Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo


CRISE & IMPRENSA
Miguel Reale


Variações sobre democracia e mídias


‘Volta e meia se pretende substituir a democracia indireta pela direta,
entendendo-se que esta seria a única e legítima como forma de governo do povo
para o povo.


Tudo depende da palavra povo, que ora se entende como um corpo social único e
indivisível, ora como um conjunto de relações distintas que se organizam
finalizando um objetivo comum.


A idéia do povo como único e indivisível provém de errôneo pensamento grego,
que, na realidade, era uma aristocracia, excluídas da cidadania que eram a
classe dos escravos e a das mulheres.


A democracia indireta corresponde mais à realidade social, como um conjunto
de situações interligadas em uma rivalidade de interesses representados pelos
partidos políticos.


A idéia rousseauniana de uma unidade corpórea solidariamente jamais configura
a realidade social, a qual é sempre uma correlação plúrima de forças e de
poderes.


Há sempre divisões no corpo social, no qual cada uma delas representa a soma
de interesses e valores, cujo valor maior é a correlação unitária-formal do
todo.


Como é que as partes distintas se distinguem e se correlacionam é, a meu ver,
no fundo, a história da democracia, sendo as suas expressões iniciais até nossos
dias.


É a natureza dos interesses que, ao longo da História, nos dá as diferentes
formas de democracia indireta, ora determinada pelas diferenças pessoais de
classe, ora pela variação dos interesses em jogo.


É a razão pela qual toda democracia indireta se diferencia pela ordem dos
valores, deixando de ser democracia quando se constitui um único conjunto
unitário de interesses sociais, especialmente de caráter econômico.


Quase toda vez que há uma conjugação de interesses diversificados, surge
forma diversa de expressão e comunicação do que lhe é próprio, em função e na
medida do processamento técnico alcançado, com distintas agremiações.


É o que se percebe plenamente, por exemplo, quando advém uma unidade de fins
econômicos comuns, tal como se deu com a fundação da Economia Política moderna,
com Adam Smith, sob a categoria básica de valores. Não é por acaso que o início
da economia industrial aparece, se conhece e se intitula como estrutura e
funções de valores.


Essa estrutura de valores de início se apresenta como ilustração de
interesses dominantes, como mídia inicial que é o jornal, o qual se caracteriza
pelo predomínio de modos de ser e de agir, como condutor de opinião.


O certo é que, por mais que se queira falar em equilíbrio de força e de
expressão, há sempre um grupo dominante, que dirá a nota prevalecente ou
determinadora do jornal, podendo-se dizer que a cada tipo de mídia corresponde
uma determinada forma de jornal.


À plenitude das formas democráticas corresponde uma multiplicidade de textos
do jornal, com a pregação distante de idéias e programas.


Às vezes, procura-se diversificar a situação, como, por exemplo, quando
finalidades de ordem religiosa assumem o caráter político, como acontece no
Brasil, onde grupos protestantes se afeiçoam, ou melhor, se revestem de
estruturas políticas. Dessarte, os partidos políticos assumem características
diversas, as quais significam diferenças de ordem religiosa de que são
verdadeiras denominações de correntes partidárias. Nesse caso, os jornais
assumem feições fictícias, que guardam apenas a aparência de mídia política.


São diversas, é óbvio, as diversidades dos jornais, elegendo cada um deles
orientações ideológicas diversas, a cuja luz os fatos sociais são avaliados. Os
grandes jornais tomam, nesse ponto, posição nítida, apresentando os fatos com
objetividade para publicá-los segundo suas diretrizes programáticas.


Nem faltam os jornais-camaleão, ajustando-se a demais circunstâncias, sem a
firmeza de uma diretriz doutrinária.


O normal seria que a mídia estivesse sempre a serviço da democracia,
apresentando os fatos sociais, notadamente os partidários e econômicos, segundo
seus contornos reais, evitando-se um cotejo entre as posições doutrinárias,
infelizmente, em contraste.


O grau de política cultural de um país se mede pelo valor de jornais que
apresentam pontos de vista divergentes, cada um deles podendo revelar ou firmar
o caminho mais justo a ser seguido.


O importante é que a mídia mantenha o eleitorado bem informado, no domínio
dos fatos e das opiniões, assinalando vias de ocupação e de ação correspondente
à solução democrática mais aconselhável em dado momento histórico.


Há uma reserva mnemônica essencial, que consiste em tornar permanente, na
mesma pauta dos eleitores, os fatos e atitudes caracterizadores de posição
democrática x, y e z.


O País passou, durante três anos, por um caos moral sem precedente, tanto do
ponto de vista ético no plano político, quanto no da dignidade pessoal; todavia,
a maioria indecente preservou o mandato de parlamentares que praticaram atos
indignos, ferindo o dever.


Portanto, quando chegamos à hora do novo pleito eleitoral, é absolutamente
necessário que a mídia traga, continuamente, à tona os nomes dos políticos que
se conduziram em conflito com as normas democráticas. Depende, no fundo, nossa
democracia da atitude de nossa mídia, em ponto tão decisivo, ela que tem sido o
estupendo detetive e fiscal do bem público!


Miguel Reale, jurista, filósofo, membro da Academia Brasileira de Letras, foi
reitor da USP E-mail: reale@miguelreale.com.br. Home pages: www.
miguelreale.com.br e www.realeadvogados.com.br’


CRISE POLÍTICA
Gabriel Manzano Filho


‘Não posso debater acusações baixas’


‘Depois de 11 dias de reclusão voluntária, em casa ou no Palácio do Planalto,
o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, rompeu o silêncio, ontem, e em tom quase
magoado procurou defender-se das críticas que lhe são feitas por envolvimentos
suspeitos com seus velhos amigos da república de Ribeirão. ‘Todos nós temos de
pagar pelos erros que cometemos’, disse ele a uma silenciosa platéia de quase
500 empresários na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo, ‘mas não se pode
transformar o debate político numa crise sem fim, numa crítica desenfreada de
todas as coisas, numa agressão a vidas pessoais’. E, falando devagar, avisou:
‘Quando chega nisso eu me afasto, fico um tempo distante.’


Em tom amargo, Palocci comparou sua vida atual às agruras do Inferno de
Dante. ‘Como é possível’ perguntou-se, ‘ter uma economia que começa a voar em
céu de brigadeiro e um ministro que está mais para o lado do inferno, ali no
terceiro ou quarto círculo do Inferno de Dante?’ Ele se referia à primeira parte
da Divina Comédia, do poeta italiano Dante Alighieri, onde o inferno é dividido
em nove círculos, cada um pior que o outro.


Em nenhum instante o ministro citou qualquer das acusações feitas contra ele,
e muito menos o nome de seu maior algoz do momento – o caseiro Francenildo
Santos Costa, que o atirou no inferno astral ao afirmar que ele participava dos
encontros na mansão do Lago Sul, em Brasília. Começou com um longo vôo pelos
bons índices da macroeconomia e, na parte final de sua fala, vendeu a idéia de
que seu trabalho como ministro é coisa séria e não pode ser confundido com
assuntos de sua vida particular. ‘Não posso, como ministro, debater todo tipo de
acusações baixas e ofensas que são apresentadas no jogo politiqueiro. Aí sim, eu
comprometeria a condução da economia’, avisou Palocci, dizendo que nas crises
está ‘sempre do lado dos bombeiros’.


LIMITES


O ministro queixou-se, também, do que considera abusos, ‘não da imprensa, em
geral, mas de algumas pessoas’. ‘Acho que dentro do jogo político há pessoas que
não têm limites. Pessoas que não vêem limite entre investigar o que é justo e
perseguir.’


Na platéia estavam presidentes e altos executivos do Bradesco, Citibank,
Dupont, General Electric, IBM, Odebrecht, Eli Lilly e Kaiser, além dos próprios
conselheiros e o presidente da AmCham, Hélio Magalhães. O governador Geraldo
Alckmin foi representado pelo secretário de Ciência e Tecnologia, João Carlos
Meirelles. Este afirmou, depois do discurso do ministro, que o governo e o PT
‘criaram sua própria crise’ a que o País ‘assiste, atônito, há quase um ano’. E
outro empresário, Sérgio Haberfeld, queixou-se de um jogo ‘entre políticos e
imprensa’ a que ‘toda a sociedade assiste, sem participar’.’


***


Esquema manteve imprensa à distância


‘O ministro Antonio Palocci aproveitou o convite da Câmara Americana de
Comércio para discursar na posse de seus novos conselheiros e pôs em prática uma
‘operação normalidade’ de resultados duvidosos. Deixar Brasília, viajar até São
Paulo e falar num enorme auditório cheio de empresários, sobre os bons ventos da
economia, seria uma forma de mudar o clima e recuperar prestígio. Mas os
auxiliares do ministro impuseram uma condição: que a imprensa fosse mantida
longe dele, para evitar ‘abusos e constrangimentos’.


‘Não queremos que (a presença de Palocci) vire um rebuliço, com gente
avançando em cima’, explicou um dos negociadores de Brasília aos representantes
da Câmara. Começou então uma negociação delicada em que o ministério propôs, de
início, que os jornalistas ficassem numa sala ao lado, vendo tudo por um telão.
Os anfitriões, que foram sempre avessos a tais expedientes contra a imprensa,
tentaram amaciar o clima. Ao final, valeu uma sugestão da Amcham de se criar um
espaço à esquerda do palco do salão principal, onde ficariam fotógrafos e
repórteres, a quase 10 metros da mesa onde estaria o ministro. No espaço, tão
exíguo, nem havia como oferecer almoço aos jornalistas, que ali ficaram
esperando todos almoçarem e, por fim, os discursos começarem.


O ministro chegou atrasado e entrou por uma porta lateral. Depois de seu
discurso, de 40 minutos, foi-se embora sem falar com ninguém. Ficou no local
menos de duas horas e deixou atrás de si empresários satisfeitos com sua
garantia, indireta, de que não deixará o cargo. Mas para a maioria deles ficou
claro, também, que o visitante era uma figura constrangida e não muito
bem-sucedida no esforço de separar o trabalho no ministério das denúncias sobre
seus amigos e suas atividades privadas.’


NYT ENGANADO
Nicholas Confessore


Suposta vítima do Katrina enganou ‘NYT’


‘THE NEW YORK TIMES – A polícia deteve uma mulher no bairro de Queens, na
quarta-feira, acusando-a de ter alegado falsamente ser uma vítima do furacão
Katrina e com isso ter recebido milhares de dólares de ajuda de agências
estaduais e federais.


Donna Fenton, de 37 anos, foi acusada de diversos delitos de fraude contra a
assistência social e roubo por promotores do Brooklyn, última adição a uma
extensa lista de fraudes, detenções e disputas legais que se estende do
Mississippi a Nova York envolvendo pretensas vítimas do Katrina.


Fenton foi objeto de um artigo no jornal The New York Times em 8 de março,
mais de um mês depois que promotores do Brooklyn, induzidos por autoridades
desconfiadas da agência de assistência social da cidade, começaram a
investigá-la.


O artigo descreve o que Fenton contou sobre seus esforços para restabelecer
sua família em Nova York depois de fugir de Biloxi, Mississippi, na esteira da
passagem do Katrina. No artigo, Fenton, que disse ter feito curso secundário em
Nova York, descrevia o que teriam sido seus esforços para obter ajuda para o
aluguel e dinheiro de emergência da Agência Federal de Administração de
Emergência (Fema, na sigla em inglês), outras agências governamentais e várias
instituições de caridade. Contava também que vivia num hotel de Nova York com
cinco filhos, e seu marido viera com ela de Biloxi, mas vivia em outro lugar da
cidade.


Na ocasião, o jornal não checou muitos aspectos das declarações dela, nunca
entrevistou seus filhos e nem confirmou a identidade do homem que ela descreveu
como seu marido. Nas duas últimas semanas, os promotores lançaram alguma luz
sobre o que dizem ser a verdadeira versão da vida de Fenton: ela nunca viveu em
Biloxi, e havia se registrado para a assistência pública num endereço do
Brooklyn, em julho; nenhum dos quatro filhos – que ela alegou serem seus
dependentes – vive atualmente com ela; e ela foi detida em Queens após tentar
sacar um cheque adulterado e vencido, enquanto pedia mais ajuda à Fema. No dia
em que o Katrina atingiu a Costa do Golfo, dizem eles, alguém usou o cartão de
benefícios da assistência social de Fenton de Nova York, no Brooklyn.


Fenton foi formalmente acusada de entregar documentação falsa à agência de
assistência social da cidade e obter ilegalmente milhares de dólares de ajuda
dessa agência e também da Fema.


Numa conversa de uma hora na terça-feira à noite, Fenton insistiu na
veracidade de sua história. Ela disse que tinha documentos da Fema comprovando
seu endereço em Biloxi e que seus filhos estavam fora com o marido e já
retornariam ao hotel. Mas, depois de vasculhar seu quarto de hotel com um
repórter presente, ela disse que não conseguia encontrar os documentos. Seu
marido e seus filhos nunca chegaram.


Uma avaliação subseqüente de registros públicos, entrevistas com a família de
Fenton e conhecido, e informações obtidas pelos promotores lançou ainda mais
dúvidas sobre a história dela.’


TELEVISÃO
Keila Jimenez


RedeTV! quer mudar de cara


‘Estréia na próxima semana a série Napoleão, épico sobre o líder que marcou a
história mundial. Não, não é na Cultura, muito menos em um canal em UHF. A
produção que traz no elenco nomes como Isabella Rossellini, John Malkovich e
Gerard Depardieu é destaque da nova programação da RedeTV!


Napoleão, que estréia na sexta, às 21h50, faz parte de um pacote de séries
que a emissora comprou. Dividida em 12 capítulos, Napoleão conta a história do
jovem general que tem ascensão meteórica no Exército francês durante os anos da
revolução. Produzida na França e gravada em várias locações na Europa –
incluindo o Palácio de Versailles -, Napoleão é uma superprodução de US$ 40
milhões.


E o que o público da RedeTV!, habituado aos disparates do Pânico e aos
travestis entrevistados por Luciana Gimenez, tem a ver com essa série? Bem,
Napoleão é recheado de cenas calientes dos amores do general e faz parte de um
novo conceito de programação que a emissora, agora livre de João Kleber, busca
ostentar.


Também fazem parte do pacote a minissérie Duna, com Willian Hurt, e outra
produção épica, Augustos, imperador que ajudou Júlio César. Os Miseráveis,
inspirada na obra de Victor Hugo, também recheia essa lista, que acabará
empurrando o Superpop para mais tarde, às 22h30. Quase todas as produções já
passearam pela TV paga.


Agora, pretensioso mesmo é o contrato que a emissora fechou com a Disney para
a produção de uma versão brasileira da série Desperate Housewives. A intenção da
rede é estrear o programa no segundo semestre. As gravações devem começar em
junho.


Até lá, a RedeTV! terá de escolher quase 30 atores que farão parte do elenco.
Tarefa difícil nessa guerra de elenco que rola na TV atualmente.’


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