Se o governador mineiro Aécio Neves quiser consolidar neste ano sua candidatura à presidência da República, ele vai ter que passar muito mais tempo no Rio de Janeiro – como já tem feito – e em outros estados brasileiros. Pois ele, ao contrário do avô na década de 1980, não será notado se permanecer em Minas Gerais, governando o estado. As diferenças entre os dois – avô e neto – são muito grandes e não cabe aqui descrevê-las. Mas é possível apontar uma, que faz com que o neto precise pegar a estrada: ele não conta mais, em Minas Gerais, com as sucursais dos grandes jornais e revistas brasileiras que alimentavam as principais agências de notícias e levavam as palavras de Tancredo Neves a todo o território nacional.
A década de 1990 representou o fim das sucursais. A primeira a fechar foi a do Estado de S.Paulo, seguida pelas do Jornal do Brasil e do Globo. Um levantamento que fiz, em 2003, para escrever o livro Sucursal das Incertezas, revelou a existência de apenas duas sucursais – a da Folha de S.Paulo, com dois jornalistas, e a da Gazeta Mercantil, com quatro. A Veja mantinha um escritório do departamento de publicidade e um correspondente, José Edward Lima, que havia fechado no ano anterior o escritório da Savassi e passou a trabalhar em casa, para reduzir custos. Ele chefiava a sucursal há cinco anos, mas só tinha dois jornalistas freelances fixos, que acabaram demitidos em 2000 e 2001.
Representação comercial
Outro empregado do Grupo Abril, o correspondente da Exame, José Maria Furtado, o Deca, passou também a trabalhar em casa, por economia. Mesmo assim, foi demitido em janeiro de 2003. Porém, as agências Estado e AJB e o jornal Valor Econômico continuavam com correspondentes em Belo Horizonte. A situação mais curiosa era a do corresponde da AJB, que trabalhava como frila. Seus telefones para contato eram o da rádio onde trabalhava e o da sala de imprensa da Assembléia Legislativa.
O Plano Collor, com suas trapalhadas, representou o fim da sucursal do Estadão. O repórter Evaldo Magalhães, o mais novo na casa – portanto, o de menor salário – foi mantido como correspondente. Trabalhava em casa. A sucursal do JB, que na década de 1970 empregava dez jornalistas, foi fechada em outubro de 1993. Antes disso, os donos do jornal tentaram, por duas vezes, trazer de volta Acílio Lara Resende, que por 23 anos havia sido diretor da sucursal em Minas e fora demitido em dezembro de 1998 – um mês antes de eu pedir demissão, encerrando um trabalho de 16 anos ali.
Após o fechamento, Acílio aceitou ficar com a representação comercial do jornal, e instalou a correspondente Roselena Nicolau e o fotógrafo Waldemar Sabino, o Mazico – que não podia ser demitido, pois era diretor do sindicato – numa sala da Rua Guajajaras, perto de sua empresa, a L&R Comunicação Social S/C Ltda, que tem como clientes a Folha de S.Paulo e outros jornais.
Projeto ficou no papel
Essa situação foi mantida até 1996, quando a sucursal foi reaberta por Teodomiro Braga, mas ela durou só até 2002, quando ele passou a dirigir a redação do jornal O Tempo.
Quando fui trabalhar na sucursal do Globo, em 1990, ela empregava 14 jornalistas, incluindo três correspondentes (em Juiz de Fora, Uberaba e Montes Claros) e dois fotógrafos. Havia ainda dois telexistas e dois motoristas, além do pessoal do comercial e da administração. Ocupava um andar de um prédio na Savassi. Em 1992, houve forte revoada do passaralho e sobraram quatro jornalistas. A ave voltou em 1993, quando fui demitido. Em meados da década, a sucursal fechou, ficando o então chefe da redação, Walter Huamany, como correspondente. Trabalhava também na rádio CBN e foi fazer curso de Psicologia – uma espécie de rota de fuga, para o caso de se agravar a crise no jornalismo.
Encerrava-se um ciclo, apenas prenunciado no começo da década de 1970, quando foi fechada a sucursal do Correio da Manhã, que chegou a empregar seis jornalistas na década anterior, apesar do embate desesperado com o regime militar.
Contemplando, muitos anos depois, esse panorama, o chefe da assessoria de imprensa do governo Tancredo Neves e de Hélio Garcia, jornalista J. D. Vital, podia se felicitar pela opção que fez. Quando terminava o governo Hélio Garcia, ele foi convidado para abrir e dirigir em Belo Horizonte a primeira sucursal de um jornal da capital federal, o Correio Braziliense. Entusiasmou-se com o projeto, mas, bem aconselhado por um amigo – Antônio Telles, da TV Bandeirantes – optou por ser assessor de imprensa da CBMM – Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia –, onde se encontra até hoje. A sucursal ficou apenas no papel.
Três alternativas
Estudiosos terão melhores explicações para a ascensão e queda das sucursais dos jornais e revistas instaladas em Belo Horizonte a partir dos anos 1960. Posso, no entanto, apresentar algumas sugestões para o debate. Primeiro, para a ascensão.
Com o regime militar, elevou-se em muito o grau de concentração de poder no Brasil. No auge do regime, calculava-se que o governo federal e as estatais respondiam por mais de 70% da economia brasileira. Num cenário desses, era grande a dependência das empresas privadas, que buscavam no governo não apenas a fonte de lucros, mas a solução de problemas de sobrevivência.
Em tempos normais, com o Congresso Nacional funcionando de fato, os empresários brasileiros se fazem representar no governo pelos deputados e senadores, que se prontificam, de boa vontade, a atuar como despachantes de luxo para resolver problemas de clientes. Por mais de duas décadas, porém, tais políticos tiveram que entrar na fila diante do guichê das repartições públicas, pois, sem patente militar, não tinham prestígio junto aos detentores eventuais do poder. Eram pouco efetivos, do ponto de vista empresarial.
Restavam aos empresários três alternativas: dirigirem-se, pessoalmente aos ministérios e a outros órgãos públicos, de chapéu na mão, nos casos de pleitos individuais; representarem-se, por dirigentes de federações e associações empresariais, nas reivindicações coletivas ou setoriais; e fazerem-se ouvir por intermédio da imprensa, com anúncios ou notícias.
O acesso aos gabinetes
Havia obstáculos em cada uma dessas opções.
Na primeira, o empresário que fosse diretamente fazer um pedido estaria sujeito a ter que contribuir, pesadamente, para o caixinha de algum esquema de corrupção. E os havia. (Em Minas, um importante secretário de Hélio Garcia na prefeitura de Belo Horizonte e no governo estadual foi agraciado com o significativo apelido de Quinzinho, pois tinha a fama de cobrar propina de 15% do valor da obra – bons tempos aqueles…) Era preciso também entrar na fila de espera das agendas sobrecarregadas das autoridades que realmente tinham poder de decisão.
Na segunda, o problema quase insuperável era a falta de prestígio das entidades empresariais – tanto ou mais que a dos políticos profissionais. Em geral, eram despreparadas e não tinham representatividade. Os dirigentes das federações eram – e ainda são – eleitos por alguns poucos indivíduos, tão pelegos como eles, e que se perpetuam à frente dos sindicatos. O presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, Fábio de Araújo Motta, permaneceu por 23 anos no cargo, reeleito por três dezenas de presidentes de sindicatos ligados à entidade.
Na terceira opção, o maior empecilho era a dificuldade de acesso do veículo de comunicação aos gabinetes dos que realmente decidiam. Os jornais mineiros, por suas conhecidas deficiências, nunca conseguiram ultrapassar de fato as divisas do Estado. Nos gabinetes ministeriais, só eram lidos pelos mineiros que eventualmente ocupassem cargos importantes no governo – o que não era muito comum. Em geral, eram lidos os grandes jornais do Rio e São Paulo, considerados nacionais, pois tinham sucursais ou correspondentes em todos os estados.
‘A turma do pão de queijo’
Por sua vez, esses jornais eram bastante seletivos no noticiário. Não era fácil transmitir recados por meio de entrevistas a repórteres ou artigos assinados. Por isso, os empresários recorriam aos anúncios. As sucursais mineiras faturavam muito. A do Jornal do Brasil estava no auge quando fui admitido como estagiário, em julho de 1972.
No começo da década de 1980, iniciou-se o declínio, com a crise financeira do país, que provocou enorme quebradeira de empresas e atingiu duramente os jornais. JB, Folha e Estadão pensaram, por um momento, em se associar para criar uma grande agência de notícias, vinculada também aos mais importantes jornais de cada estado. Isso significaria o desmonte das sucursais. Esse projeto fracassou por causa da ainda grande competição entre os jornais. Além disso, havia uma possibilidade de mudança, a partir das eleições de 1982.
Com a eleição de Tancredo Neves, as atenções voltaram-se para Minas, o que segurou os empregos nas sucursais, apesar da queda no faturamento. A situação se agravou quando José Sarney substituiu Tancredo na Presidência da República. Com Sarney, os políticos voltaram a ocupar espaços tradicionais de articulação entre empresa e governo.
A pá de cal, no entanto, veio com Itamar Franco, em 1992. Desde Juscelino Kubitschek, era o primeiro presidente brasileiro a ler jornais mineiros. Em boa parte, seus ministros – aqueles chamados pejorativamente no Rio e São Paulo de ‘a turma do pão de queijo’ – tinham também as mesmas fontes preferenciais de informação. Pelo menos nesse aspecto de contato com o poder, os grandes jornais perderam a importância.
O êxodo dos talentos
Ao mesmo tempo, o mercado publicitário mineiro atravessava uma das piores crises. Dados da Nielsen Serviços de Media, divulgados pelo Sindicato das Agências de Publicidade de Minas Gerais, revelavam que os investimentos publicitários no Estado somaram US$ 239 milhões em 1993, o equivalente a apenas 6% do total brasileiro. São Paulo concentrava 52% desses investimentos (US$ 2,126 bilhões) e o Rio de Janeiro, 21% (US$ 876 milhões). Minas estava em terceiro lugar (em 2003, caiu para o sétimo). A situação foi se agravando com o passar do tempo, apesar de o governo de Minas, na tentativa de se mostrar ao resto do país, ter aumentado em muito a sua verba publicitária.
Diante dessa realidade e forçados a reduzir custos, os jornalões – também donos das agências de notícias – preferem disputar o mercado onde estão 90% das verbas publicitárias e abandonam Minas ao próprio destino. Esses números mostram também a faceta tacanha dos empresários mineiros, que ainda preferem trabalhar em silêncio, na base do cochicho ao pé do ouvido dos poderosos e dos conchavos, a partirem para o embate no mercado, anunciando produtos e serviços. Com cerca de 10% da população e mais de 12% do PIB brasileiro, os investimentos em publicidade estão em torno de 6% – concentrados principalmente nos órgãos públicos e empresas de economia mista –, o que é um bom demonstrativo dessa característica mineira acanhada.
Isso explica, finalmente, porque não há em Minas veículo de comunicação que, pela sua importância, ultrapasse as divisas do estado, que continua isolado. Para complicar, com o processo de globalização, privatização e fusão de empresas, o poder de decisão nas maiores indústrias e corporações mineiras se transferiu para outros estados ou países.
Todo esse processo justifica o êxodo continuado dos talentos jornalísticos e publicitários mineiros. Os que insistem em permanecer em Minas ficam por sua conta e risco. Terão êxito, se trabalharem sério e com afinco. Ou quando transformam seu nobre ofício num reles balcão de negócios – como fizeram muitos.
A custosa publicidade nacional
Uma das conseqüências do fechamento das sucursais é que o país ficou sem imprensa de abrangência nacional. O Brasil, de fato, não é retratado pelos grandes jornais do Rio e São Paulo – e esse é um dos motivos de terem tiragens tão limitadas. O mesmo se aplica às revistas, que têm tiragens pequenas, considerando-se o tamanho do país. O grande desafio atual dos jornais e das revistas de informação é como crescer – ou sobreviver – num mundo em que a informação chega de forma muito mais rápida, por meio da televisão, do rádio e da internet.
Devido ao atual isolamento mineiro, o estado não consegue atrair grandes eventos. A ONU, por exemplo, vai pensar duas vezes antes de fazer em Minas eventos como o Terceiro Encontro Internacional do Fórum de Aprendizagem do Global Compact, realizado em Nova Lima em 2003. Sem sucursais, ele passou praticamente despercebido pela imprensa.
Como teria passado Aécio Neves, desde então, não fosse a fortuna que ele tem gastado para divulgar seu governo em publicidade na imprensa nacional. O destino de Aécio é gastar dinheiro dos contribuintes para aparecer na imprensa, enquanto José Serra, gastando proporcionalmente bem menos, se faz presente do Oiapoque ao Chuí.
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Jornalista, Belo Horizonte, MG