Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O velho (novo) paradigma faz 61 anos

Março é o mês de aniversário do famoso relatório da Hutchins Commission – ‘Uma imprensa livre e responsável’ (A free and responsible press) – publicado em 1947, nos EUA. A Comissão, formada por 13 personalidades do mundo acadêmico e empresarial, financiada pelo grupo Time Life e pela Enciclopédia Britânica, foi presidida pelo então reitor da Universidade de Chicago, Robert M. Hutchins. Criada em 1942, no correr da Segunda Guerra Mundial, antecipando as mudanças que estavam por vir e respondendo a uma onda crescente de críticas à atuação da mídia, a Comissão tinha como objetivo principal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Objeto de muitas críticas ao longo dos seus 61 anos, o relatório da Hutchins Commission deu origem à chamada teoria da responsabilidade social da mídia.

Responsabilidade social

A responsabilidade social (RS) não é um conceito novo e sua origem está associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século 19, de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham e John Stuart Mill.

Nos anos pós-Segunda Grande Guerra, a RS se constituiu como um modelo a ser aplicado às empresas em geral – e às empresas jornalísticas norte-americanas, em particular – e começou a ser introduzida por meio de códigos de auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de setores como rádio e televisão. Esse modelo está ligado diretamente à defesa da liberdade, inclusive à liberdade de imprensa e ao desenvolvimento do capitalismo e dos direitos civis.

A RS se baseia na crença individualista de que qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a sociedade – daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma evolução de outra teoria da imprensa – a libertária – que não se preocupava em garantir um fluxo de informação em nome do interesse público. A RS aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático e ao esclarecimento do público (‘o público tem o direito de saber’).

Cinco pontos

O relatório da Hutchins Commission resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em cinco pontos:

1. Propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);

2. Servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;

3. Retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;

4. Apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e, por fim,

5. Distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.

Esses cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do chamado ‘bom jornalismo’ – objetividade, exatidão, isenção, diversidade de opiniões, interesse público – adotado nos Estados Unidos e presente nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais nas democracias liberais.

Lições contemporâneas

Em livro lançado recentemente nos EUA (The Big Picture – Why Democracies need Journalistic Excellence; Routledge, 2008) o jornalista Jeffrey Scheuer chama a atenção para o fato de que o relatório da Hutchins Commission estabeleceu um precedente ajudando a legitimar a crítica da mídia como uma atividade importante das democracias maduras. Além disso, o relatório talvez tenha sido responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa.

Teria essa mudança de paradigma de fato ocorrido? Ela chegou ao Brasil?

Talvez o jornalismo brasileiro ainda tenha algo a aprender com o velho relatório da Hutchins Commission. Talvez já seja tempo de os empresários de mídia – que hoje incluem os donos, controladores e gerentes de provedores de internet – se darem conta de que os tempos são outros e a consciência dos direitos individuais e coletivos avança e ganha força dia a dia em camadas cada vez mais amplas de nossa população.

O sucesso empresarial da indústria privada das comunicações – da qual fazem parte as empresas de telecomunicações, seja através da distribuição de conteúdo ou do provimento de tecnologia – está cada vez mais ligado ao respeito aos direitos de comunicação do cidadão consumidor. Talvez seja tempo de pensar menos no surrado ‘escudo’ da ameaça ‘de fora’ à liberdade de imprensa e pensar mais na responsabilidade social daqueles que escolheram a mídia como atividade profissional e empresarial.

Com 61 anos de idade, o velho relatório da Hutchins Commission – ‘Uma imprensa livre e responsável’ – permanece novo, válido e atual, pelo menos entre nós.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)