O presidente Lula só poderá tirar o povo da merda – e assim cumprir a promessa feita no Maranhão – se antes puxar do mesmo atoleiro o PAC do saneamento, como revelaram no sábado (12/12) a Folha de S. Paulo e o Globo. Os dois jornais fizeram o serviço necessário. Nas edições de sexta-feira (11) toda a imprensa noticiou o discurso coprológico do presidente. Mas só dois dos maiores jornais avançaram no assunto, logo em seguida, oferecendo ao leitor um balanço da ação governamental.
O Globo tratou do assunto na manchete de capa: ‘Saneamento para todos pode demorar 66 anos’. Segundo a matéria, o governo só usou até agora 35% dos mais de R$ 8 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo do Serviço (FGTS) destinados ao saneamento partir de 2003. Só 42% dos brasileiros dispõem de esgoto. A porcentagem de 70%, fixada como objetivo para 2015, só será alcançada em 40 anos, se a execução do programa não for acelerada.
A Folha de S.Paulo tratou do assunto só no caderno ‘Dinheiro’. A matéria concentrou-se na execução das obras de tratamento e coleta de esgotos previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dos R$ 40 bilhões previstos para aplicação entre 2007 e 2010 só 15% foram desembolsados, segundo a reportagem.
Sem projetos e sem pessoal qualificado para elaborá-los, a maior parte das concessionárias não consegue acesso ao dinheiro, fornecido pelo FGTS e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A Caixa Econômica Federal só libera os empréstimos contra garantias.
Muitas empresas, de acordo com a matéria, não têm condições de apresentá-las. Redes de esgotos são públicas, segundo a legislação, e não são alienáveis. As companhias não podem, portanto, oferecê-las como garantias, explicou o presidente da Associação das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto, Yves Besse, entrevistado pelo jornal. A matéria dá um bom retrato do despreparo das empresas do setor (as grandes, como Sabesp, Copasa e Sanepar, são exceções) e das complicações burocráticas para liberação dos empréstimos.
Detalhes importantes
Há diferenças entre as matérias do Globo e da Folha, mas as duas coincidem no essencial. Mostram a lentidão dos programas de saneamento, a distância entre o prometido e o realizado e o contraste entre os fatos e a retórica de palanque.
Outras boas matérias têm justificado, para o leitor interessado em política e economia, a leitura diária de vários jornais. A matéria mais detalhada e mais clara sobre o projeto de regulamentação do setor financeiro nos Estados Unidos saiu no Estado de S.Paulo, também no sábado. O projeto foi aprovado na Câmara de Representantes e ainda passará pelo Senado, onde há outras propostas sobre o mesmo assunto.
Nem a matéria do Estadão, no entanto, explicou um dos tópicos mais polêmicos do texto aprovado na Câmara. A política monetária, isto é, a ação do Federal Reserve, o banco central americano, ficará sujeita uma auditoria realizada pelo Congresso. Que tipo de auditoria? Os congressistas terão poder para influenciar, por exemplo, na política de juros? São detalhes de enorme importância, mas nenhum jornal esclareceu o assunto.
Baderna fiscal
Todos os grandes jornais dedicaram, na edição de quinta-feira (10/12), amplo espaço às novas medidas fiscais de estímulo à economia. Essas medidas incluem a concessão de mais um empréstimo do Tesouro – desta vez de R$ 80 bilhões – ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2009 o governo já concedeu R$ 100 bilhões.
As matérias informaram o tamanho da renúncia fiscal no orçamento de 2010, dado importante para a avaliação da tendência das contas públicas num ano de eleição. Mas só a coluna de Cláudia Safatle no Valor, na edição da sexta-feira (11), explorou em detalhe o significado fiscal dos empréstimos do Tesouro. A matéria foi fundo no exame do assunto e chamou a atenção para a semelhança entre esse tipo de operação e as injeções de dinheiro no Banco do Brasil (BB), nos anos 1970 e 80, por meio da famigerada conta de movimento. Durante anos o Tesouro se endividou para fornecer recursos, por meio do velho orçamento monetário, ao Banco do Brasil. Quem viveu aquela fase de baderna fiscal e monetária tem motivos para temer a repetição da experiência. Bom jornalismo também se faz com a memória.
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Jornalista