Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O papel da imprensa no mundo

Antes de qualquer outra coisa, quero agradecer – também em nome da Editora Abril, dos milhares de jornalistas que já passaram pelas nossas redações, e de todos aqueles que continuam criando o extraordinário leque de nossas dezenas de publicações – a honra deste prêmio e desta homenagem aqui esta noite.


Refletindo sobre o que dizer nesta importante ocasião, me ocorreu que em vez de discorrer sobre ‘O futuro do Brasil e os caminhos da imprensa brasileira’, poderia ser mais útil (palavra que considero fundamental ao se tratar da imprensa) apresentar-lhes algumas reflexões e convicções sobre o papel da imprensa no Brasil e no mundo de hoje.


Além da minha paixão vitalícia pela palavra escrita, todos os que me conhecem sabem da minha pregação sobre o que chamo da indissolúvel interdependência entre a democracia, a imprensa livre a livre iniciativa. Isso pode parecer óbvio – como acontece com todas as grande verdades após a sua formulação –, mas é absolutamente essencial para entender que a multiplicidade de vozes necessárias para garantir e fortalecer a democracia só pode existir numa sociedade em que a sua liberdade é assegurada, em que a entrada é franqueada a quem quiser e puder se habilitar, em que a concorrência em todas as frentes gera a publicidade, que – por sua vez – fecha o círculo virtuoso ao viabilizar a existência de múltiplos meios de comunicação.


Refletindo melhor, entretanto, parece-me evidente que a simples existência de uma multiplicidade de vozes não garante a sua qualidade nem o seu comportamento ético. A velha Lei de Gresham – que postula que a má qualidade expulsa a boa – freqüentemente parece aplicável também aos meios de comunicação.


Felizmente, porém, acho que isso não é o que estamos vendo no Brasil. Embora existam (e continuarão existindo) jornais, revistas, televisões e rádios sem qualquer preocupação com padrões de ética ou qualidade – e apesar do ainda péssimo nível geral da educação em nosso país –, tudo indica que o público acaba preferindo o conteúdo de melhor qualidade – tanto eletrônico quanto impresso. Ou seja, prefere a TV Globo e a RBS, o Estado e a Folha, o Valor e Veja, Exame, Claudia, Quatro Rodas, Superinteressante, e assim por diante, a todos os seus concorrentes.


Falso antagonismo


Imagino que isso só é assim porque – como nunca é demais repetir – o povo não é bobo. E também porque acredito que haja um outro círculo virtuoso em ação: à medida que elevarmos o nível das nossas publicações, à medida que produzirmos reportagens e matérias mais inteligentes, mais bem pesquisadas, mais claras e mais bem apresentadas, o público passa a gostar e exigir mais disso, e a valorizar os veículos que o fornecem.


Essa constatação é não apenas extremamente animadora, como também leva à conclusão que precisamos continuar investindo na qualidade jornalística, visual e gráfica das nossas publicações, dotando suas redações com talentos e recursos, assegurando a sua fundamental independência de pressões comerciais, e dando-lhes espaço para informar e criar dentro do compromisso fundamental com a verdade e com a ética mais rigorosa.


Isso significa – como Ruy Mesquita muito oportunamente observou ao receber este mesmo prêmio no ano passado – que devemos continuar resistindo à tentação de colocar o bom jornalismo em segundo lugar na ‘busca do lucro a qualquer preço’. Evidentemente, não significa que nossas empresas não precisem continuar sendo rentáveis – essencial para poder investir, se desenvolver, criar empregos, pagar impostos e até remunerar os seus acionistas…


Portanto, uma das principais atribuições de um editor é buscar o equilíbrio permanente entre a excelência e integridade de suas publicações e a saúde econômica e financeira de sua empresa: para mim, as duas coisas não são antagônicas, mas sim complementares. Desde que o editorial nunca seja subordinado ou confundido com os interesses comerciais de curto prazo, seu fortalecimento inevitavelmente acabará atraindo mais leitores e anunciantes e produzindo melhores resultados ao longo dos anos.


Difícil, mas factível


Tudo isso tem implicações adicionais, e significa que precisamos continuar nos preocupando não apenas com nossos próprios veículos, mas também em evitar que os meios de informação em geral sejam subordinados a interesses políticos e partidários ocultos, que a tendência inevitável à consolidação não acabe reduzindo excessivamente o leque de fontes de informação e opinião diferentes à disposição do público, e que nunca aceitemos que a regulamentação ou tutela governamental substitua o nosso próprio autocontrole, auto-regulamentação e compromisso com a sociedade.


Obviamente, não estou me referindo exclusivamente ao jornalismo político e econômico. Nossos públicos – como quaisquer seres humanos – também se interessam por tudo desde astronomia, história e filosofia até seus amores, seus empregos, suas fantasias, sua saúde, suas férias, seu tempo livre e seus próximos – especialmente se forem celebridades!


Num mundo cada vez mais interligado e complexo, com cada vez mais informação disponível em todas as frentes 24 horas por dia, nossa tarefa passa a ser – cada vez mais –separar o relevante do não relevante, de selecionar o que mais interessa e mais importa do resto, e – principalmente – de tentar organizar e explicar o que isso tudo significa para um público com cada vez mais alternativas de diversão, cada vez mais interesses e… cada vez menos tempo.


Sem se tornar chata ou dogmática, e lembrando sempre que uma de suas principais funções é tornar o importante interessante, a imprensa – e os meios de informação em geral – deve ser uma força que ajuda a compreender o mundo, construir uma sociedade melhor, defender a comunidade e ajudar os seus leitores, telespectadores, internautas e ouvintes a viver melhor.


Isso tudo – utopicamente, eu sei, mas não por isso menos almejável – dentro de uma moldura ética permanente, mantendo a primazia do princípio sobre a conveniência, e não esquecendo a responsabilidade com os indivíduos, o público, a nação e até com o futuro do planeta.


Nada fácil, mas factível. E, paralelamente, uma das mais fascinantes, desafiadoras, gratificantes e divertidas atividades que existem e que tenho tido a sorte e a alegria de viver plenamente há tantos anos e por intermédio de tantas publicações, páginas e pessoas maravilhosas. Muito obrigado a todos.

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Presidente do Grupo Abril