Ao longo da semana, o repórter americano Rob Kuznia virou notícia por um motivo insólito. Na segunda-feira (20/4), a Universidade Columbia, que administra o Prêmio Pulitzer, anunciou que o repórter e mais dois colegas – Rebecca Kimitch e Frank Suraci – do jornal The Daily Breeze, da pequena cidade californiana de Torrance, eram os ganhadores na categoria mídia local da premiação de 2015. Liderado por Kuznia, ao longo de 2014 o time publicou uma série de dez reportagens investigativas sobre um esquema criminoso numa escola pública, a Centinela Valley Union High School, localizada em um dos distritos mais pobres da região de Los Angeles.
Graças a conexões políticas, o ex-vereador José Fernandez converteu-se em superintendente da escola, conseguindo fechar um contrato sigiloso que lhe garantia rendimentos anuais de US$ 663 mil, além de benefícios extras que elevavam o pacote a mais de US$ 1 milhão, tudo bancado com dinheiro público. O contrato incluía até um empréstimo subsidiado para a compra da casa própria.
A série de reportagens do Breeze venceu dois mil concorrentes em todo o território americano. Mas o que amplificou a fama de Kuznia não foi o Pulitzer em si, mas o fato de que, para pagar as contas, ele trocou o emprego no jornal, onde ganhava cerca de US$ 40 mil anuais, para virar relações públicas. Há oito meses, por um aumento de 25% no salário, Kuznia trabalha como assessor de imprensa na fundação Shoah. Sediada na Universidade da Califórnia do Sul (USC), a Shoah é uma iniciativa filantrópica bancada pelo diretor Steven Spielberg para homenagear as vítimas do Holocausto.
A história de Kuznia ganhou repercussão mundial depois de uma matéria publicada pelo The New York Times. Ele contou ao jornal que chegou a receber um aumento do Breeze. “Não que eles não ligassem. Mas simplesmente não era suficiente”, disse. Ao site The Daily Beast, Kuznia acrescentou: “Eu conseguia pagar o aluguel, mas de fato não conseguia fazer muito mais do que isso. (…) Não existia poupança e comprar uma casa era um sonho engavetado”.
Ao blog de Erik Wemple, do Washington Post, Kuznia revelou que a migração do jornalismo para a assessoria de imprensa lhe trouxe um certo pesar. “Eu acho que os jornalistas alimentam por muito tempo a crença de que virar assessor de imprensa significa desistir ou se vender, mas, você sabe, quando era repórter, eu precisava do pessoal da assessoria. (…) Eles me forneceram muitas das histórias que acabei apurando.”
Fazer dinheiro
Depois do anúncio do prêmio, Kuznia voltou à redação do Breeze para rever os colegas e estourar uma garrafa de champanhe. Ao Daily Beast, disse que sabia que o editor Frank Suraci havia inscrito as matérias no Pulitzer, mas que considerava a chance de ganhar “muito irrealista”. Segundo a comissão de jurados da premiação, a série do Breeze ganhou “por sua investigação sobre a corrupção disseminada em um distrito pequeno e sem recursos financeiros, incluindo o uso intensivo do website do jornal”. Além da medalha dourada do Pulitzer, o prêmio garante US$ 10 mil ao trio vencedor.
Contando com apenas sete repórteres e uma carteira de 63 mil assinantes, o Breeze pertence à linhagem de publicações mais vulneráveis à revolução digital. São aquelas sediadas em cidades pequenas, onde autoridades públicas e empresas privadas costumam sofrer menos escrutínio da imprensa. Em tempos de queda contínua na circulação e no faturamento, esses pequenos jornais lutam para obter anúncios, aumentar a carteira de assinantes e vender exemplares avulsos. Foi nesse ambiente hostil à investigação jornalística de fôlego – e resultado incerto – que durante seis meses Kuznia vasculhou documentos do Escritório de Educação do Condado de Los Angeles. Além da demissão de José Fernandez, o escândalo causado pela cobertura do Breeze provocou a criação de regras mais rígidas para a remuneração e fiscalização de gestores educacionais no condado.
Conforme os jurados do Pulitzer notaram, o pequeno jornal tem produzido conteúdo digital de qualidade. Para especialistas na indústria da mídia, o fim do jornal de papel é apenas uma questão de tempo – quando, ninguém sabe. Em uma coluna recente, Margaret Sullivan, editora pública (cargo equivalente a ombudsman) do New York Times, dialogou com o pensador Clay Shirky sobre o declínio da mídia impressa. Professor da Universidade de Nova York (NYU), em 2009 Shirky escreveu um artigo de fôlego a respeito. Em sua coluna, Sullivan argumentava que hoje 70% de todo o faturamento do Times vem do jornal impresso, seja na forma de assinaturas ou publicidade. E ela citava dois editores executivos do jornal – Roland Caputo e Dean Baquet – para quem o impresso continuará de pé por pelo menos mais uma década.
Eis parte da réplica de Shirky: “Gostaria de oferecer uma narrativa consideravelmente mais sombria: penso que o padrão de declínio do faturamento do impresso será rápido, lento, rápido”. Para ele, a perda de receita dos jornais se acelerou entre 2007 e 2009, em meio à recessão e à explosão dos smartphones e tablets. Graças, em parte, à recuperação da economia americana, a queda de faturamento se desacelerou. Mas Shirky prevê uma nova fase de forte queda de receita à medida que a circulação impressa continuar a encolher: “O problema da mídia impressa é que os retornos vantajosos obtidos com a distribuição física de jornais tornam-se desvantajosos quando a escala diminui”.
Se a tese de Shirky se confirmar, num futuro não muito distante um grande jornal como o NYT pode deixar de circular em versão impressa, ou fazê-lo apenas em edições dominicais. Os pequenos jornais como o Daily Breeze encontram-se sob pressão econômica ainda maior. Pensando nos desafios já enfrentados por jovens repórteres e profissionais que desejam continuar na carreira, instituições como o centro TowKnight ensinam empreendedorismo e gestão em jornalismo. Sediado na City University of New York (CUNY), o TowKnight prevê que “o futuro do jornalismo será construído pelo empreendedores que desenvolvam novos modelos de negócios e projetos inovadores”.
Parte deste futuro já vem sendo construído em redações sem fins lucrativos. Um relatório recente da Fundação Knight indica que o faturamento de publicações sem fins lucrativos cresceu 73% entre 2011 e 2013, através de várias formas de captação de recursos, de assinaturas e anúncios em websites a doações de leitores no formato crowdfunding. Para evitar que a história de Rob Kuznia se repita maciçamente, a ideia é que, além de produzir notícias, jornalistas aprendam também a fazer algum dinheiro.
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Angela Pimenta é jornalista