O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (4/8) pela TV Brasil teve como foco o jornalismo dedicado aos jovens. No mundo contemporâneo, onde o cotidiano dos adolescentes segue o ritmo frenético das notícias em tempo real postadas na internet, ainda há espaço para a leitura de jornais impressos? Os grandes veículos de comunicação conseguem alcançar as camadas mais jovens? A mídia especializada prende a atenção dos novos consumidores? Qual a medida certa para tratar de temas delicados como sexo e drogas?
Para debater estas questões, Alberto Dines recebeu três jornalistas que têm experiência neste segmento. No Rio de Janeiro, a convidada foi Carla Bittencourt, editora do ‘Caderno Dez’ do jornal A Tarde, da Bahia. Em São Paulo, participou Célia Pardi, que foi editora-chefe da revista Capricho. Bernardo Biagioni, editor do caderno ‘Ragga Drops’, do jornal Estado de Minas, participou do estúdio de Belo Horizonte.
Antes do debate ao vivo, na coluna ‘Mídia na Semana’, Dines comentou fatos de destaque dos últimos dias. O primeiro assunto da seção foi a conturbada relação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com a imprensa. O outro tema foi a recente censura judicial sofrida pelo jornal O Estado de S.Paulo devido à cobertura de irregularidades envolvendo o presidente do Senado, José Sarney, e sua família [ver íntegra abaixo].
A segmentação é benéfica?
Ainda antes do debate ao vivo, em editorial, Dines comentou que a imprensa sobrevive há 400 anos porque é dirigida a todos que buscam o conhecimento, mas que o panorama vem mudando há alguns anos. ‘Os consultores que vivem de criar tendências decidiram que os jornais e revistas perdiam leitores porque não conseguiam falar com os jovens. E dentro desta lógica os veículos impressos decidiram aproximar-se do público jovem através de cadernos com linguagem e assuntos jovens. Com isso acreditam que estão preparando novas gerações de leitores acostumados a manusear jornais e revistas’, disse [íntegra abaixo].
A reportagem exibida pelo Observatório antes do início do debate no estúdio entrevistou representantes dos dois lados da questão: jornalistas que atuam na mídia segmentada, jovens leitores e especialistas na adolescência. Marco Aurélio Canônico, editor da ‘FolhaTeen’, suplemento da Folha de S.Paulo, contou que sempre foi um consumidor do caderno porque este aborda temas interessantes e de forma ágil. O suplemento conta com um grupo de apoio de jovens que se reúne semanalmente. A conversa gira em torno do cotidiano dos jovens e mostra as tendências que o caderno deve seguir. ‘São eles que nos dizem o que estão fazendo, o que está acontecendo’, explicou.
A linguagem utilizada no caderno não é a mesma do restante do jornal. Ao mesmo tempo em que leva para o impresso um vocabulário mais moderno, que está em constante evolução, cumpre a função educativa de ‘puxar’ os jovens para a gramática tradicional.
O jovem dentro do jornal
Outro jornal que conta com a ajuda dos adolescentes na elaboração dos produtos voltados para jovens é O Globo. A ‘Megazine’ tem um conselho que sugere pautas, analisa as edições, participa de entrevistas e auxilia na atualização do blog do caderno. Para a estudante Roberta de Abreu, integrante do grupo, os jornais precisam observar a opinião dos jovens, mesmo tendo em conta que representam uma pequena parcela dos leitores. ‘A informação tem que vir a nós’, disse. Acostumados com a informalidade da internet, os jovens reagem de forma negativa ao formato dos veículos tradicionais. Adotar uma linguagem rebuscada pode afastar os adolescentes dos veículos impressos.
Tradicional no mercado jovem, a revista Capricho tem seu público cativo de meninas adolescentes. Na redação, a maioria é composta por mulheres. A redatora-chefe da revista, Tatiana Schibuola, contou que é um desafio comunicar-se com um grupo ao qual não pertence mais. O fato de ser mulher auxilia na cumplicidade com as leitoras: ‘Você já viveu aquilo pelo o qual ela está passando agora’. Curiosas, as leitoras estão descobrindo o universo adolescente e precisam da revista para guiá-las neste momento de transição.
‘A revista acaba virando uma cúmplice, uma irmã mais velha, alguém que fala a língua delas e ajuda a esclarecer as coisas difíceis do período em que elas vivem’, diz Tatiana. A publicação trabalha com quatro eixos principais: ídolos, beleza, moda e comportamento. O primeiro é o chamariz e garante as vendas em bancas, mas as matérias de comportamento fidelizam as leitoras. Para ajudar a fazer uma revista que ‘fala a língua das garotas’, Capricho conta com grupos de leitoras que atuam como consultoras.
Um difícil equilíbrio
Ao perceber o encolhimento do período da infância e o aparecimento de um nicho de mercado teen, o desenhista Mauricio de Sousa repaginou um clássico dos quadrinhos brasileiros. Mônica e seus amigos cresceram e suas aventuras agora também são retratadas na Turma da Mônica Jovem. Em estilo mangá, dos quadrinhos japoneses, eles vivem dilemas próprios da adolescência: a descoberta de um ‘outro mundo’ de sensações, emoções e contatos. ‘Eu tenho que tratar esses personagens como se fossem meus filhos. Ir orientando, monitorando, para que as revistas e as histórias não passem do ponto’, explicou.
A psicóloga Glória Coelho disse que os grandes jornais não conseguem chegar ao adolescente por uma questão social: falta de estímulo dos pais e da sociedade. Outro dado importante é que os jovens não se identificam com as mídias convencionais. ‘Eu desconheço algum veículo que seja suficientemente interessante para instigar a curiosidade do adolescente, para que ele se sinta confortável para colocar suas questões’, criticou. No corre-corre diário, falta tempo para o hábito da leitura. ‘O adolescente não tem mais tempo de pensar, imaginar, criar, elaborar o que é passado para ele’, analisou. Na internet, as informações mudam rapidamente e ‘já estão prontas’.
No debate ao vivo, Dines perguntou para Bernardo Biagioni qual a relação dos profissionais de educação com o caderno voltado para jovens do Estado de Minas. Biagioni contou que recentemente recebeu uma carta de uma professora relatando que leva o ‘Ragga Drops’ para o colégio e o usa como material de apoio em suas aulas. Para Biagioni, é uma missão do jornalista ‘traduzir’ o estilo de vida dos jovens para a sociedade.
Atualização sempre
Aos 21 anos, Biagioni se sente ‘um pouco velho’ em relação aos jovens de 15 anos: ‘Já não sei mais o que passar para eles’, disse. O jornalista destacou que devido à grande velocidade da circulação da informação é preciso uma atualização constante. É preciso que as pessoas comecem a encarar os jovens como ‘o último modelo do mercado’ porque estão mais aptos a encarar as transformações. Os dois principais eixos do caderno ‘Ragga Drops’ são sexo e profissões. ‘Em Minas Gerais, falar sobre sexo no jornal é muito complicado’, relatou. Para as tradicionais famílias mineiras, é necessário que o tratamento da notícia seja sutil.
A separação entre os assuntos ‘jovens’ e ‘não-jovens’ dentro dos jornais foi questionada por Dines. Na opinião de Carla Bittencourt, a cisão foi benéfica. ‘Há uma separação, mas no momento em que ela foi criada era importante porque buscava construir um espaço para um segmento que começou a ser pensado como um agente, uma figura que não é só um consumidor. Alguém que tinha interesses, gostos, que tinha vontades e precisava ter seus direitos respeitados’, disse. Uma das vantagens da criação dos suplementos é que os jornalistas foram obrigados a entender que o jovem é um cidadão que precisa ter um tratamento diferenciado.
Ter a ousadia de propor temas que aparentemente podem não interessar aos jovens é importante na confecção do suplemento, na opinião de Carla Bittencourt. Um telespectador perguntou como os assuntos são selecionados para o ‘Caderno Dez’ e a jornalista explicou que além da reunião de pauta tradicional, entram em discussão temas discutidos por outras publicações com o mesmo perfil e sugestão dos leitores através do blog do jornal.
De igual para igual?
Dines pediu para Célia Pardi comentar a transformação havida no perfil de Capricho dos anos 1960 para cá. De uma revista dirigida para jovens mulheres – esposas e donas de casa – firmou-se como um produto para adolescentes. Com a decadência das fotonovelas ocasionada pelo surgimento da televisão, a publicação consolidou-se como ‘a revista da gatinha’.
A ex-redatora chefe explicou que o público era diferente do atual. A revista falava para a jovem pré-universitária. Tratava de carreira, estudos e familía. As relações entre namorados, que permeiam as revistas que estão no mercado atualmente, ficavam em segundo plano. A jornalista disse que tentava incluir temas da vida política na revista para provocar o debate entre as meninas, mas a empresa editora alegava que o público não se interessaria pelo tema. Célia criticou o fato de as revistas hoje usarem linguagem informal. ‘A gente estava acima da leitora. A gente não usava gíria, não falávamos exatamente a linguagem da leitora. A gente sempre se posicionava como uma pessoa mais velha. Capricho era a amiga da leitora’, lembrou.
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Mecanismos de sedução
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 514, no ar em 4/8/2009
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Há 20 ou 30 anos os jovens não liam jornais e revistas? Não se interessavam por política, não queriam conhecer as questões relativas às suas futuras profissões?
Os leitores que hoje têm 40 ou 50 anos não foram à rua há duas décadas pedir a renúncia de Collor de Mello? O que liam na ocasião? A verdade é que a mídia impressa sobrevive há 400 anos justamente porque é universal, dirigida indistintamente a todos. Todos os que sabem ler e todos os que buscam o conhecimento.
Mas nos últimos anos os consultores que vivem de criar tendências decidiram que os jornais e revistas perdiam leitores porque não conseguiam falar com os jovens. E dentro desta lógica os veículos impressos decidiram aproximar-se do público jovem através de cadernos com linguagem e assuntos jovens. Com isso acreditam que estão preparando novas gerações de leitores acostumados a manusear jornais e revistas.
Não sabemos o que o público jovem pensa sobre Collor de Mello e José Sarney, mas sabemos o que os garotos e as garotas pensam sobre o rap, hip-hop, sexo, drogas e malhação.
O Observatório da Imprensa vai tratar hoje desta mídia jovem, fenômeno que não se limita ao eixo Rio-São Paulo e estende-se por todas as regiões do país.
Enquanto o país assiste à maior crise do Legislativo, vamos saber o que pensa o leitor que dentro de poucos anos vai se converter em eleitor.
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A mídia na semana
** A democracia bolivariana da Venezuela está cada vez mais parecida com uma ditadura. A escalada de Hugo Chávez contra a liberdade de expressão está ultrapassando todos os limites. O caudilho ataca em várias frentes: fechou 34 emissoras de rádio enquanto envia ao Congresso um projeto de lei sobre o exercício do jornalismo e uma reforma na lei das telecomunicações. Como se não bastassem as violências, uma milícia chavista invadiu a Globovisión armada de granadas e armas de fogo para intimidar os jornalistas. A mídia brasileira está cobrindo amplamente os estertores da democracia na Venezuela. Nossa diplomacia acha normal o que se passa no país vizinho.
** Aqui a violência contra a imprensa é mais sutil, envolta no veludo das togas dos magistrados. O mais recente lance da censura judicial foi dirigido contra O Estado de S.Paulo, jornal que vem liderando as revelações sobre as prevaricações no Senado e as irregularidades do clã Sarney. Quem proibiu o Estadão de continuar divulgando o material apurado pela Polícia Federal foi um desembargador, muito próximo da família Sarney. O cerco contra a imprensa no Brasil faz-se através de juízes que deveriam ser os mais intransigentes defensores do direito à informação.
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Jornalista