Das novas ferramentas de comunicação trazidas no bojo da revolução digital, o Twitter tem sido talvez a menos compreendida. É comum encontrar, mesmo entre profissionais do meio jornalístico, quem propague uma visão reducionista – e às vezes altamente pejorativa – da rede social, fiando-se na crença de que os 140 caracteres máximos para cada mensagem constituiriam um empecilho para a circulação de informação volumosa e para um debate aprofundado de ideias.
Trata-se, na verdade, de um grande engano. E por duas razões, interligadas entre si: a primeira é que a extraordinária oferta de links externos para artigos jornalísticos e acadêmicos e para posts de blogues torna o Twitter um rico manancial de informações, concentradas em uma variedade e em um volume dificilmente atingível, em tal curto espaço de tempo, por qualquer das ferramentas que o precederam ou com ele concorrem.
A segunda razão advém da própria natureza de comunicação interpessoal que o Twitter propicia, que é profundamente dialógica, baseada na interação constante e com múltiplos interlocutores. O conhecimento, no caso, não é necessariamente produzido através de argumentos altamente elaborados e definitivos, os quais são submetidos a comentários pontuais alheios, como ocorre nos blogues e em alguns sites da internet (embora isso possa parcial e eventualmente acontecer em relação aos textos acessados através de links, mencionados no parágrafo anterior).
Um erro recorrente dos políticos
Trata-se de um aspecto do Twitter que tem sido negligenciado por muitos: de natureza mais aberta e plural do que a de aplicativos do tipo MSN – e altamente moldável aos interesses interativos e culturais do titular da conta –, ele de certa forma restitui a arte do diálogo num ambiente digital que vinha sendo mais e mais acometido por um debate segmentado, circunscrito a poucos interlocutores que eventualmente se aventuram a comentar, de forma pontual e comparativamente mais lenta.
Assim, o uso da rede social de uma forma direcionada ao jornalismo acaba por revelar não apenas a capacidade do profissional de acessar (e eventualmente produzir) informação, selecioná-la, se necessário editá-la e a torná-la disponível, mas suas aptidões para debater de maneira proveitosa para si e para os demais, discorrer sobre temas correlatos, evitar provocações e, sobretudo, não incorrer em agressividade. De maneira inversamente análoga, um dos erros recorrentes dos políticos brasileiros que utilizam o Twitter é precisamente a baixa capacidade de interação com os que os seguem – a utilização da ferramenta apenas para se autopromover, através de mensagens unidirecionais postadas de quando em quando, tende a pouco ou nada acrescentar, sobretudo em relação aos grupos de profissionais da informação mais críticos da rede, que podem ser identificados através do recurso a listas ou a tags específicas.
Globalização vs. cultura local
A qualidade das informações e debates propiciados pelo Twitter depende, é claro, do nível cultural e do arco de interesses dos perfis que, sendo seguidos pelo titular de uma conta em tal rede social, formam a sua timeline – a lista de mensagens por aqueles postadas, apresentadas em ordem temporal, da mais recente às mais antigas. Como são oferecidos tanto recursos de pesquisa de perfis quanto maneiras muito fáceis de selecioná-los, deixá-los de seguir ou bloqueá-los mutuamente (ou seja, deixando de ler as mensagens por um deles postadas e impedindo-o de ler as suas), é tudo uma questão de aptidão para seguir as pessoas certas, que correspondam às suas expectativas culturais e de interação, e de, igualmente, utilizar tais critérios para selecionar seus seguidores.
Uma característica importante a ressaltar no Twitter é que, sendo um serviço de abrangência mundial e sem configuração obrigatória de idioma, permite tanto que sejam seguidos brasileiros no exterior – o que abre possibilidades muito interessantes de interação constante com a produção jornalística, acadêmica e cultural internacional – quanto estrangeiros de quantos idiomas quanto o titular da conta dominar.
Somada ao aspecto multimídia associada de tal rede social – em relação à qual são oferecidos uma série de serviços e aplicativos –, tal característica propicia chances praticamente infinitas de travar contato com o conhecimento técnico-científico, a literatura, a música, a fotografia, o cinema e as artes plásticas produzidos nas mais diversas partes do globo.
A essa característica globalizante se contrapõem maiores possibilidades de acesso a informações, cobertura de eventos e aspectos culturais locais e regionais. Vamos a um exemplo concreto: a semana passada ocorreu em Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, o Fórum Social Expandido das Periferias (FSP). Trata-se de um evento que, normalmente, tenderia a atrair, fora do estado sulista, através de sites e blogues especializados, um público relativamente restrito de iniciados. No entanto, no Twitter, os seguidores da blogueira e jornalista Niara de Oliveira (perfil @nideoliveira71) puderam desfrutar de uma cobertura detalhada do Fórum, feita por uma profissional preparada e atenta aos detalhes, e que se estendeu pelos três dias do evento, sendo amplificada pela cadeia de contatos da rede social.
Critérios de seleção
Como, em alguma medida, não deixa de reproduzir as idiossincrasias e os embates ideológicos da sociedade brasileira atual, o Twitter não deixa de oferecer diariamente o espetáculo do Fla-Flu político em vigência – a vantagem é que, dependendo dos perfis que formam sua timeline, há a possibilidade de ele se dar em um nível bem mais alto do que o usual. A dependência excessiva da televisão é um outro problema recorrente, já que por vezes tem-se a impressão – na minha opinião, deprimente – de que a maioria das pessoas ainda dispensa à TV Globo uma atenção excessiva e desnecessária, já que há material jornalístico e de entretenimento de nível bem melhor disponível gratuitamente na internet. Essa característica da rede social pode ser particularmente irritante por ocasião da exibição de programas de audiência muito massificada, como o anacrônico Big Brother Brasil.
Além desses problemas, o Twitter não está livre da crítica, recorrente na internet, quanto à legitimidade da correspondência entre perfis criados e quem está de fato por trás destes. Na verdade, convém notar que a criação de perfis falsos desempenha papel relevante no humor lá produzido, sobretudo nos raros casos em que, à evidência de que se trata de um perfil fake, soma-se capacidade de emular, com humor e de forma positiva, traços da personalidade pública que ‘encarna’ – eu recomendaria, como exemplos bem-sucedidos de tal prática, os perfis da comediante Nair Bello (@nairbello) e da cantora e compositora Maysa (@meumundocaiu). Além dessa forma de comicidade, digamos, ‘sampleada’, o Twitter oferece uma modalidade própria de humor, que prima pela inventividade rápida e inteligência, composta de um misto de trocadilhos e associações proto-dadaístas de frases e de conceitos com algum grau de penetração no imaginário popular – os chamados ‘BRINKs’, dos quais Aleléx (@alelex88) é um mestre inconteste.
Mas no âmbito do que mais nos interessa neste artigo – a contribuição de tal rede social para o jornalismo –, os falsos perfis constituem um risco minimizado por uma série de fatores, como a ampla disponibilidade de checagem quanto à origem dos artigos e posts ‘lincados’; a facilidade com que hoje, na internet, se comprova a autenticidade do perfil de profissionais públicos, como jornalistas, artistas e acadêmicos; e, por fim (e uma vez mais), a atenção para com os critérios de seleção de quem se quer seguir e por quem se quer ser seguido – esta, ao lado da interação constante e da pesquisa e oferta de conteúdos que possam gerar debates proveitosos, constitui a chave para uma experiência agradável e proveitosa com essa tremenda ferramenta comunicacional que é o Twitter.
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Jornalista, cineasta e doutorando em Comunicação pela UFF; seu blog