Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que eu preciso de saber sobre… jornalismo

Da Maratona à Terra do Fogo – Em 490 a.C., o soldado Filípides correu 40 quilómetros a pé, de Maratona a Atenas, para anunciar a vitória das forças atenienses sobre os persas. Depois, morreu. No passado dia 10 de janeiro, o jornalista norte-americano Paulo Salopek partiu da Etiópia com destino à Patagônia. Numa viagem a pé, com duração prevista de sete anos. Na bagagem, um gravador, uma máquina fotográfica, uma câmera de vídeo, um computador e um telefone-satélite. De 100 em 100 milhas, envia uma peça com sons, imagens, palavras.

Atual, importante, interessante – Usando os instrumentos de comunicação mais aperfeiçoados pelo engenho humano (dos caracteres móveis de imprensa à rádio e à televisão), o jornalismo, tal como o conhecemos até o início do século XXI, consistiu num olhar contínuo e plural sobre o que de novo ocorria em todos os domínios da vida e do saber. A transformação do mais importante, significativo e interessante em notícia (reportagem, entrevista) e em opinião (editorial, crônica, coluna) estava a cargo exclusivo de um grupo profissional, que se impôs um conjunto de padrões técnicos e de princípios deontológicos – clareza, rigor, isenção, independência, veracidade, respeito pelo contraditório, lealdade aos cidadãos e ao interesse público.

The ‘part-time’ people– A revolução digital em curso marcou a emergência de novos atores na produção e na distribuição de informação. Não apenas das pessoas antigamente conhecidas por audiências, mas também de novas plataformas fora da organização profissional e do modelo empresarial dos velhos media, a quem vêm mergulhando em crise profunda. Alguns profissionais não aceitam para os cidadãos outro papel que não seja o de fonte informativa.

Estão equivocados. Chame-se-lhe “jornalismo cidadão”, jornalismo em part-time ou “jornalismo acidental”, uma crescente interação com a sociedade só enriquece o jornalismo enquanto serviço público. O mesmo quanto à incorporação, no processo de produção noticiosa, das novas ferramentas e plataformas ao dispor de todos.

O jornalista multidimensional – Na altura em que escrevo estas notas, terminam, nos EUA, as inscrições para um seminário denominado O jornalista multidimensional. Promove-o o prestigiado Poynter Institute. Objetivo: ensinar a fazer peças e editá-las em papel e em qualquer plataforma digital. Porque, diz o anúncio, hoje uma notícia de última hora começa muitas vezes num ou mais tuítes (de jornalistas ou de não jornalistas) e passa a post num blogue (idem, idem), muito antes de se tornar numa peça mais extensa num jornal, numa rádio ou numa televisão.

Hoje como ontem, o mesmo contrato – Na era do ciclo noticioso em tempo real, da pressão da velocidade e dos rumores que inundam as redes sociais, um homem armado de gravador, câmera, portátil e parabólica oferece-nos em tempo lento “uma crônica sem procedentes da vida humana na Terra” (slow journalism, já lhe chamam). Passados 25 séculos sobre a primeira corrida da Maratona, a iniciativa de Salopek, vencedor de dois Pulitzer, reencarna o mesmo antigo símbolo do ethos jornalístico: recolher e fazer chegar a novidade testemunhada a uma massa de destinatários interessados. Até ao limite das forças, se necessário, e jogando nisso toda a sua credibilidade. Para que cada cidadão saiba como se orientar e tomar decisões informadas na paisagem natural e humana que é a sua vida e o seu tempo.

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Adelino Gomes exerceu atividade regular de jornalista na rádio, televisão e jornais, entre 1966 e 2008. Atualmente leciona a disciplina de Estudos Críticos em Media e Jornalismo, no ISCTE, em Lisboa. O livro Nos bastidores dos telejornais (Edições Tinta da China) reproduz parcialmente a sua tese de doutoramento em Sociologia da Comunicação