A imprensa, como praticamente todos os setores econômicos, sofreu o impacto da tecnologia da informação que mudou a cara do mundo. A internet deu rapidez na troca de dados, interferindo inclusive na nossa noção de tempo e espaço. Estamos interconectados simultaneamente em dimensões globais, ignorando fronteiras franqueados para conteúdos do passado e do presente na velocidade de um clique. Essas inovações democratizaram, em tese, o acesso das pessoas ao conhecimento e mudou a forma de se consumir notícias: a audiência agora quer tudo em excesso de maneira instantânea. Claro, os órgãos de comunicação tiveram que se ajustar para atender a um público agora empoderado dessas inovações.
Adaptar-se a essa nova configuração de mercado deixou de ser uma opção para ser imprescindível. Numa sociedade de consumo, continuar de portas abertas significa gerar lucro. Muita gente se esquece de que os veículos de comunicação são também empresas que trabalham com a lógica comercial. Sua função social de fortalecer a liberdade de expressão, educar e provocar reflexão, promovendo de maneira equânime diferentes pontos de vista, ainda é fundamento para a imprensa do jeito que a conhecemos. Mas essa prioridade foi colocada em xeque em nome da sobrevivência econômica com implicações na forma de se produzir notícias.
As mudanças foram redesenhadas de acordo com a realidade do mercado: satisfazer seu público e atrair o interesse dos anunciantes. Se a receita com propaganda era antes responsável por cobrir 80% dos custos de produção da notícia, segundo estudos de Ken Doctor, autor do livro “Newsonomics: Twelve News Trends that Will Shape the News You Get”, pela primeira vez neste século, as receitas obtidas pela circulação mundial de jornais foram maiores que as provenientes de publicidade. Pesquisa anual da World Press Trends (Tendências da Imprensa Mundial) mostra que no ano de 2014, os jornais, por exemplo, geraram aproximadamente US$ 179 bilhões em receitas de circulação e publicidade: US$ 92 bilhões corresponderam à circulação impressa e digital, enquanto que US$ 87 bilhões corresponderam à publicidade.
O restabelecimento do equilíbrio na fonte das receitas não significa que o modelo de negócio baseado no subsídio dos anunciantes ao conteúdo de notícias tenha terminado. O novo cenário talvez revele uma crise na imprensa que perdeu espaço com a fragmentação da mídia. Os grandes patrocinadores têm hoje um vasto cardápio de plataformas e canais onde investir: Google, portais, redes sociais e blogueiros.
De qualquer forma, o público continua no centro do interesse da indústria da notícia seja por ter se convertido na maior fonte de receitas seja porque é alvo de atração dos anunciantes. Essa centralidade produziu profundas repercussões no valor da notícia. Para o conceituado jornalista britânico, Peter Oborne, ex-Daily Telegraph, a introdução da “cultura do clique” no qual o mérito da reportagem está na quantidade de visitas online e não na importância do assunto está consolidada. A imprensa, hoje diante de uma encruzilhada, foi obrigada a servir a dois senhores em constante conflito: o mercado e a sociedade. Suzana Singer, ex-ombudsman da Folha de S. Paulo, enxerga uma saída nada fácil de se concretizar para equacionar o dilema: “Transformar o que é importante em interessante”.
Não apenas isso. O linguista francês Patrick Charaudeau Charaudeau aponta para mais uma das mutações na cobertura noticiosa por conta da pressão dos acionistas por maiores lucros. Ele explica que, às voltas de um problema de ordem econômica, os veículos de comunicação precisam dirigir-se a um grande número de pessoas, satisfazendo um público com diferentes graus de saberes. Daí, a necessidade de se construir uma linguagem que desperte o interesse do maior número possível de destinatários. Na busca pela amplitude da audiência, a imprensa buscou desenvolver uma fórmula que simplificasse o texto jornalístico sem perder a clareza. Com a vulgarização do texto, passou-se a correr também o risco de o conteúdo ser deformado.
Publicidade Nativa
A indústria da notícia continua experimentando maneiras de obter receita para seu negócio. Com a sociedade cada vez mais móvel pelo uso de smartphones, a mais nova fronteira são os conteúdos formatados para o Facebook. Fruto de uma parceria com grandes grupos de jornalismo, como The New York Times, The Guardian e NBC News, a rede social de Mark Zuckerberg lançou em 2015 o Instant Article, ou “Artigo Instantâneo”, que exibe reportagens mais elaboradas e multimídia no feed de notícias dos usuários no smartphone. Para os órgãos de imprensa, esse formato é vantajoso, porque podem vender ou incorporar anúncios nas matérias, ficando com o faturamento obtido com publicidade.
Outra inovação com fins comerciais é o chamado Native Advertising, ou Publicidade Nativa, que nada mais é do que uma forma de propaganda revestida de reportagem que segue o mesmo padrão gráfico e editorial do veículo de comunicação que o divulga. Ou seja, um determinado anunciante, por exemplo, paga para um jornal escrever uma matéria positiva que cite a empresa anunciante ou que trate do segmento econômico em que ela atua, sem traços evidentes de propaganda. O leitor será induzido a pensar que aquela reportagem patrocinada é isenta e de interesse público. Logo, veremos conteúdos patrocinados encomendados por grandes grupos econômicos envolvidos em corrupção.
Ao perseguir novas maneiras de lucrar com a venda de notícias, a imprensa pode optar por métodos que não raro levam parte da opinião pública a achar que ela é tendenciosa ou parcial. Exemplo disso, foram as manifestações de rua pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Por ser um assunto de amplo interesse das pessoas, que dominou por meses as discussões em nosso ambiente social e de trabalho, estimular o debate e o engajamento da audiência tinha mais a ver com o interesse comercial do que o viés ideológico.
Era estratégico para os veículos manter esse público por mais tempo possível em suas páginas online de notícia e assim atrair anunciantes. Uma das táticas empregadas foi incentivar as pessoas a postarem fotos e comentários sobre os acontecimentos.
Diante desse cenário e respeitando as regras do jogo, que é o mercado da notícia, as organizações e entidades sindicais deveriam começar a pensar também por adotar postura mais efetiva e menos dogmática, uma vez que a imprensa continua sendo a plataforma que mais consegue criar percepções sociais e políticas, legitimar um discurso e formar a opinião pública. Esse novo pensamento deve partir da premissa de que os órgãos de comunicação não conseguem sozinhos produzir conteúdos relevantes em quantidade que atenda a demanda sem a ajuda dos Relações Públicas e de seus clientes. Eles estão cada vez mais dependentes de quem realmente constrói a agenda noticiosa: as fontes de informação. As organizações devem deixar de priorizar as informações comoditizadas e passar a dar melhor tratamento a conteúdos de forma a também tornar interessante o que é importante e, se possível, conferir importância ao que é apenas atraente.
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Luís Humberto Rocha Carrijo é jornalista, graduado na Cásper Líbero com pós em Comunicação Empresarial na USP e proprietário da agência Rapport .