As reações aos atentados de Paris, no dia 13 de novembro, podem assumir uma importância tão grande, e talvez até maior, do que o sangrento episódio que causou 129 mortes, quase 300 feridos e deixou uma cidade inteira traumatizada. Eventos como este geram inevitavelmente sentimentos de dor e de vingança, e é neste último que encontra-se o motivo para preocupações.
A raiva por um ataque inesperado contra pessoas sem um protagonismo politico direto alimenta uma sequência de reações cujo desenvolvimento pode tomar rumos imprevisíveis. Os atentados de Partis são consequência de eventos anteriores e ao mesmo tempo causa de outros que ainda estão por acontecer e cujas dimensões vão depender diretamente do tipo de atitude a ser tomada por governantes.
Administrar o trauma causado pelas mortes é um desafio colocados diante dos tomadores de decisões. Como qualquer pessoa, eles são influenciados por emoções, mas em momentos críticos, a frieza e serenidade são fatores que podem definir se uma crise aumenta ou diminui de intensidade. O terrorismo globalizado é um fenômeno cuja intensidade vem crescendo a medida em que se sucedem ações e retaliações, indicando que gradualmente estamos ingressando num virtual estado de guerra planetária, sem posições ou fronts definidos , onde o que conta não são os territórios conquistados mas o tipo de informação que cada lado produz e que condiciona o posicionamento dos grandes conglomerados humanos.
Não é difícil prever que num quadro como este, todos nós acabamos nos transformando em alvos potenciais e em virtuais perdedores. A segurança pessoal vira fumaça e o medo passa a ser a sensação predominante 24 horas, sete dias da semana.
Se este é o desenlace provável da espiral de violência, da qual os atentados de Paris são apenas um evento numa serie de outros tão ou mais trágicos, então o instinto de auto-sobrevivência pode nos empurrar para uma reflexão coletiva sobre a situação que estamos vivendo. Se não fizermos isto, estaremos condenados a conviver com matanças, sem desfecho a vista.
A reflexão inevitavelmente nos leva a um tema central no contexto atual: o papel da informação na crise do terrorismo globalizado. O confronto entre terroristas e anti-terroristas não tem como objetivo o controle de territórios mas das opiniões de pessoas. Esta é a natureza real e o objetivo principal de ataques como o de Paris. Os autores não tem pretensões de ocupar espaços geográficos mas sim de criar situações que ao serem disseminadas na forma de informação levem à conquista de corações e mentes.
Assim para ganhar simpatias, terroristas e anti-terroristas usam a informação como matéria prima que alimenta ações militares, politicas, econômicas e psico-sociais. Trata-se de um processo estratégico porque uma informação se soma a outra gerando o que os especialistas batizaram de “cascatas informativas”. As pessoas normalmente tendem a captar informações que reforcem pontos de vista preexistentes, o que por sua vez intensifica a polarização e radicalização de opiniões.
Este processo é quase tão velho quanto a humanidade e já nos levou a tragédias de grandes proporções. Se a preocupação for evitar conflitos como as duas guerras mundiais do século passado ou equívocos como a invasão do Iraque, temos que ir à origem dos processos informativos que mobilizaram corações e mentes e consequentemente a base para ataques terroristas e retaliações militares massivas.
A responsabilidade da imprensa
Lidar com informações em situações de crise é um processo complexo e delicado porque envolve a análise fria do contraditório e da diversidade de perspectivas. Para organizações terroristas e governos pressionados por atentados e assassinatos é muito difícil escapar da lógica da retaliação. E é aí que a imprensa passa a ter um papel fundamental no sentido de oferecer às pessoas os elementos necessários para que elas reflitam sobre situações que ameaçam levá-las a viver a paranoia do medo e da insegurança permanentes.
A associação dos atentados do dia 13 de novembro em Paris ao fluxo de refugiados sírios, curdos, iraquianos e líbios para países europeus pode ter consequências gravíssimas e irreversíveis. A ligação é fácil e aparentemente impune, o que exige dos meios de comunicação um cuidado extremo na abordagem do tema porque as manchetes, fotos e vídeos influenciarão a forma como as pessoas passarão a ver qualquer cidadão com aparência árabe. Bombardear regiões da Síria para atingir alvos do Estado Islâmico um dia após os atentados pode parecer um ato de vingança alimentado mais pela raiva do que pela reflexão, e consequentemente aprofundar a espiral de retaliações.
Quando a imprensa se alinha com um dos lados em confronto no terrorismo globalizado, ela contribui para que as “cascatas informativas” produzam consequências ainda mais letais. Para o cidadão comum, saber lidar com a informação deixou de ser um luxo para ser uma questão de sobrevivência real, especialmente quando vivemos um clima de crescente globalização do terror.