Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que falta ao noticiário

A menos de 50 dias da abertura da 15a. Conferência das Partes em Copenhague, da qual devem sair as decisões de governos para reorientar as atividades econômicas e sociais para reverter o quadro do aquecimento global, o governo brasileiro ainda se perde em discussões burocráticas e demonstra não ter avaliado a importância do evento.


A CoP15 é parte do processo chamado Conferência Quadro da ONU sobre Mudança do Clima e deve marcar uma nova etapa do processo de mudanças no sistema econômico mundial, criando regras e procedimentos mais adequados ao advento das tecnologias revolucionárias das últimas décadas e à necessidade de reverter o quadro ambiental que ameaça o futuro da humanidade.


O núcleo decisório do governo se prende a um detalhe burocrático, o de que o Brasil não precisa apresentar uma meta por não pertencer ao grupo dos países industrializados há mais tempo – componentes do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto. Parte dos auxiliares do presidente não enxerga a oportunidade de assumir a liderança mundial para as mudanças.


Para o governo, limitar o desmatamento anual até 2020 em 80% dos atuais índices (19 mil km2 de desmatamento por ano) e estimular a substituição de derivados de petróleo por biocombustíveis seriam medidas suficientes para fazer boa figura em Copenhague. Trata-se de um equívoco de tal monta que pode criar uma limitação grave ao desenvolvimento do país no médio prazo.


Mais sensível


O mito de que o crescimento econômico em si seria a maneira correta de atacar as desigualdades sociais e prover recursos para o Estado fiscalizar as atividades econômicas predatórias está no centro das vacilações do atual governo. Faz parte do imaginário de uma geração de líderes que sempre considerou o movimento ambientalista como inimigo dos interesses dos trabalhadores, por exigir das empresas que apliquem parte considerável de seus recursos na redução da poluição.


Para muitos sindicalistas e líderes políticos dos anos 1980, os ambientalistas apenas propunham aumento de gastos, o que reduziria as possibilidades de benefícios salariais aos trabalhadores.


Essa postura repete a antiga falácia de que é preciso fazer crescer o bolo econômico para depois redistribuir os benefícios do desenvolvimento, ao postular-se a tese de que é preciso garantir o crescimento econômico para compor recursos para a sustentabilidade.


De modo geral, a imprensa concorda com essa assertiva, mas já se mostra mais sensível aos argumentos dos especialistas que exigem um compromisso mais sério do Brasil em Copenhague.


Abordagem transversal


O Globo é o único dos três jornais de relevância nacional a dar destaque ao tema, na edição de quinta-feira (5/11). Em reportagem de página inteira, relata as divergências internas no ministério, com claras referências às controvérsias entre os chamados desenvolvimentistas – adeptos de menos controle sobre os investimentos como forma de estimular o crescimento da economia – e o grupo que enxerga a chance de o país adotar uma estratégia de desenvolvimento sustentável.


Mas falta, de modo geral, em toda a imprensa, uma visão permanente daquilo que está em jogo. O noticiário ainda é fragmentado, e para entender o quadro todo o leitor teria que contar com tempo extra e disponibilidade para consultar outras fontes de informação.


Talvez a solução fosse tratar nos jornais diários dos acontecimentos isolados relativos à questão ambiental e periodicamente fazer uma remissão ao quadro geral dos temas que serão discutidos em Copenhague, fazendo referência à relação entre a questão ambiental e o cenário econômico. Essa abordagem transversal poderia facilitar o entendimento do leitor de que muitas outras notícias do jornal estão conectadas ao problema central do aquecimento global e das carências sociais.


Papel da imprensa


Veja-se, por exemplo, o noticiário político.


Segundo os jornais, a reunião da Comissão de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara dos Deputados, que deveria votar o novo Código Florestal, foi cancelada na quarta-feira (4/11), por falta de quorum, apesar da forte presença de deputados na sala.


Organizados para levar adiante a proposta de flexibilização da legislação de proteção ambiental, os parlamentares ruralistas se negaram a assinar a lista de presença para forçar a suspensão. Segundo o Globo, um dos líderes ruralistas admitiu que os deputados forçaram o adiamento da votação ‘por causa da pressão da grande mídia’.


Esse é um dos papéis da imprensa: impedir que o Legislativo tome decisões importantes como essa longe do olhar da sociedade.