Bem sei quanto já, na imprensa, foi escrito a respeito de mais uma perda a lamentar: refiro-me ao senador Jefferson Péres, falecido na sexta-feira (23/5). Assumo o risco por não mais dizer algo que não seja eco do que, porventura, alguém tenha escrito e publicado. Por outro lado, sentir-me-ia mal se nada a respeito do senador deixasse registrado, já que, neste Observatório, fiz questão de escrever artigos em homenagem às trajetórias de Pierre Bourdieu, o senador Lauro Campos, Celso Furtado, Haroldo de Campos e, recentemente, Artur da Távola.
Estranha mídia
Após haver lido inúmeros artigos e outras tantas matérias, além de obituários, não contive o desconforto diante de uma questão: a figura do senador foi, por unanimidade, exaltada pelo reconhecimento tácito das virtudes das quais o senador era portador. O fato me fez lembrar semelhante tratamento em relação a outro senador, Lauro Campos, quando de seu falecimento. É, pois, estranho o comportamento da mídia que, tendo a percepção quanto às qualidades de um político, este, em vida, tenha sido tão pouco requisitado para maior visibilidade, via espaços midiáticos (impressos e eletrônicos).
Se era sabido por todos os profissionais de comunicação que o senador Jefferson Péres reunia tantas qualidades e representava a ética, a retidão de caráter, a inteligência, a firmeza em suas posições, como explicar tão minguada ressonância no âmbito societário, mesmo no transcurso das eleições de 2006, quando o senador integrava a candidatura de Cristovam Buarque, para o cargo de vice-presidente da República?
É lamentável, portanto, que a mídia tenha menosprezado um exemplo de integridade ética e requinte intelectual, em favor de direcionar holofotes a outros envolvidos em denúncias, falcatruas, desvios de conduta etc. Enaltecer o senador, em razão de sua morte, é, no mínimo, auto-reconhecimento do quanto a mídia se pauta por razoável parcela de cinismo.
Será que o sistema midiático, em função de suas (não menos estranhas) prioridades (impacto, emoção, excentricidade, exotismo, exacerbação, ‘denuncismo’, entre outros tantos), deixa, à margem, quem tem mérito, mas não se enquadra no ‘formato’ das ‘prioridades’? Se assim é, temos de rever os critérios, antes que seja tarde demais. Minha suspeita é a de que a mídia continuará a promover ‘pautas’ regidas pela fórmula já conhecida. Quantos mais, portanto, dotados de, segundo a mídia, ‘inquestionável retidão e qualificação’, terão de morrer, sem que a própria mídia lhes conceda ‘espaços’ e ‘tempos’ para tais virtudes chegarem à maior parte da população?
Lógica estranha
É bom recordar que, durante a campanha presidencial, em 2006, a mídia, como terceira opção, apostava as fichas mais no histrionismo da senadora-candidata Heloísa Helena do que na retórica ‘monotemática’ de Cristovam Buarque, cuja proposta prioritária de governo seria a educação. Alguns jornais, à época, mal disfarçavam o tratamento jocoso ao candidato que insistia na sua convicção.
Se houve (ou não) contaminação da mídia no eleitorado, é algo que não se pode, efetivamente, asseverar. Todavia, sou levado a crer que, sob o aspecto do próprio interesse midiático, teria sido muito mais interessante um segundo turno entre Lula e Buarque do que entre Lula e Alckmin. É óbvio que Lula venceria o segundo turno, independentemente de quem fosse seu adversário. O que estou tentando configurar é a miopia da mídia em jogar contra seus próprios interesses, sob o ponto de vista da exploração midiática a respeito do dado novo, diferente.
Também, nas eleições de 2002, a mídia teria à disposição um quadro bem mais ‘apetitoso’, caso o segundo turno se desse entre Lula e Ciro Gomes. Não tenho dúvida: mesmo assim, Lula teria vencido as eleições em 2002. E Lula ganhou as duas pelos próprios méritos. Quem perdeu foi a mídia. Por quê? Pelo simples fato de a mídia não perceber em que ‘enredo’ haveria possibilidade de gerar mais ‘capítulos’ para uma audiência envolvente.
Estará faltando ‘faro jornalístico’? Por outra, interesses da alta cúpula das empresas de comunicação ditam o foco a ser seguido pelos profissionais disseminadores da informação? Ficam, portanto, questões no ar. O propósito é sempre o de tentar colaborar para o pensamento em diferentes ângulos. No mais, que pena, senador Jefferson Peres! A vida, na sua lógica ‘estranha’, poderia ter sido mais generosa, permitindo-lhe, ao menos, que findasse seu segundo mandato.
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da Facha (Rio de Janeiro)