Julian Assange foi preso. O idealizador do Wikileaks desnudou as operações de um império em decadência e se tornou prisioneiro na Inglaterra por supostos crimes cometidos na Suécia. Ao que tudo indica, Assange se relacionou sexualmente sem usar preservativos com mulheres que consentiram a relação, mas não a falta do preservativo.
A primeira reação da opinião pública é identificar a lei sueca como demasiadamente rigorosa. A Suécia é um país soberano e tem direito de formular leis mais ou menos rigorosas, se entender que são bons instrumentos para a defesa da mulher ou de qualquer cidadão de seu país. É justo que Assange pague pelos seus crimes se de fato os cometeu, mas é inocente até que se prove o contrário. Os meios de comunicação já o condenaram antes de qualquer julgamento. Mesmo que a prática de ferir a presunção de inocência seja algo corrente na mídia, a acusação contra Assange tem um objetivo específico: desmontar o mais rapidamente a imagem positiva de alguém que ousou dizer algumas verdades ao império.
Com isso se tenta desviar a atenção do fato de que Julian Assange é um preso político. Ou alguém acha que ele seria caçado pela Interpol se, em vez de fundador do Wikileaks, fosse um engenheiro desenhista dos aviões militares negociados com o Brasil ou mesmo um simples padeiro? Para a sorte dos povos que vivem no Oriente Médio Julian Assange nasceu na Austrália. Caso seu parto tivesse ocorrido em um país árabe provavelmente esse já teria perdido sua soberania a essa altura.
O Wikileaks abriu a caixa de Pandora e só não foi destroçado por ter uma estratégia bem desenhada de distribuição das informações. Além da inteligente arquitetura de armazenamento desses dados de modo a não serem destruídos, a parceria com grandes veículos de comunicação no mundo construiu cúmplices que não podem ser atacados pela máquina de guerra. Os ataques ao Wikileaks resvalam também no New York Times (EUA), The Guardian (Inglaterra), El País (Espanha), Le Monde (França) e na revista alemã Der Spiegel que noticiam os documentos colhidos. Além de garantir a repercussão mundial necessária, o Wikileaks fez aliados involuntários no confronto com o império.
No Brasil, os parceiros escolhidos foram os veículos Folha de S.Paulo e Organizações Globo. Nessa escolha os mesmos critérios adotados internacionalmente foram usados no país sul americano: capacidade de repercussão da informação noticiada. Com isso, o movimento pelo direito a comunicação brasileiro (que apóia o Wikileaks) se pergunta: Por que justamente corporações que historicamente atuaram para concentrar a propriedade sobre a circulação de informação são escolhidas para ter exclusividade da divulgação desses documentos? Por que a relação de exclusividade se mantém se não há qualquer afinidade política ou retorno financeiro? O espanto talvez venha do fato do movimento tratar o Wikileaks da mesma forma como tratam a defesa do software livre. Se o Wikileaks fosse um software ele não seria um software livre, mas sim um software proprietário gratuito, uma vez que tem seus interesses a defender, e no momento eles se concentram em impactar o maior número de pessoas no mundo e sobreviver ao contra-ataque.
Apesar do espanto do movimento social a escolha tática de aliados não alinhados ideologicamente para resistir a um inimigo maior está correta. Se o Wikileaks tivesse que contar apenas com um punhado de entidades de defesa dos direitos humanos em vez de grandes corporações acostumadas aos corredores do poder, provavelmente teria sido exterminado sem que o grande público sequer percebesse o que aconteceu.
Até agora os documentos referentes ao Brasil revelados contam majoritariamente das relações com a embaixada americana. Hoje Folha e Globo se valem de poder revelar as informações exclusivas, mas o que acontecerá quando os documentos fornecidos a eles pelo Wikileaks tratarem da intimidade destes veículos com a ditadura brasileira?
Não se pode afirmar que Julian Assange realmente fez sexo sem proteção com mulheres na Suécia, mas certamente o Wikileaks não usou preservativos na sua relação com o oligopólio da comunicação brasileira e pode ter infectado o sistema. [Colaborou Sergio Gomes com uma conversa certamente mais longa do que o curto texto apresentado.]
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Integrante do Intervozes