Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O voto condicionado ao que se lê nos jornais

De acordo com um amigo jornalista, o uso dos títulos eleitorais (aqueles verdinhos, usados para votar) é freqüentemente condicionado por outros títulos eleitorais. Talvez ele tenha razão. Às vésperas das eleições, os títulos das matérias parecem mesmo, muitas vezes, disseminar visões de mundo particulares de cada empresa jornalística. Folha Online, Estado de S.Paulo e iG ofereceram, na tarde de quarta-feira (27/9), um didático exemplo desse labor de criativa recomposição da realidade. 


Quem acessou o portal do Estadão, pelo menos entre 17h30 e 17h54, topou com a seguinte manchetona (os grifos a seguir são todos meus):


** ‘Geração de emprego formal tem queda em 2005 e massa salarial cresce 8,09%’


Quem clicou no link pôde ler a matéria de Isabel Sobral, que se iniciava assim:




‘Enquanto a geração de empregos no País se manteve praticamente estável, a massa salarial em 2005 apresentou um crescimento real de 8,09% em relação ao ano anterior’.


Seguindo o texto, foi possível descobrir que,  em 2004, foram gerados 1,86 milhão de empregos formais, contra 1,831 milhão, em 2005. É uma diferença, de fato, bem pequena, o que justifica o uso do adjetivo ‘estável’. Às 2h33 de quinta-feira (28), a matéria encontrava-se profundamente submersa no índice das páginas da seção ‘Economia’ do portal do Estadão. Curiosamente, tinha como título apenas ‘Massa salarial cresce 8,09%’.


Sexto parágrafo


Quem buscou o mesmo assunto na Folha Online encontrou um texto de Patrícia Zimmermann. O título carregava um viés negativo, e sem contrapeso:


** ‘Criação de emprego formal desacelera em 2005, diz governo’ 


O uso do termo ‘desacelera’, entretanto, provava algum rigor lógico e narrativo. Afinal, o conceito de ‘desaceleração’ é muito mais adequado à explicação do fenômeno do que o de ‘queda’. Entretanto, o ‘diz governo’ expunha uma licença dedutiva.  Não havia no texto qualquer menção do representante do governo (no caso, o ministro Luiz Marinho) à ‘desaceleração’.


O primeiro parágrafo da matéria, para surpresa de quem seguiu a leitura, tinha viés positivo. Definitivamente, parecia não casar com o título. A jornalista escrevera:




‘O emprego formal cresceu 5,83% em 2005, com a abertura de 1,831 milhão de novas vagas no mercado de trabalho, de acordo com os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) divulgados hoje pelo Ministério do Trabalho’.


Detalhe: o crescimento da massa salarial, valorizado pelo Estadão, era citado somente no sexto parágrafo do texto da Folha Online.


Aplausos do leitor


Quem seguiu para o portal iG encontrou conteúdo bastante distinto. Produzido pela Agência Brasil, o texto tinha o seguinte título:


** ‘Emprego formal no Brasil cresce 5,8% em 2005’


Nessa fase da leitura, é improvável que o internauta desatento tenha percebido  tratar-se do mesmo tema abordado nas chamadas da Folha Online e do Estadão. Se percebeu, intrigou-se. Afinal, isso é bom ou é ruim?


O primeiro parágrafo da matéria era o seguinte:




‘Em 2005, o emprego formal no Brasil teve aumento de 5,83% em relação ao ano anterior, com a criação de 1,831 milhão de postos de trabalho. Os dados são da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) divulgada hoje pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho’.


O parágrafo seguinte destacava outra fala do ministro:




‘Segundo ele, esse foi o segundo melhor desempenho desde que o levantamento começou a ser feito, em 1985’.


A rápida e trivial comparação revela que tem sido espinhosa a tarefa de absorver e interpretar o conteúdo produzido pela grande mídia, especialmente para quem se guia apenas pelos títulos. Logicamente, não se espera nem se deseja uniformidade, mas certamente o leitor comum aplaude quando editores e repórteres buscam isenção e objetividade.

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Jornalista