Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mal do jornalismo tóxico

A leitura de algumas colunas abrigadas em páginas e sites de jornais e revistas pode passar ao leitor a impressão de que o Brasil está mergulhado em uma conflagração política, na qual se alinham, de um lado, o governo federal e seus aliados, e, do outro, os partidos de oposição e a imprensa hegemônica.

Essa circunstância tem motivado altercações, que se espalham pelas redes sociais digitais e produzem uma algaravia de opiniões ruidosas. O ponto comum dessas manifestações é o radicalismo ideológico conduzido por um discurso corrosivo, que, diante da baixa credibilidade das instituições republicanas, tem enorme potencial para produzir estragos na democracia.

Não se pode afirmar, sem demonstrações específicas, que toda a mídia esteja engajada permanentemente na desconstrução do grupo político que controla o Executivo federal desde 2003. Pode-se, no entanto, fazer a análise diária de cada edição e apontar a existência de uma matriz determinante das escolhas dos editores, da qual se pode dizer que, sendo extremamente crítica como deve ser a imprensa, no entanto repete como um mantra um viés oposicionista determinado a priori.

Eventualmente, como se viu no mês passado com o noticiário sobre o aumento do preço do tomate, uma informação concreta se desvia para esse caudal de opiniões, obscurecendo a compreensão do fato original. O mesmo se dá em outros campos, por exemplo, quando são divulgadas estatísticas sobre educação ou sobre o estado das obras de infraestrutura.

O barulho que se faz a partir de um fato acaba impossibilitando a correta compreensão do contexto em que tal informação foi colhida e, portanto, perde o leitor a oportunidade de ser bem informado.

Eventualmente, uma frase imprecisa ou pronunciada de improviso acaba ganhando repercussão imediata e detonando o processo de comentários que se parecem àquelas filas de peças de dominó. Observe-se, por exemplo, os efeitos da seguinte notícia: “PF vai pedir quebra de sigilo de ex-assessor de Lula”, que encabeça a primeira página do Estadão nesta quarta-feira (24/04).

Não há ação capaz de recolocar os fatos em seu devido lugar e, no mais das vezes, o melhor que faz a vítima desse processo é esperar que a onda se desfaça para depois tentar esclarecer o ponto obscuro.

Acontece que a imprensa no Brasil não se concentra nos fatos, mas quase exclusivamente nas versões. Por esse motivo, têm mais valor as declarações do que o resultado de investigações – prática cada vez mais rara no jornalismo brasileiro.

Efeito corrosivo

A observação desse processo permite identificar os pontos em que o fato se transforma em interpretação. Cada um dos principais jornais do País e cada uma das principais revistas semanais de informação hospeda em suas equipes alguns colunistas que se encarregam de despejar combustível na lenha dos mal-entendidos, produzindo esse efeito de enxurrada. São os praticantes de um jornalismo tóxico, cuja ação consiste em amarrar a interpretação de acontecimentos, declarações, estatísticas e imagens no viés matricial da imprensa.

Deve-se observar que esse fenômeno não começou hoje: basta lembrar o que houve com Eduardo Jorge Caldas Pereira, que foi secretário-geral do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – massacrado durante meses por um grupo de jornalistas.

Esses personagens pontificam nos dois lados do espectro ideológico a que o pensamento político e econômico parece ter sido reduzido nos debates públicos, mas pode-se afirmar que agora eles se concentram em um lado só na imprensa e sua radicalidade vem se agravando há dez anos, dando ao jornalismo hegemônico um discurso unitário e agressivo.

Sua função não é informar, é convencer. Acompanhando as redes sociais digitais, o observador nota que esse jogo é mais denso em alguns círculos muito restritos, como os espaços para comentários e cartas de leitores, que congregam normalmente os seguidores ou apoiadores desses colunistas, e os grupos formados por jornalistas.

Os leitores costumeiros desses artigos compõem massas de correligionários, para os quais não importam muito os argumentos: eles querem apenas realimentar seus amores e seus ódios preferenciais.

Mais interessante é analisar os grupos de jornalistas: como formam um campo próprio na cultura, esses profissionais se comportam de maneira mais ou menos homogênea, mesmo com opiniões diferentes, obedecendo protocolos e vocabulário específicos para se manifestar.

Como regra geral, pode-se dizer que jornalistas são vacinados contra a retórica do jornalismo, porque sabem como a salsicha é feita. Mas seria interessante pesquisar como o discurso tóxico da imprensa estaria contaminando a sociedade brasileira e corroendo a racionalidade.