundante suor que a sua vaidade fazia pingar.
Conjunto da obra
A segunda e ainda melhor história é a das infecundas tratativas do repórter de ouvir Sua Excelência, o Adjunto, sobre o episódio. Rotundo fracasso, diria um cronista esportivo dos velhos tempos. O máximo que conseguiu foi falar com um assessor de imprensa do ministério, um certo Carlos Alberto de Azevedo, que começou por repassar-lhe a perplexidade do petista que não queria dar entrevista. Afinal, por que o repórter dedicava o seu valioso tempo um assunto ‘tão sem importância’?
E por aí se desenrola um diálogo surrealista, que o colunista da Folha descreve passo a passo – permitindo ao povo da planície vislumbrar como funciona o planaltino coração da República Federativa do Brasil.
Já que não vai contar o fim do filme aos que o perderam no dia em que foi exibido, mas sempre poderão apreciá-lo, capturando-o nos arquivos eletrônicos do jornal, este leitor pede licença para contar como começa:
‘Antes da posse de Lula disseminou-se o medo dos pendores extremistas do petismo. Depois, confirmaram-se as piores expectativas. O ex-PT revelou-se extremamente conservador.’
Josias de Souza já faz por merecer um prêmio pelo conjunto das suas obras dominicais.