Ainda estamos tentando mapear a propagação do vírus Zika mas um outro vírus, o da desinformação, já contaminou a esmagadora maioria dos brasileiros. Governos e indústrias farmacêuticas estão empenhados no controle da epidemia e na produção da vacina contra a enfermidade transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, mas até agora ninguém se preocupou em verificar como a imprensa está colaborando para o contágio da desinformação.
Não se conhece exatamente quais as consequências do Zika, mas no caso do vírus da desinformação, já sabemos que ele é alimentado por dados desencontrados, incompletos ou descontextualizados, provocando dúvidas, incertezas e insegurança. A desinformação surge, por exemplo, quando a secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, com base num estudo feito na Argentina, proíbe o uso do larvicida Pyriproxifen, enquanto o Ministério da Saúde, alegando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), garante que o produto é adequado para o combate ao Aedes Aegypti.
Os dados desencontrados confundem as pessoas e a imprensa se limita a reproduzir as declarações de uma parte e outra, sem entrar em maiores detalhes. A mesma situação se repete quando o noticiário fala na transmissão do virus Zika pela saliva ou sêmen, na produção de mosquitos transgênicos e sobre as estratégias de combate à dengue. Todos esperavam que no domingo, o dia da mobilização contra o Aedes, houvesse um esforço nacional para eliminar criadouros. Mas o que aconteceu de fato foi apenas uma campanha em alguns municípios de conscientização e distribuição de panfletos.
As dúvidas e incertezas aumentaram porque cresceu muito o volume de informações circulando em toda a sociedade. Antes todos se guiavam pelos grandes jornais e telejornais, mas agora temos uma miríade de blogs, redes sociais, sistemas de micro-mensagens, vídeos e áudios (podcasts) circulando pela internet com alcance planetário e em tempo real. É a tal da avalanche informativa, que tem um lado bom mas também um ruim, caracterizado por uma desordem noticiosa que beira o caos.
Uma amostra dos efeitos desta avalanche informativa é a polêmica em torno das estatísticas sobre incidência da microcefalia no Brasil. Até o ano passado havia poucos dados porque os sistemas de registro de casos eram deficientes. Quando as novas tecnologias de informação permitiram uma mudança nos procedimentos de registro, as estatísticas deram um salto e ai todos se assustaram. O que antes não havia sido quantificado transformou-se numa epidemia por conta da multiplicação de dados.
A era da complexidade informativa
Estamos entrando para valer na era da complexidade informativa, ou seja, de um grande volume de dados brutos, não checados e nem contextualizados que ao serem publicados de forma também bruta acabam levando as pessoas a uma grande confusão. Estamos sendo obrigados a conviver com a incerteza, uma preocupação nova que veio para ficar graças à avalanche informativa.
O papel da imprensa nestas circunstâncias não é simples e nem fácil, mas absolutamente essencial. Cabe a ela tentar organizar e estruturar a quantidade cada vez maior de dados e informações existentes sobre questões científicas e médicas. O problema é que a imprensa perdeu a capacidade de englobar e interpretar todos os dados disponíveis sobre enfermidades, porque há informação demais e recursos de menos para processá-los.
Ultimamente as manchetes estão cheias de anúncios de cientistas, descobertas de centros de pesquisas ou promessas de ministros, governadores e prefeitos. Além de gerar incertezas e dúvidas, estas manchetes provocam polêmicas acadêmicas e administrativas inevitavelmente complexas porque lidam com uma realidade científica ainda pouco conhecida, bem como com interesses e culturas muito diferentes presentes nos órgãos públicos e privados envolvidos no combate à epidemia, em especial a da microcefalia.
A imprensa precisa mover-se com muito cuidado tanto no terreno científico como no político-administrativo para não assumir lados ou preconceitos. Um cuidado que a maioria dos jornais, revistas e telejornais não estão tendo porque dão mais destaque ao que parece espetacular e inédito em matéria de noticiário científico, sem falar no que pode favorecer governos ou oposições.
Em compensação, jornais, revistas, telejornais e paginas noticiosas na Web podem assumir um papel fundamental no desenvolvimento de uma consciência comunitária na eliminação dos focos de infestação de mosquitos, para citar um exemplo. Todo mundo sabe que se nove das dez residências de uma rua combatem os focos do mosquito, mas uma casa deixa de fazê-lo, todo o esforço coletivo é inútil. É um caso típico de todos por um e um por todos transformado em regra social. Uma regra que os próprios moradores terão que incorporar em seu quotidiano.
Mas para que as pessoas assumam novos valores e comportamentos, é indispensável um fornecimento contínuo, organizado e contextualizado de dados, exemplos e informações por parte da imprensa. Uma estratégia sistemática e prolongada de estímulo e envolvimento com o desenvolvimento de uma postura social no combate ao Aedes Aegypti é um terreno onde a imprensa pode ajudar, contribuindo para reduzir os efeitos do vírus da desinformação.
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Carlos Castilho é jornalista e editor do Observatório da Imprensa