Os jornais destacam o fato de que a Câmara dos Deputados aceitou algumas alterações propostas pelo Senado Federal à nova lei eleitoral, aprovando o texto mais liberal que garante a ‘livre manifestação de pensamento’ através dos portais, blogs e demais ferramentas da internet. Mas mantém as restrições para os debates organizados por sites e portais, estabelecendo para veículos online as mesmas regras impostas a emissoras de rádio e televisão.
O projeto original apresentado em primeira votação na Câmara no começo de julho recebeu 67 emendas no Senado, mas continua sendo apenas um arremedo de reforma. No geral, a nova lei que deve ir à sanção do presidente da República contém apenas mudanças superficiais, mantendo as mesmas deficiências que são apontadas por observadores da cena política como causas importantes da falta de representatividade do Congresso Nacional.
Um desses questionamentos se refere à possibilidade de os candidatos receberem doações ocultas. O empenho dos deputados e senadores, tanto da base governista como da oposição, em manter as doações camufladas revela muito das origens dos escândalos que eventualmente abalam o Parlamento. Mais do que isso, aponta para a evidente vulnerabilidade dos chamados representantes do povo a pressões de lobbies e imposição de interesses de setores específicos sobre o bem-estar da sociedade em geral.
Falta de interesse
O caso mais escandaloso nos últimos tempos é a rapidez com que vem caminhando na Câmara a tentativa de legalizar a jogatina. Com o dinheiro suspeito de bingos e cassinos clandestinos espalhado pelo Congresso, sem que os parlamentares tenham que declarar a origem das doações, formou-se uma bancada amplamente favorável ao setor, e o projeto que libera o jogo passou pelas comissões especializadas, devendo ir rapidamente a votação.
Quando a imprensa destina páginas e páginas à divulgação de escândalos, como aconteceu durante os oito primeiros meses deste ano, está apenas tratando das conseqüências. As causas dos desvios de conduta e dos favorecimentos explícitos que ocorrem no Congresso – e nas demais casas legislativas do país – estão na origem, no recebimento de doações por baixo do pano.
Resta saber qual é o interesse real da imprensa nessa questão.
Círculo vicioso
O projeto da nova lei eleitoral vai agora a sanção do presidente da República. Segundo o Estado de S.Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil anuncia que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal para declarar a inconstitucionalidade do artigo que permite doações feitas a partidos políticos e não a candidatos.
Essa é a forma pela qual se dissimulam as bancadas privadas no Congresso: uma empresa ou determinado setor faz uma doação ao partido, mas especificando, por baixo do pano, quais candidatos devem ser beneficiados. Dessa maneira, mantém-se o parlamentar atrelado aos interesses do doador, sem que o eleitor seja informado dessa relação.
De acordo com o Estadão, na última eleição para a prefeitura de São Paulo, em 2008, nada menos do que 53% dos recursos foram transferidos aos candidatos por meio de doações ocultas. No total, foram mais de R$ 42 milhões investidos dessa maneira dissimulada, o que dá uma idéia de como nossa democracia representativa pode ter se tornado refém do poder econômico de alguns setores.
Jogo duro
Não é preciso ser um gênio em estratégia para concluir que, quanto mais problemático o setor, maior o seu interesse em dissimular suas doações. Essa prática pode estar na origem, portanto, de muitas decisões controversas dos parlamentos em todas as instâncias, quando o resultado de uma votação segue claramente na direção oposta à do interesse da sociedade.
No caso paulistano, a Folha de S.Paulo já havia revelado, em abril deste ano, que o setor de construção civil tem usado as brechas da atual legislação eleitoral para compor a maior bancada dissimulada na Câmara Municipal da capital paulista. Como conseqüência, tem-se uma casa legislativa absolutamente submetida aos interesses de um setor específico, que não são necessariamente os da sociedade como um todo.
Mas a indústria imobiliária, como outros poderes econômicos, é anunciante essencial para os jornais. Bom, aí o jogo começa a ficar mais complicado.