“Fora Temer”, ao mesmo tempo que significa muito, não significa nada. Ao menos pela forma que parte da mídia vem explorando. Pode demonstrar não só a desaprovação pública em como o processo de impeachment vem sendo conduzido, como também a não concordância com um projeto político que vem se mostrando cada vez mais distante dos direitos sociais, com o descrédito sobre as garantias trabalhistas proporcionadas pela flexibilização da CLT e o futuro desequilíbrio na balança durante as negociações entre empregados e patrões (os quais englobarão de férias a 13º salário), ao provável desmonte da universidade pública através do corte de repasses e desvalorização de políticas de ampliação do sistema de ensino superior e seu acesso aos mais pobres, a um pretenso processo de privatização de empresas públicas (incluindo áreas estratégicas) sem precedentes, ao desincentivo da cultura e tecnologia, à não concordância de que saúde e educação não seriam propriamente deveres do Estado e direitos do cidadão, ao presumido fortalecimento de um Estado policialesco e enfraquecimento das garantias democráticas. Pode, inclusive, significar tudo isso, uma pequena parte ou tantas outras coisas não citadas.
A questão é o esvaziamento de uma importante pauta jornalística. O que vemos nos jornais – seja nos meios tradicionais ou na mídia “combativa” – é a repetição de um grito, de um cartaz, muitas vezes de dimensão individual (centrada numa única pessoa ou situação), sem explorar o que ele carrega, seu significado. Repete-se, repete-se e repete-se como um mantra que perdeu seu significado. Repete-se sem procurar saber o porquê.
Trata-se da influência da cobertura midiática na despolitização da ação popular. No intuito de dar uma informação, esvaziou-se o conteúdo. Alguém gritou “Fora Temer”: notícia. Alguém carregou um cartaz “Fora Temer”: notícia. Alguém foi retirado de um local por se manifestar “Fora Temer”: notícia. A notícia passou a ser “Fora Temer” de maneira pessoal e isolada, não as motivações que levaram as pessoas a assim se manifestarem. Depois de um tempo, virou uma alegoria.
A desinformação da mídia
Num momento tão crucial como este, em que o projeto de governo eleito pelo voto democrático está sendo trocado por outro de base completamente diferente e que não passou pelo crivo popular, substituíram-se as grandes mobilizações de massa pela ação individual alegórica. Estamos diante da pulverização da indignação popular. E é impossível não notar que isto ocorre ao mesmo tempo em que a tradicional mídia jornalística trocou a aguerrida cobertura dos acontecimentos econômicos e políticos por um atual tom de mera trivialidade. Quem acompanha o noticiário político e econômico talvez tenha percebido que a mesma indignação que impulsionou inúmeras matérias jornalísticas, artigos, análises e manchetes de destaque se dava de maneira muito mais virulenta quando os envolvidos não eram do governo interino.
Portanto, pergunto se parcela significativa de quem está gritando “Fora Temer” não está perdida por não saber o que fazer. E se, talvez, a pouca mobilização coletiva não seja fruto da intencional e planejada desinformação da mídia jornalística. Temo respondermos “sim” para as duas perguntas, o que nos asseguraria afirmar haver desvio de função e um claro desequilíbrio no que denominamos 4º Poder, infelizmente o caminho mais rápido para a sua insolvência.
Fontes:
https://www.facebook.com/renatacorrea/posts/10154372514137836?pnref=story;
http://www.cartacapital.com.br/politica/o-fora-temer-e-os-limites-do-engajamento-alegorico
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Alexandre Marini é sociólogo e professor
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