Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O PT, a imprensa e o golpe

Pessoas têm me perguntado se avalio que exista mesmo um processo de desestabilização em marcha contra o PT e o seu governo. Gente que votou em Lula, gente aturdida com a ferocidade das denúncias que atingem o partido, gente que se espanta sempre que entra numa banca de jornal, ou liga o rádio ou a TV ultimamente. Quem sou eu para saber todos os fatos e todas as respostas. Envelhecido, com reflexos lentos, fôlego faltando, fico tentado a me esquivar das perguntas e fugir das responsabilidades: ‘Conversem com o José Genoíno! Perguntem lá para o Carlos Abicalil!’ Mas acontece que o que ouço da boca de políticos como deputado Abicalil (PT-MS) e Genoíno (presidente do partido) também não tem me deixado satisfeito, já que sou um brasileiro também procurando ler corretamente a conjuntura.

O fato é que Abicalil, Genoino e as lideranças mais governistas do PT batem na tecla de que existe um golpe em andamento contra o PT e o seu governo. Um golpe articulado por uma direita ensandecida que se somaria à grande mídia e mesmo a conspiradores pagos com o ouro de Washington. Fico vendo Abicalil, Genoino, Wanderley Guilherme dos Santos, até mesmo João Pedro Stédile praguejarem contra os golpistas – e não consigo enxergar golpista nenhum.

Penso que a mídia, capitaneada pela Folha de S.Paulo, Rede Globo, Veja, IstoÉ e o Estado de S.Paulo está fazendo o que sempre se soube que é capaz de fazer. De resto, fica difícil vestir uniforme de golpista em Heródoto Barbeiro, no William Bonner, no Augusto Nunes, ou mesmo no Olavo de Carvalho. Mesmo porque a perplexidade também perpassa artigos de figuras como Luis Fernando Verissimo, sempre ardoroso simpatizante do PT.

Então, se existe algum problema, o problema, neste caso, não está na imprensa, está no PT – que, infelizmente, está fazendo um governo tão complicado, para dizer o mínimo, quanto o de FHC, o de Sarney, o de Itamar. E se esse governo agrada em tudo ao mercado e ao grande capital financeiro, quem é que trama para derrubá-lo?!

Soma de prejuízos

Como bem disse Olívio Dutra – reforçado, no domingo (26/6), pelas oportunas declarações do deputado Paulo Delgado (PT-MG) ao Globo –, avalio que o PT paga, dolorosamente, o preço por se articular para a gestão do país com políticos da estatura moral dos senhores Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry, Romero Jucá – e poderia listar também Paulo Maluf, ACM, Anthony Garotinho, Henrique Meirelles.

O PT também está pagando o preço de ter trocado o debate interno – e o reforço de suas instâncias – pela ilusão de que os belos anúncios bolados pela equipe do Duda Mendonça seriam suficientes para lastrear sua base de massa. Desde que o companheiro José Dirceu e o Campo Majoritário controlaram os destinos do PT e, esmagando as propostas da esquerda do partido, conduziram-no a uma política de conciliação e de conchavos com forças conservadoras do tipo citado acima, reprisando e agudizando a política econômica de FHC, o PT começou a descer a ladeira. O fruto mais amargo disso tudo é a atual safra de CPIs em que o partido aparece como réu, pela primeira vez em sua respeitável história.

Escrevo e o peito me dói, pois quem me acompanha sabe que escrevo, há tempo, sobre estes desvios e esses descaminhos na imprensa de Mato Grosso – e não me orgulho nada disso. Sempre procurei fazer este debate abertamente porque, ao contrário de José Dirceu, em seus conchavos com as forças conservadoras, sempre entendi que um governo do PT deva ser um governo sem mistérios, verdadeiramente transparente, sem negociações por baixo do pano.

Cheguei a defender (e continuo defendendo) que as audiências políticas de Lula e dos seus ministros fossem transmitidas ao vivo pela da Radiobrás, tal qual acontece com as plenárias e as reuniões das comissões, na Câmara e no Senado. E que todas as contas e patrocínios do governo fossem colocadas na internet e que todas as conversas de gabinete, em Brasília, tivessem transcrição devidamente publicada no Diário Oficial da União. Sempre entendi, também, que fica muito mal, para um presidente eleito pelo PT, fugir das entrevistas coletivas, como Lula vem fazendo, desde que assumiu.

Quando clamava por transparência em meus artigos, publicados em sites e jornais de Cuiabá, uns e outros apareciam para me acusar de ‘fogo amigo’, de prejudicar o PT. Os dez ou doze deputados do PT, liderados por Walter Pinheiro, Ivan Valente e Chico Alencar, que procuram ter atuação referenciada na trajetória e no programa do partido, também sofrem críticas semelhantes. Fico a me perguntar, agora, o que soma mais prejuízos: a busca de transparência quanto à definição dos rumos do partido ou esses conchavos, nunca suficientemente esclarecidos, que estão agora a arrastar o PT para o buraco?

Frase infeliz

No domingo (19/6), em seminário do PT em Cuiabá, ouvi o deputado Carlos Abicalil, da bancada do PT na Câmara e integrante da CPI dos Correios, sugerir que criticar José Dirceu, nesse momento, é trair o PT. Fazendo top-top como o fradinho do Henfil, e parodiando o clássico de Dona Ivone Lara, ‘Sonho Meu’ – que virou ‘Só no Meu’ –, Abicalil sugeria que qualquer chamuscada em Dirceu, ou em qualquer outra liderança do PT, neste momento, sobrará certamente para todos os petistas.

Ouvindo a fala de Abicalil, lembrei-me daqueles escamosos padres, nos antigos colégios católicos, que ameaçavam com o inferno garotos que, na solidão dos internatos, ousassem buscar o prazer no aconchego dos dormitórios com seus companheiros de estudos e de descobertas.

Foi Djavan quem cantou: ‘Amar é quase uma dor’. Imagino que militar no PT, atualmente, exija também esta disposição de deixar e de fazer sangrar. Abicalil, para desacreditar o chantagista do PTB, Roberto Jefferson, que hoje coloca o PT contra as cordas, tentou fazer piada: ‘Lá na Câmara, ninguém senta perto dele sem segurar a carteira!’ Esqueceu-se Abicalil, em seu discurso pretensamente moralizador, de recordar que o chantagista Jefferson, tão logo explodiram denúncias sobre corrupção nos Correios, foi saudado por ninguém mais do que Luis Inácio Lula da Silva como um bom parceiro, chegando o presidente a proferir a frase, fartamente reproduzida pela mídia, que choca quem dela se recorda: ‘Ao Roberto Jefferson eu daria um cheque em branco!’ Ah, como Lula deve ter se arrependido, amargamente, desse gesto e desta frase!

Ampliar o debate

Ouvindo o deputado Abicalil fiquei achando que o parlamentar do Campo Majoritário distorce, de forma stalinista, o conceito de traição e não encaminha corretamente a autocrítica que o PT e os petistas precisam e devem fazer neste rico momento em que se aproxima a renovação de seus diretórios – e, quem sabe, pode até propiciar, no próximo encontro nacional, o ajuste de seu programa e de seu projeto político para o Brasil.

Entendo que o PT jamais superará seus impasses se não for capaz de assumir um profundo processo de depuração que faça aflorar todas as suas contradições. E isso deve ser feito diante do povo, com portas escancaradamente abertas para toda a imprensa, para toda a população que se interessar. Multiplicar os mistérios, neste instante, só pode aprofundar a crise e comprometer seriamente a perspectiva de o PT continuar governando o destino do Brasil e dos brasileiros. Entendo, ao contrário de muitos, que o PT é mais importante do que qualquer blindagem que se faça para evitar chamuscamento em integrantes do governo Lula.

Mais do que nunca, ao invés de reprimir, como faria um velho padre onanista e priápico desses que pontificam no noticiário sobre a pedofilia, é preciso incentivar e ampliar o debate interno, fazendo-o transbordar para toda a sociedade. Acredito que esta é a melhor forma de o PT e os petistas buscarem respaldo popular para não saírem esmagados das urnas, em 2006.

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Jornalista, fundador do PT, assessor técnico do mandato da senadora Serys Slhessarenko e articulista dos sites Última Notícia e CircuitoOnline