O papel da mídia no debate sobre a preservação dos recursos naturais não-renováveis do planeta foi o tema do Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (20/5) pela TV Brasil e TV Cultura. Assuntos como biodiversidade, consumo responsável, lixo e aquecimento global começam a entrar na pauta da grande mídia, principalmente em momentos de crise, mas ainda estão fora do dia-a-dia das redações.
Participaram do programa, ao vivo, o colunista do site O Eco, Sérgio Abranches, no Rio de Janeiro; o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, em São Paulo; e o deputado federal José Sarney Filho (PV-MA), líder do Partido Verde na Câmara, no estúdio de Brasília.
Sérgio Abranches
, doutor em Ciência Política pela Universidade de Cornell, é diretor e colunista do site O Eco, de notícias sobre meio ambiente, e comentarista da rádio CBN.José Sarney Filho, deputado federal, é líder do partido Verde na Câmara Federal. Foi ministro do Meio Ambiente no governo Fernando Henrique Cardoso e participou das discussões sobre as leis de Biossegurança e da Mata Atlântica.
Ricardo Gandour, jornalista, é diretor de Conteúdo do Grupo Estado. Trabalhou na Folha de S.Paulo, Editora Globo e Diário de S.Paulo.
Alberto Dines comentou os assuntos de destaque da semana e analisou a atitude de parte da imprensa em publicar dados repassados sem investigação preliminar. O ponto de partida foi a sessão de terça (20) da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o uso de cartões corporativos do governo. Para o jornalista, há promiscuidade na relação de repórteres e fontes. O segundo tema da seção ‘A mídia na semana’ foi a matéria da Folha de S.Paulo de domingo (18/5) que narrou a experiência de um repórter do jornal que se infiltrou na Polícia Militar carioca. Por último, Dines comentou o atentado sofrido por um repórter da afiliada da TV Globo em Mogi das Cruzes, em São Paulo, que investigava indícios de crimes cometidos por policiais civis.
O editorial que precede do debate ao vivo teve como tema a cobertura da questão ambiental. ‘Não se sabe quem inventou a expressão `ecochato´, mas é certo que a mídia foi a responsável, talvez involuntariamente, por sua difusão. O `ecochato´ é o ecologista ortodoxo, rigoroso, inflexível, que não faz concessões aos desenvolvimentistas e aos consumistas’, disse Dines. Para o jornalista, a expressão é preconceituosa porque defender o meio ambiente é uma atitude cívica.
A imprensa não deveria estigmatizar aqueles que não fazem concessões na busca pela sustentabilidade. ‘A saída da ministra Marina Silva acionou imediatamente uma pergunta: a imprensa conseguiu tirá-la do isolamento a que estava confinada? Com mais apoio da mídia e, portanto, da sociedade, a ministra certamente poderia resistir aos embates com os ruralistas, desmatadores e desenvolvimentistas’, avaliou Dines [ver abaixo a íntegra do editorial].
O impacto das ações humanas
Dois jornalistas, de diferentes gerações, especializados na questão ambiental gravaram entrevistas para a reportagem exibida antes do debate ao vivo. Para o veterano Washington Novaes, os meios de comunicação precisam ajudar a sociedade a entender que todas as ações humanas têm impacto sob o meio ambiente e que é preciso discutir formas de minimizar essas conseqüências. Seria necessário atribuir o custo dos impactos a quem os gera, e não a toda a sociedade. A mídia deveria ajudar a construir um panorama onde existissem regras válidas para todos os países e pressionar as instituições a vigiar o cumprimento das determinações.
O jornalista André Trigueiro considera que não é papel da imprensa dizer ‘faça isso, não faça aquilo’. Trigueiro avalia que é necessária uma nova atitude frente ao meio ambiente: ‘Não basta mudar, tem que mudar rápido. O planeta dá sinais de esgotamento. O modelo de desenvolvimento é suicida porque exaure de maneira sem precedentes na história os recursos naturais não-renováveis essenciais à vida. Não há tempo a perder’. Para ele, a mídia precisa encontrar uma nova forma de informar ‘sem catequizar, sem ser chato, sem ser `ecochato´’.
Para os dois jornalistas, é preciso um melhor preparo dos profissionais de imprensa. Washington Novaes avalia que a cadeira de Jornalismo Ambiental não deveria ser uma matéria separada. Os aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais deveriam estar interligados para que os alunos de Jornalismo pudessem entender as relações desses setores com os danos que estamos provocando no planeta. Na visão de Trigueiro, a disciplina deveria ser obrigatória nos cursos de Jornalismo e não de livre escolha, como atualmente. Seria urgente entender como o mundo funciona e dar ‘ecodicas’ para corrigir o rumo da questão ambiental.
A mídia e os ‘ecochatos’
No debate ao vivo, o deputado José Sarney Filho afirmou que a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, conhece profundamente as questões ambientais brasileiras e que fez todo o possível dentro de uma conjuntura que não era sensível a um modelo diferenciado de desenvolvimento. Na opinião do líder do Partido Verde (PV) na Câmara, a transversalidade dos temas ligados ao meio ambiente, defendida pela ex-ministra, não obteve êxito e o ministério atualmente é um ‘apêndice’ do governo.
Sérgio Abranches avaliou que a mídia ‘comprou a tese’ da Casa Civil, do ministério das Minas e Energia e das empreiteiras de que a ex-ministra era ‘ecochata’ e impedia o progresso e os investimentos no setor. O colunista de O Eco discorda do julgamento e avalia que a senadora Marina Silva fez importantes concessões quando esteve à frente do ministério. ‘Ela enfrentava uma muralha de obstáculos dentro do governo’, disse.
Desde o ano de 2006, o jornal Estado de S.Paulo colocou a questão ambiental como prioridade, informou Ricardo Gandour. O diretor de Conteúdo do Grupo Estado acredita que o jornal não foi o único: outros grandes jornais – como O Globo e Folha de S.Paulo, aumentaram o espaço destinado à cobertura do meio ambiente dos últimos três anos. Para Gandour, seu jornal tem feito da questão ambiental um eixo prioritário da cobertura.
Para o deputado Sarney Filho, a imprensa ainda não é parceira do meio ambiente, mas está caminhando para ser. O assunto estará na pauta das redações mesmo fora dos momentos de catástrofe e de escândalos. Para Ricardo Gandour, é preciso avançar e combater o maniqueísmo da cobertura que contrapõe os ‘ecochatos’ aos ‘ecoprogressistas’. O jornalista afirmou que a mídia não criou esta oposição sozinha. O governo teria colocado ‘lenha na fogueira’.
Um exemplo disse foi a polêmica envolvendo a liberação de licenças ambientais para a construção de hidrelétricas no Rio Madeira, ocorrida em abril do ano passado. O presidente Luís Inácio Lula da Silva teria se queixado da demora na concessão das licenças e da proteção aos bagres da região. Após o episódio, Marina Silva ficou conhecida como ‘a ministra dos bagres’.
Problemas estruturais da imprensa
A falta de sucursais de empresas de comunicação fora das principais capitais do Brasil, que tem dimensões continentais, também foi discutida no Observatório. Alberto Dines ressaltou que apesar de faltarem correspondentes locais, a maioria das redes mantém jornalistas em outros países. Ricardo Gandour lamentou o cenário e afirmou que o jornal tem trabalhado para minimizar o problema. Viagens constantes a locais como a reserva indígena Raposa/ Serra do Sol, em Roraima, e à Amazônia seriam alternativas ao correspondente. Para ele, há uma evolução, mas ainda está longe do necessário para abranger os diversos temas e culturas.
Um telespectador perguntou a Sérgio Abranches como levar a ecologia para pequenas ações locais. O cientista político disse que as mudanças climáticas geradas pela degradação do planeta já estão ocorrendo e que todos são responsáveis. Para ele, é importante a população entender quais passos do dia-a-dia resultam em emissão de gases que levam ao efeito-estufa. O deputado José Sarney afirmou que a imprensa começa a despertar para a causa ambiental. A mídia teria reagido à demanda da sociedade, alertada pelos riscos do aquecimento global.
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Uma discussão de interesse público
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV, exibido em 20/5/2008
Não se sabe quem inventou a expressão ‘ecochato’, mas é certo que a mídia foi a responsável, talvez involuntariamente, por sua difusão. O ecochato é o ecologista ortodoxo, rigoroso, inflexível, que não faz concessões aos desenvolvimentistas e aos consumistas.
É uma expressão preconceituosa, discriminatória, porque defender o meio ambiente é uma atitude ética, cívica. Se queremos que a imprensa ajude a criar uma consciência ambiental, há algo de constrangedor vê-la estigmatizando aqueles que não transigem na luta pela sustentabilidade.
A saída da ministra Marina Silva acionou imediatamente uma pergunta: a imprensa conseguiu tirá-la do isolamento a que estava confinada? Com mais apoio da mídia e, portanto, da sociedade, a ministra certamente poderia resistir aos embates com os ruralistas, desmatadores e desenvolvimentistas.
Ninguém chamou a ministra de ecochata, mas na realidade ela era vista como fundamentalista, incapaz de fazer concessões e negociar. A mídia não conseguiu desfazer esta imagem nem este estereótipo.
Talvez agora seja possível reverter o ceticismo da imprensa no tocante à cruzada pela preservação do planeta. Não se trata de dar um cheque em branco ao novo ministro, Carlos Minc; trata-se apenas de trazer a mídia para a sua função orgânica de defensora do interesse público.
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A mídia na semana
A.D.
** A sessão de terça-feira da CPI dos cartões corporatibvos serviu para mostrar a promiscuidade que floresce à sombra do poder em Brasília. Serviu também para comprovar que a indústria dos dossiês só vai desaparecer quando os veículos jornalísticos se recusarem a publicar documentos sem cuidadosa investigação preliminar. Todos os implicados sabiam de antemão de que não faltariam candidatos a publicar os dados vazados mesmo sem apuração. O problema é esse.
** A Folha de S.Paulo lavrou um tento com o testemunho que publicou no domingo (18/5), do repórter Raphael Gomide, que serviu como recruta na PM do Rio. O leitor brasileiro começa a cansar de denúncias e declarações bombásticas, quer um jornalismo proativo, baseado em reportagem. O único senão tem a ver com as reação da PM depois de publicada a matéria: a casa do repórter passou a ser vigiada por PMs sem farda.
** Pior foi o que aconteceu com o repórter Edson Ferraz, da afiliada da Globo em Mogi das Cruzes, periferia de São Paulo. Ele investigava possíveis crimes cometidos por policiais civis e o seu carro, com o logotipo da empresa, foi alvejado por encapuzados. A corregedoria investiga a participação de policiais no atentado. Compreende-se por que é mais cômodo publicar vazamentos sem qualquer investigação preliminar.