A etapa do cada um por si já não funciona mais, agora que a variante Ômicron mostrou que o vírus se recombina e se multiplica mesmo a milhares de quilômetros de distância da gente. Não adianta alguns se vacinarem se muitos ainda resistem ou não têm como se proteger contra o coronavírus. Por isto, nós jornalistas, precisamos sair da bolha imunizada e usar todos os nossos recursos de comunicadores para exigir a distribuição gratuita de vacinas para todos os países pobres.
É nestes países sujeitos a um verdadeiro apartheid vacinal que o vírus se aproveita da miséria e insalubridade para criar variantes que depois se espalham pelo mundo. Apenas três em cada 100 habitantes de nações pobres receberam até agora algum tipo de imunização contra a Covid, o que indica um fracasso global do combate à pandemia e aponta para a necessidade de uma mobilização, também global, para mostrar que todos dependemos de todos.
A etapa de registrar os avanços e recuos da Covid levou-nos a constatar que a observação isenta já não cabe mais dentro das rotinas e valores do jornalismo. A profissão tem um papel fundamental numa conjuntura onde a sobrevivência de milhões de pessoas está ameaçada por uma enfermidade que já não é mais uma questão médica, mas sim social, porque nossa saúde também depende de quem vive noutros continentes.
As vacinas são uma cura temporária e parcial, porque só a interrupção dos fluxos de circulação dos vírus é capaz de assegurar um controle minimamente estável da contaminação. Para interromper os fluxos, é necessário que haja um consenso social sobre a vacinação e as demais medidas preventivas, o que sai do campo da medicina e da infectologia para entrar na área da sociologia e da comunicação.
O jornalismo precisa se engajar no esforço comunicacional de forma transdisciplinar com outras áreas de conhecimento para focar na conscientização das pessoas sobre a obrigação social de agir como membros de comunidades, com responsabilidades coletivas, mesmo que discordem delas. O jornalismo sabe como passar mensagens de caráter social porque faz isto desde sua criação há quase quatro séculos. Omitir-se agora seria renegar toda uma história, especialmente as participações de jornalistas na luta pelo fim de II Guerra Mundial e agora no esforço para evitar uma catástrofe ambiental.
O papel que toca ao jornalismo na atual conjuntura da pandemia é usar todas as estratégias possíveis de comunicação e informação para levar as pessoas a assumirem que sua saúde depende da saúde de todos. É um desafio enorme, mas inadiável, porque já perdemos gente demais tentando sobreviver “cada um por si”. Os altos e baixos da pandemia, as ondas sucessivas e o pipocar de variantes mostra que ainda estamos longe de um patamar de estabilidade.
A era da saúde coletiva chegou
Se há uma lição que a Covid 19 está nos dando esta é a de que a saúde definitivamente deixou de ser um bem individual. Estamos entrando na era da saúde coletiva que inevitavelmente exigirá novas condutas, regras e valores, coisa que o jornalismo está em condições privilegiadas para promover. Mas para que isto aconteça, é preciso primeiro que os profissionais deixem de pensar apenas como funcionários aguardando ordens de superiores executivos e assumam a responsabilidade social de usar seus talentos informativos para mobilizar o público na direção da saúde coletiva.
O jornalismo não é uma função acessória na formação de uma nova consciência social sobre o bem-estar clínico da população. A profissão é central e insubstituível pois qualquer informação, recomendação ou alerta produzido por cientistas, médicos ou pesquisadores precisa ser levado à população. Sem um tratamento comunicacional específico para uma situação especial nada vai acontecer, pois as mensagens se perderão na avalanche diária de notícias. É necessária uma integração interdisciplinar entre médicos, epidemiologistas, infectologistas, executivos da saúde, enfermeiros e jornalistas para que uma estratégia de comunicação atinja quem concretamente precisa de informações, recomendações e advertências.
É urgente que os jornalistas discutam em seu ambiente de trabalho estas novas exigências lançadas sobre os profissionais porque elas implicam uma quebra de várias rotinas e regras previstas nos manuais de redação. O foco da atividade deve passar a ser a criação da consciência coletiva no combate ao coronavírus, superando a etapa do bate-boca político-eleitoral. A ausência de uma solidariedade social global na vacinação custa vidas, enquanto a batalha eleitoral, por enquanto, custa apenas votos e cargos.
O jornalismo precisa se engajar de corpo e alma na campanha pela distribuição em massa de vacinas em regiões pobres do Brasil e em países miseráveis da África, não como uma filantropia ou caridade, mas como um gesto em defesa da saúde e do futuro de toda a sociedade.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.