A coluna ‘Repórter 70’ noticiou, no dia 30/6, que um projeto da ‘casa’, ‘O Liberal na escola’, foi tema de uma monografia de conclusão de curso na Universidade da Amazônia, a Unama. O trabalho, do curso de Letras, recebeu nota excelente, dada pelos professores João Carlos Pereira, articulista do mesmo O Liberal, e Lucy Teixeira. O autor do trabalho (que não teve seu nome revelado pela coluna), ‘mostrou como alunos de uma escola pública, que têm acesso diário a O Liberal, desenvolvem o amor pela leitura e a prática de elaboração de texto’.
Quem lê diariamente o jornal não partilha a mesma opinião. O Liberal está muito longe de ser uma fonte de referência para bons textos. E muito menos ainda de jornalismo. O jornal continua a agredir padrões éticos, a começar pelo desrespeito ao seu leitor. Recusa-se, por exemplo, a corrigir um erro elementar que pratica na capa de todas as edições. A do dia 30, por exemplo, aparece como sendo a de número 32.161. Mesmo que se considere o jornal como tendo 62 anos, que só completará em novembro, diários e ininterruptos, se a numeração fosse verdadeira, significaria uma subversão do tempo, com a média de quase 520 edições por ano, extrapolando em quase 20% a bitola da física temporal. Como o jornal peca pela soberba, que não lhe permite admitir seu erro e corrigi-lo, o absurdo se repete diariamente. Não é bom exemplo para estudantes. Nem de ética e nem de matemática.
Também não é exemplar o caderno de polícia, com suas sangrentas seis páginas, ilustradas por cinco cadáveres de pessoas mortas nos finais de semana, tão violentos que provocam o crescimento desse caderno em 30% às segundas-feiras. Igualmente não é de se exaltar a manipulação dos fatos que o jornal faz para punir seus desafetos, ainda que à custa da mutilação das informações.
Relação dialética
No noticiário sobre o VI Congresso Estadual de Jornalistas, a realizar-se no próximo mês, foi suprimido meu nome como participante da mesa de abertura do encontro. Como efeito dessa censura, os demais integrantes dessa mesa também tiveram que ser sacrificados. Só em relação às demais há a indicação de nomes.
Apesar da deseducação a que um jornal elaborado com esses critérios induz, a iniciativa de fazer os jovens lerem jornais é boa. Não devia ser exclusiva de um deles. Já sugeri aqui que o poder público adquirisse certa quantidade para distribuir nas escolas oficiais. A compra obedeceria a um termo de referência: as empresas jornalísticas teriam que possuir capital aberto, precisariam ter sua circulação auditada, essa informação devia ser publicada no próprio jornal, que também devia incluir um ombudsman, que produziria uma avaliação periódica do projeto, de acesso público. A aquisição seria proporcional à tiragem da publicação. Um conselho consultivo avaliaria a continuidade da iniciativa, que duraria um ano. Ela seria renovada, de acordo com a recomendação do conselho e da clientela, incluindo os professores.
Assim, a relação seria dialética: o jornal seria ao mesmo tempo o pólo ativo e passivo, ajudando a formar a opinião pública e sendo também por ela influenciado, através do poder público, cuja participação se restringiria a propiciar a aquisição de exemplares em volume expressivo, para atender um universo representativo de jovens, mas com acompanhamento pedagógico e cultural, de tal modo a afastar as interferências políticas e as manipulações comerciais. Aí, talvez a notícia do ‘Repórter 70’ fosse mais do que ‘patriotada’ sem fundo de verdade.
Grandeza e miséria em torno da realidade
A campanha de O Liberal contra o prefeito de Ananindeua, Hélder Barbalho, por motivos óbvios, foi incrementada ainda mais há três semanas. Foi logo depois que o principal executivo do grupo, Romulo Maiorana Júnior, percebeu as manobras de um helicóptero sobre sua mansão, a mais cara da cidade, no condomínio fechado Lago Azul. Os longos volteios do aparelho serviriam a um amplo documentário sobre a luxuosa vivenda, com mil metros quadrados de área construída, num terreno de cinco mil metros quadrados, formado pela fusão de 10 lotes.
Rominho deduziu que provavelmente o pai do prefeito, o deputado federal Jader Barbalho, devia estar querendo imagens de impacto para usar na próxima campanha eleitoral. O presidente-executivo de O Liberal tem um contencioso com a administração municipal por conta do IPTU, onde se localiza o condomínio, e também se recusa a pagar taxa condominial por todos os lotes que tem no Lago Azul. Antes de virar telhado, decidiu usar sua baladeira.
A guerra entre os representantes dessas duas elites, a econômica e a política, é travada com indiferença ao pano de fundo da sua beligerância. Todos os dias O Liberal coloca em destaque os problemas do município, reais ou imaginados, com fidelidade ou exagero, de responsabilidade direta da atual gestão ou herdados das anteriores, previsíveis ou inteiramente novos. Não dissocia a figura do odiado prefeito dos 500 mil munícipes, que constituem o segundo mais importante município do Pará, tanto em população quanto em grandeza econômica.
Além de ser o mais dinâmico do país, segundo a nona edição do Atlas do Mercado Brasileiro, referente a 2008, do jornal Gazeta Mercantil. Ananindeua liderou os 300 municípios – de um total de 5.562 do país – que cresceram acima da média nacional, segundo o levantamento que a consultora Florenzano Marketing realizou para o jornal de negócios, o mais antigo do país (agora sob a bandeira de Nelson Tanure). Ananindeua cresceu 168% no ano passado, dois pontos acima de Macaé, a capital do petróleo do Rio de Janeiro
Competência e honestidade
Os pesquisadores que fizeram o levantamento de dados em Ananindeua ficaram impressionados com a movimentação bancária local: os depósitos dobraram (57%) em relação a 2006, desempenho atribuído à proximidade da capital, atraindo os bancos para se instalarem ao longo da BR-316, que permite acesso rápido às agências. Já as despesas municipais experimentaram um incremento de 45%, refletindo o desenvolvimento do município ‘e o forte investimento em infra-estrutura’, segundo o secretário de Indústria e Comércio, Reginaldo Ferreira (que já trabalhou numa empresa fornecedora de papel ao jornal).
Mas como explicar resultados quantitativos ao lado de indicadores sociais tão ruins? A imprensa ajudaria a encontrar uma razão, ou várias, se, mesmo suscetível às suas idiossincrasias, cuidasse de informar com isenção, competência e honestidade a opinião pública. Mas os sultões da informação não conseguem olhar além dos seus palácios, nem sair da órbita da sua contabilidade de ganhos. Atiram para o alto pedras que, por uma lei que não podem suprimir (a da gravidade), acabarão por atingi-los na queda. Ao contrário do que pensam, morar em mansão não é estar no céu.
A censura de hoje
Acho que me transformei num item do exame de consciência dos caros colegas de O Liberal. Eles sabem que não podem desobedecer a ordem dos donos do jornal, que proíbem menção ao meu nome nos veículos da empresa. Mas alguns tentam se aproximar o máximo possível da fidelidade aos fatos, quando neles apareço, sem contrariar a enérgica diretriz. Sendo leais sem deixar de ser jornalistas.
Pude observar esse conflito ao ler a nota sobre a saudável iniciativa que o Hospital de Clínicas mantém: exibir periodicamente em seu auditório um filme com ‘mensagem’ social e convidar alguém para debater o tema com os espectadores (médicos, enfermeiros e funcionários).
Fui convidado, no mês passado, para desempenhar essa função no caso de O Informante, de Michael Mann, o melhor filme sobre jornalismo que já vi, emocionante e comovedor em vários momentos. Ao noticiar o programa, o redator da nota (que não sei quem foi), escreveu: ‘Desta vez, o debatedor é o debatedor será um jornalista’. O erro de digitação deve ter refletido a indecisão do autor do texto, sua hesitação diante da censura primária e idiota, e sua recusa em trair de todo seu compromisso com a verdade.
Sinal de vitalidade
A leitura da matéria me remeteu a um passado ainda recente e já arquivado. Na época em que havia um censor na redação de O Estado de S. Paulo (entre 1969 e 1975), sempre que escrevíamos recorríamos a ardis vários para tentar vencer a vigilância do Torquemada e ao mesmo tempo dar o máximo possível de informações ao leitor. Também procurávamos resguardar o jornalista e suas fontes de possíveis represálias dos representantes do Leviatã estatal, mas procurando indicar a origem da informação, de modo a que o leitor a pudesse analisar adequadamente.
Quando eu precisava passar em frente dados que me eram fornecidos por uma importante fonte militar, por exemplo, pedia a São Paulo que desse o crédito da matéria a uma ‘sucursal’, sem especificá-la. Os responsáveis pela análise do material impresso teriam mais dificuldades para identificar a origem dessas informações. Protegida, a fonte se disporia a manter o contato com o jornalista, que não ficava exposto ao inquisidor.
A censura estatal acabou no Brasil, ao menos na sua forma aberta, direta. Mas, além da autocensura, está em pleno exercício a censura do dono da empresa jornalística e a falta de coragem de muitos jornalistas. Há mais covardia do que se esperaria encontrar no mais longo período de democracia que o Brasil republicano já viveu, o atual. Felizmente, ainda há jornalista que consulta a própria consciência ao escrever. Remete um anônimo e discreto sinal de vitalidade, que nos chega como a tremelicante luz das distantes estrelas. Longínquas e anônimas, mas plenamente visíveis. Belas.
Plim-plim
No dia 27, depois de um longo jejum, o grupo Yamada voltou a programar um encarte no jornal O Liberal. Pagou mais caro pelo uso de papel especial, mas teve direito a pequena chamada na primeira página. Como a veiculação comercial do grupo se normalizou, os Yamada foram reconhecidos como o esteio da presença japonesa no Pará, no ano do centenário dessa imigração para o Brasil e nos 80 anos da chegada ao Pará. Para a casa, o som da máquina registradora soa como música, estimulando a boa vontade – nada risonha e franca.
Voz do dono
O Liberal publica meia página diária sobre o vizinho Amapá. O patrocinador é o governo do estado. Jornalismo ou compadrio?
Jornal
O Correio do Tocantins, de Marabá, é o mais antigo dos jornais do interior do Pará em circulação e um dos que mais durou em todos os tempos. Caminha para seu 26º ano e sua edição 1.800. É uma façanha da equipe dirigida por Mascarenhas Carvalho. Antes mesmo de lançar seu próprio jornal, ele já era um atento observador do que acontecia na região dominada pela província mineral de Carajás, referência indicada no subtítulo do Correio. Partilhava informações preciosas com quem aportava à terra, atraído por algum dos múltiplos temas que ali se sucedem vertiginosamente. Sempre teve esse sentido da causa pública, que, logo, se transformou num negócio rentável. Tanto que o Correio dispõe de um parque gráfico próprio, já em expansão e de dimensão significativa, conquista rara na imprensa interiorana.
O Correio se tornou fonte indispensável para se saber o que acontece na região, às vezes de forma um tanto chocante, como na sem-cerimônia de exibir fotografias de cadáveres, produzidos com nefasta regularidade numa terra de grande violência.
Parabéns e longa vida ao Correio do Tocantins.
******
Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)