Aproveitando a mudança de calendário e seguindo uma velha praxe, tenho feito um ‘balanço’ seletivo do setor de comunicações quando o janeiro seguinte se aproxima. Na verdade, no final de 2007, exagerei na medida e cometi três longos textos cobrindo 16 áreas e dedicando um artigo inteiro a manifestações de lideranças internacionais sobre o papel da mídia [ver ‘Balanço 2007: As críticas de Gore e Blair à grande mídia‘, ‘Mais recuos do que avanços‘ e ‘Algumas novidades e poucos progressos‘].
Depois de reler os balanços anteriores decidi que é hora de quebrar essa seqüência: eles começaram a ficar repetitivos. Apesar das intensas mudanças tecnológicas e, até mesmo, de alguns poucos avanços institucionais, não me parece que tenha havido alteração política significativa no setor.
No ano em que se celebraram (ou não?) os ‘200 anos da Imprensa no Brasil’ e os ’20 anos da Constituição’, a reflexão crítica dominante foi exatamente de que a maioria dos atores que historicamente ‘dão as cartas’ na formulação das políticas públicas e a maioria dos problemas das comunicações continuam basicamente os mesmos.
Ao invés de ‘balanço de final de ano’ decidi, então, olhar para frente, fazer prospecção, futurologia. Claro, isso só é possível a partir de uma avaliação do presente. Claro também que se erra menos quando se avalia o que passou. No entanto, como o futuro do passado tem sido irritantemente parecido, talvez antecipar o futuro do presente não seja tão impossível.
De qualquer maneira, aí vão minhas primeiras especulações, listadas aleatoriamente. O que não acontecer, para o bem ou para o mal, fica apenas na conta de mais uma previsão que fracassou.
1.
O futuro dos ‘jornalões’É verdade: na contramão do que acontece em países como os EUA, houve entre nós um crescimento importante da chamada imprensa popular na esteira da vigorosa inclusão de setores das classes C e D ao mercado de consumo, nos últimos anos. No que se refere aos ‘jornalões’ da grande mídia, no entanto, nunca foi tão verdadeira a frase de Bernardo Kucinski escrita anos atrás:
‘…a elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias; uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa’.
Os ‘jornalões’ estão, cada vez mais, falando para si mesmos. Daí a enorme perda do seu poder de ‘formar opinião’.
Será possível prosseguir contando amanhã a notícia que todos já conhecem hoje? A mídia impressa terá obrigatoriamente que se reinventar e repensar seu papel na sociedade e, não há dúvida, a sua credibilidade passará a ser um fator determinante na batalha da sobrevivência.
2.
O laboratório dos novos conceitos jurídicosNo ano que termina tornaram-se presentes no debate público conceitos como liberdade de expressão comercial e teses como a que desobriga o sistema privado de mídia de sua responsabilidade em relação ao interesse público. O atendimento deste seria tarefa apenas dos sistemas público e estatal.
O laboratório de ‘balões de ensaio’ jurídico continuará a funcionar a todo vapor em 2009. O que seus patrocinadores desejam é transformar esses conceitos e teses em novas normas legais. Não é simples, mas também não é impossível que aconteça.
3.
O avanço da internetA inclusão digital continuará a surpreender positivamente. A informação online – de todo tipo – estará cada vez mais disponível a preços acessíveis tanto nos computadores como nos celulares que, aliás, já se transformaram em minicomputadores portáteis. Milhões e milhões de brasileiros(as) já fazem parte de uma geração socializada com a presença (dominante?) da internet: em casa, no vizinho, no amigo, no trabalho, nas lan-houses, nos centros de cultura, nas igrejas etc., etc.
Um exemplo: as notícias não chegam mais pelo jornal impresso no café da manhã ou pelo telejornal da TV, à noite. Escolhe-se o assunto e a operadora de telefonia móvel, diretamente ou através de parceria com uma agência noticiosa, envia para o celular do assinante torpedos SMS com as informações selecionadas, 24 horas por dia.
As conseqüências dessa imensa revolução ainda não foram totalmente ‘digeridas’ pela mídia impressa ou pela televisão (o rádio ‘corre por fora’ e sobre ele falaremos depois).
4.
A batalha das idéiasOs concessionários privados de radiodifusão continuarão a recorrer ao fantasma da censura e da ameaça à liberdade de expressão como forma de interditar o debate sobre os avanços necessários na democratização do setor. Essa tem sido a forma recorrente de se estabelecer a confusão sobre o que de fato está em questão.
Assistiremos, simultaneamente, a um revigoramento da defesa do status quo midiático que, aliás, já está em andamento. Porta-vozes intelectualmente sofisticados defendem bandeiras há décadas caducas, por intermédio de colunas, artigos e comentários. Claro, essa defesa continuará a proteger os interesses daqueles que resistem historicamente à democratização das comunicações entre nós.
5.
O fator ObamaSe Barack Obama cumprir as promessas de campanha para o setor de comunicações, sua posse na presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2009, deverá ter repercussões positivas, inclusive, no Brasil. Espera-se que sejam criadas novas regras para (1) garantir acesso aberto à internet para todos os domicílios e empresas, urbanas e rurais, ricas e pobres; (2) impedir maior concentração da grande mídia e, ao mesmo tempo, incentivar e fortalecer a mídia local independente – jornais, emissoras de rádio e televisão; e (3) financiar a mídia pública e comunitária, assim como a outros grupos não-comerciais.
O ‘efeito demonstração’ potencial que a adoção dessas políticas nos EUA teria no Brasil não deve ser subestimado. Os atores locais eternamente contrários às medidas democratizantes perderiam uma de suas principais referências. [Continua na próxima edição.]
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)