Dos três grandes jornais considerados de circulação nacional, o Estado de S.Paulo foi o que deu maior destaque à Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, o PNAD 2009, divulgada na quarta-feira (8/9) pelo IBGE. Com um caderno especial de seis páginas, o jornalão paulista é o que se prende mais aos dados, enquanto o Globo busca vinculações políticas aos elementos negativos da pesquisa.
A Folha de S.Paulo dá menos importância aos aspectos econômicos e de qualidade de vida constatados no estudo e destaca elementos demográficos, que não representam o objetivo mais importante do PNAD. Refere-se, por exemplo, às proporções entre os números de homens e mulheres solteiros em cada Estado.
O estudo é realizado todos os anos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, cobrindo o período de setembro a setembro, com exceção dos anos em que é realizado o censo demográfico.
Capa e miolo
No documento reproduzido e comentado pelos jornais nas edições de quinta-feira (9), a pesquisa faz um retrato do Brasil que emerge da crise financeira internacional de 2008, mostrando que os avanços sociais dos anos anteriores resistiram às dificuldades. No entanto, problemas estruturais, como a falta de saneamento básico e deficiências na educação, persistem para grande parte da população.
Por outro lado, o desemprego, que havia arrefecido nos anos anteriores, voltou a assombrar no período em que as empresas sofreram o impacto mais severo da crise financeira.
O Globo destaca esse elemento no amplo estudo, que aborda ainda a mobilidade social e o aumento do número médio de filhos, entre outros aspectos que permitem fazer um retrato das mudanças na sociedade brasileira.
‘Crise afeta emprego e poupa renda’, destaca o título principal do jornal carioca na seção dedicada ao estudo, informando que o desemprego subiu de 7,1% para 8,3% em 2009, mas os salários também tiveram um aumento de 2,2%.
Interessante notar como o noticiário interno do Globo, em relação à apresentação do tema na primeira página, é mais informativo, enquanto a chamada da primeira página chama atenção pelo aspecto opinativo. ‘O país de Lula: esgoto em baixa, consumo em alta’, destaca o Globo na primeira página.
Uma agenda necessária
Também se pode notar um viés político bastante questionável em algumas análises. Numa delas, por exemplo, a colunista Miriam Leitão observa que o acesso aos serviços de telefonia aumentou 337% desde 1992, enquanto, no mesmo período, o número de casas com acesso a serviço de esgoto cresceu apenas 30%.
A colunista destaca em sua análise o período da privatização das telecomunicações, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, para afirmar que a privatização fez avançar de maneira impressionante a telefonia, enquanto o saneamento básico, nas mãos do Estado, pouco evoluiu. Para o leitor atento, a comparação pode parecer um pouco forçada, dadas as discrepâncias entre os dois serviços.
De modo geral, os jornais cobrem os aspectos mais importantes da pesquisa, embora seja necessário ler os três diários para se obter uma visão aproximada do que revela o estudo do IBGE.
A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio mostra um país em crescimento, com grandes e graves problemas ainda por resolver. Apesar da crise financeira que afetou o mundo inteiro, mais de um milhão de brasileiros deixaram a pobreza no ano passado. Além disso, percebe-se alguma melhora na distribuição da riqueza: seguindo tendência recente, o último ano mostrou que a renda dos 40% mais pobres cresceu 3,1%, enquanto a renda dos 10% mais ricos aumentou 1,09%.
Alguns outros indicadores de desenvolvimento social, como o analfabetismo, apresentam melhora tímida, mas a comparação com as versões anteriores do estudo revela que há um processo contínuo de bons resultados.
Tais indicadores, que caracterizam historicamente um país subdesenvolvido, parecem evoluir em ritmo muito lento, principalmente quando colocados ao lado dos dados econômicos, como o consumo de bens duráveis.
Embora os jornais passem ao largo dessa questão, é preciso levar em conta que em 2009 o mundo enfrentou os primeiros efeitos da maior crise financeira dos tempos modernos. Sem observar esse contexto, a análise da imprensa fica perneta.
Olhado em seu conjunto, o PNAD mostra um país em franco crescimento, com mais mobilidade social mas ainda atrapalhado por carências profundas. Essas carências deveriam compor a agenda proposta pela imprensa aos candidatos a governar o país.