Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Globo


CRISE POLÍTICA
Ronaldo D’Ercole


Palocci: ‘Governo e eu erramos’


‘Após um silêncio de quase dez dias, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci,
fez ontem discurso em tom de desabafo a empresários e banqueiros para reagir às
acusações de que vem sendo alvo nos escândalos da República de Ribeirão Preto e
da quebra ilegal do sigilo do caseiro Francenildo Costa. Disse que a economia
vai bem, mas que ele está no inferno, ‘ali entre o terceiro e o quarto círculos
do Inferno de Dante’. Mas admitiu muitos erros, inclusive do governo, do PT e
dele.


– Não sou daqueles que acham que só a oposição está errada. O governo cometeu
erros, meu partido cometeu erros, eu certamente cometi erros. E todos temos que
pagar pelos erros que cometemos – disse ele, repetindo que para tudo há um
limite: – Mas não se pode transformar o debate político numa crise sem fim, numa
crítica desenfreada a todas as coisas, numa agressão a vidas pessoais.


Para Palocci, há no atual momento político um ‘nível de exacerbação além do
razoável’. Em vez de estar sendo investigado, ele disse que estaria sendo vítima
de perseguição e de desrespeito de parte de adversários do governo.


– Tenho toda disposição de dar todos os esclarecimentos. Mas penso que as
coisas que fazem parte do natural num ano político às vezes chegam a um nível de
exacerbação além do razoável. Algumas pessoas, não atribuo isso a partidos, não
têm limites, não vêem limites entre investigar o que é justo e perseguir. Não
vêem limites entre crítica e respeito às pessoas – disse ele, ao encerrar a
cerimônia de posse da nova diretoria da Câmara Americana de Comércio de São
Paulo.


Logo no início, um bem-humorado Palocci brincou com o fato de a economia ir
tão bem, com indicadores positivos como controle da inflação e risco-país, num
momento em que o ministro da Fazenda está no inferno:


– Como é possível um país ter uma economia que começa a voar em céu de
brigadeiro e um ministro que está mais para o inferno, ali no terceiro e o
quarto círculos do inferno de Dante? Isso é possível porque a economia e as
instituições brasileiras começam a ganhar uma maturidade que eu penso ser
definitivas.


Escrito por volta de 1307, a ‘Divina Comédia’ é considerada a obra-prima de
Dante Alighieri. No livro, ele descreve um passeio por nove círculos do inferno.
O terceiro seria reservado para quem cometeu o pecado da gula, que é perseguido
pela eternidade por Cérbero, o cão de três cabeças. No quarto dos nove círculos,
ficam os avarentos e gastadores, que se insultam mutuamente enquanto passam o
tempo empurrando pedras colossais.


Palocci afirmou ser necessário serenidade para atravessar o momento atual,
mas alertou para o risco de o país assistir a uma disputa eleitoral muito
agressiva este ano


– Isso vai acabar agredindo o eleitor, em vez de oferecer a oportunidade de
debater democraticamente diversos programas para melhorar o país, que é isso o
que todos nós queremos – disse.


Sobre o silêncio que manteve desde que o caseiro Francenildo Costa o acusou
de ter freqüentado uma mansão alugada em Brasília por lobistas de Ribeirão
Preto, justificou-se:


– Não posso, como ministro da Fazenda, debater todo tipo de acusação baixa e
ofensas que são apresentadas no jogo politiqueiro. Aí, sim, eu comprometeria a
condução da economia.


Palocci disse não temer o debate e lembrou que já foi ao Congresso prestar
esclarecimentos em diferentes CPIs quatro vezes, três no ano passado e uma em
2006. Esse processo, porém, tem um preço, que o ministro disse estar pagando.


– A verdade é que a política está cobrando seu preço. Neste momento, há um
recrudescimento do quadro político muito preocupante. Não penso que isso vá
prejudicar a economia, mas infelizmente penso que neste momento as forças
políticas se encontram num processo de conflito extremamente negativo para o
país.


Mais de uma vez, Palocci se dirigiu à platéia formada por empresários e
banqueiros para dizer que é compromisso do governo manter a atual política
econômica, independentemente do cenário político.


– Sempre tenho dito que a equipe do ministério é boa porque só tem um médico.
Os outros são todos profissionais da área, qualificados e que estão dando conta
de sua tarefa de maneira muito determinada. E vão continuar dando conta mesmo
num ano que, politicamente, possa ser difícil. Queria assegurar a vocês essa
questão – disse o ministro, acrescentando que ‘acima de nós estão as
instituições, e acima dos nossos interesses partidários ou setoriais, está o
Brasil’.


Depois de elogiar o trabalho da imprensa, Palocci se queixou de ‘alguns
colegas (jornalistas)’ que, segundo ele, estariam fazendo prejulgamentos e
‘ofendendo pessoas e famílias’.’


TV DIGITAL
Mônica Tavares


TV digital: europeus entregam oferta


‘BRASÍLIA. A União Européia (UE) e a Coalizão DVB (Philips, Siemens, Thomson,
Rohde&Schwarz e Nokia e ST Microeletronics) entregaram ao governo brasileiro
o que chamaram de ampla oferta para a implantação de uma indústria de
semicondutores no país. Os investimentos necessários e o porte da fábrica, a
parte concreta de uma oferta, foram mantidos sob sigilo. Apenas uma carta de
intenções – com quatro passos a serem seguidos antes de ser batido o martelo
sobre a viabilidade da unidade – foi divulgada. A oferta, porém, está
condicionada a que o Brasil adote o padrão europeu de TV digital.


Segundo o embaixador da UE no Brasil, João Pacheco, parte do documento foi
considerada confidencial porque, ao trazer projeções de possíveis investimentos
das multinacionais da coalizão, torna públicas informações estratégias das
companhias. O embaixador confirmou ainda que pelo menos duas das principais
companhias que fabricam semicondutores no mundo, a STM e a Philips, têm
disposição de montar a fábrica no Brasil:


– Mas para fazer uma fábrica precisam cumprir um certo número de etapas. E o
que foi feito na carta foi dizer quais eram as etapas.


Empresas podem comprar produção do Brasil


Quanto à possibilidade de os estudos mostrarem que não é viável implantar a
fábrica no Brasil, o embaixador preferiu não se pronunciar. Mas acenou com a
perspectiva de o Brasil ter mercado garantido para seus produtos:


– Não só as empresas estão dispostas a criar a inteligência, o conhecimento
aqui no Brasil e desenvolver isso, como também estão dispostas a comprar a
produção (dessas possíveis fábricas) do Brasil.


Ao ser perguntado se a proposta da UE tinha algum compromisso concreto sobre
a fábrica, Pacheco disse que essa parte é confidencial.


O projeto da UE e da Coalizão prevê quatro etapas: a primeira é de preparação
de mão-de-obra especializada; a segunda, de análise da viabilidade da fábrica;
outra, de preparação das condições de infra-estrutura no país; e a última, de
implantação das unidades produtoras.


Segundo Pacheco, pode começar imediatamente a primeira etapa, que é a de
ajudar a criar um conhecimento próprio do Brasil nos centros de tecnologia e
design. Os estudos de viabilidade podem começar ao mesmo tempo, se houver
interesse do Brasil. Para a instalação das unidades é que é preciso ver se há
viabilidade econômica.


Pacheco comentou o anúncio publicado na quinta-feira pelas emissoras de TV,
na qual elas defendem uma televisão aberta e gratuita para o Brasil:


– Com o sistema europeu, podem não só ter uma televisão aberta e gratuita
para o povo, mas podem ter uma televisão digital que chega a mais lares e que
não chegue só aos que têm grande poder de compra. Uma televisão digital no
sistema europeu é mais barata pela economia de escala. Com o sistema europeu
seria possível, com o japonês, não.


A UE e as empresas também convidaram o governo a visitar as indústrias na
Europa, depois que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou que uma
comitiva de ministros visitará a Coréia e o Japão.’


PASQUIM EM LIVRO
Rafael Teixeira


Um jornal à prova do tempo e das efemérides


‘Em um mercado dado a efemérides como é o editorial, chega a ser
surpreendente e até admirável a publicação de ‘O Pasquim: Antologia – Volume 1 –
1969-1971’, pela editora Desiderata. Surpreendente porque não se comemora, em
2006, nem uma década, nem o cinqüentenário, nem 100 anos, nem sequer um
aniversário redondo de coisa alguma ligada ao ‘Pasquim’ – o primeiro número do
jornal foi publicado em 1969, há 37 anos, e o último, em 1991, há 15. E
admirável porque, mesmo sem uma data simbólica a ser celebrada, Sérgio Augusto e
Jaguar, organizadores do volume, decidiram corajosamente apostar no interesse
que o ‘Pasquim’, 30 anos depois do seu auge, seria capaz de gerar por si só.


O critério de seleção do que entrou na antologia, como o próprio Sérgio
Augusto esclarece em texto introdutório, levou em consideração dois critérios:
qualidade e perenidade. A seleção, trabalho que consumiu quase um ano, resultou
em um tijolo de mais de 300 páginas, com material abrangendo os 150 primeiros
números do ‘Pasquim’ (a idéia inicial era pegar os 200 primeiros, mas o volume
seria tamanho que o número precisou ser reduzido).


Colaboradores de luxo também são incluídos


Mais do que uma necessidade econômica, a opção de não trabalhar com
fac-símiles permitiu que só fosse incluído na coletânea aquilo que o jornal
publicou de melhor em seus espantosos 1.072 números (que garantiram ao ‘Pasquim’
o status de maior fenômeno da imprensa nanica no Brasil). Toda a patota,
evidentemente, está no livro: Paulo Francis escrevendo com igual fluência sobre
Marquês de Sade e críticos de cinema; Sérgio Cabral lamentando que o samba de
raiz tenha saído de moda (ah, se fosse hoje…); Ivan Lessa, diretamente de
Londres, dizendo que tem saudades de fanho e de pastel; Sérgio Augusto,
ensinando inglês à moda do ‘Pasquim’; Ziraldo, Henfil e Jaguar desenhando onde
quer que haja espaço (destaque para o quase onipresente Sig, mascote do jornal);
e o grande Millôr Fernandes, vaticinando – e errando feio – que o ‘Pasquim’,
fosse mesmo independente, não duraria mais de três meses e, se durasse mais do
que isso, não seria independente.


Completam o volume reforços de luxo como Vinicius de Moraes (este recorrente,
quase membro da patota), Caetano Veloso, Chico Buarque, Carlos Heitor Cony, Otto
Maria Carpeaux, Chico Anysio, Cacá Diegues, entre outros, além de uma seleção de
notáveis entrevistas: Leila Diniz, cheia de asteriscos no lugar dos
impublicáveis palavrões, devido à censura do regime militar; Di Cavalcanti
dizendo que o povo é a única razão da sua arte; Gabriel García Márquez
criticando o cinemão americano, além de Edu Lobo, Natal da Portela e Madame Satã
e por aí vai. Outras tantas conversas foram editadas e tiveram apenas os trechos
mais palpitantes publicados.


Periódico é a base do humor no jornalismo atual


Visto pelas gerações mais jovens, a antologia pode parecer datada, ainda que
o estilo de humor, repleto de observações sociais ferinas e forte apelo ao
nonsense (como na ‘entrevista’ com Caldas Aulete, com todas as respostas em
forma de verbetes de dicionário) seja a base de praticamente tudo que se faz no
humor brasileiro hoje em dia. Todas as atuais colunas humorísticas da imprensa
brasileira, de Agamenon Mendes Pedreira a Tutty Vasques, devem muito de sua
existência ao ‘Pasquim’. Some-se a isso o fato de que boa parte do material
publicado é atemporal e o que se conclui é que mesmo leitores mais jovens podem
se identificar com o humor do periódico.


Mais do que diversão despretensiosa, porém, a antologia pode ser encarada
como o retrato de uma época. Enquanto produção jornalística de um período,
associada a um contexto específico (regime militar, cultura, modismos), o livro
guarda enorme valor histórico e não só pode como deve ser plenamente usado como
obra de referência por acadêmicos e pesquisadores.


Quem, no entanto, tiver interesse em enxergar um pouco além verá que o
Pasquim deu origem, por exemplo, a gírias usadas até hoje, como sifú, paca e
duca. Mais do que isso, constituiu um terreno seminal que determinou os rumos da
cultura, do humor e, por que não?, da imprensa brasileiras até os dias de hoje.


Uma idéia de como esses rumos se desenvolveram poderá ser vislumbrada
analisando em conjunto este e os próximos livros da antologia, que Sérgio
Augusto e Jaguar estimam que chegue a quatro volumes. Que venham rápido – e não
dependam de nenhuma efeméride.’


TV PAGA
Arnaldo Bloch


Brassssss zzzzzzzzil!


‘Os ridículos títulos em inglês que tomam conta dos seriados da TV brasileira
a cabo


Não me chamem de comunista! Não me confundam com terrorista! Não ousem me
negar visto para os EUA ! Olha que eu faço queixa à ONU, à Anistia
Internacional, ao Larry Rohter e aí ninguém me segura mais! Tenho direito a um
telefonema! Cadê meu advogado?


Falando sério, prometo, sobretudo aos leitores, que não se trata aqui de
nacionalismo barato ou boçal exaltação dos valores pátrios. Ao contrário. Sou
daqueles que gostam de um anglicismo aqui, um galicismo ali, um eslavismo (!)
acolá. Desde, é claro, que bem aplicados na veia da língua. E acho um absurdo
chauvinista as concessionárias de automóvel francesas adotarem, em vez do
prático airbag , o pachorrento dispositif gonflable de sécurité (dispositivo
inflável de segurança!!!!).


Isso dito, parto, de consciência limpa, para a espinafração: é uma palhaçada
o que os canais a cabo americanos (tipo Fox, Universal, AXN, Sony, Warner, HBO
etc), em suas programações locais, estão fazendo com os títulos de TODAS as suas
séries.


Durante décadas e até pouco tempo atrás convivíamos pacífica e criativamente
com ‘Jeanny é um gênio’, ‘A feiticeira’, ‘Perdidos no espaço’, ‘Agente 86’,
‘Terra de gigantes’, ‘O túnel do tempo’, ‘Jornada nas estrelas’ (que, nas
reprises, mantêm os títulos tradicionais). Alguém precisou chamar a Pantera Cor
de Rosa de Pink Panther? Ou a Família Addams de Addams Family?


Nem é só a questão do idioma, mas da falta de sentido que impera. Alguém
saberia me dizer, de cara, o que significa ‘The O.C’? Você sabia que o jovem
Clark Kent está em ‘Smallville’? Ou que o popular ‘Plantão médico’ agora se
chama ‘E.R’? Que catzo significa E.R? Emergency room ? Emergency room é o
cacete! Viva a cultura nacional! Ops… não me mandem para Guantánamo…


Vamos em frente na nossa esdrúxula relação: ‘Law & Order’ (o que há de
errado com ‘Lei & ordem’?), ‘West Wing’ (uma série sobre os bastidores da
Casa Branca poderia ter uns dez nomes maneiros), ‘Crossing Jordan’ (que tal
‘Jordan, a médica-legista’?).


A lista não pára: ‘What I like about her’, ‘ReLAted’, ‘Close to home’, ‘Two
and a half man’,, ‘Without a trace’, ‘CSI’, ‘JAG’…. e mal começamos.


As exceções estão mais no terreno dos desenhos animados (que bom que ‘Bob
Esponja’ não é ‘Spongebob’. Dessa escapamos.); da TV aberta (tivemos a
satisfação de assistir a ‘24 horas’ e não ‘Twenty-four hours’); ou quando a
série tem nome de gente, como é o caso dos ótimos ‘Monk’ (o detetive com TOC) e
‘House’ (o médico mais heterodoxo do mundo).


Caso patético acontece com a série ‘Six feet under’, sobre uma família que
comanda uma funerária em casa. Esta passa em dois canais. Num, tem o nome em
inglês, mas é dublada. No outro, chama-se ‘A sete palmos’ e é legendada. Vai
entender…


Conversando aqui com o pessoal da Revista da TV descobri que alguns desses
canais (a maioria com programação de grandes distribuidoras e estúdios
americanos) fizeram pesquisas com o público brasileiro, e as sondagens indicaram
que a maior parte da galera prefere os títulos em inglês.


Caramba.


Ok, posso perder mais alguns leitores mas… com todo o respeito, que pobreza
de espírito!, que falta de charme!, que preguiça mental!, que esnobismo nouveau
riche! … imagino que o grande tesão deva ser, nas rodinhas sociais, largar um
‘Law & Order – Special Victims Unit’ ou um ‘Gilmore Girls’ nos cornos da
cabrocha e ir direto pruma suite standard do Mayflower, coração colonizado a
mil, baby. Xaxaxá já!


***


Não me prendam! Sou rato de seriado! Contribuo para a matriz!’


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