Maior acionista privada da Petrobras, a americana Black Rock vendeu ações da estatal por causa de incertezas quanto à capitalização. A Colossus, com sede no Canadá, deverá comandar a nova exploração de ouro em Serra Pelada, mas em seu escritório, em Toronto, o repórter só encontrou uma secretária. O ex-ministro Mangabeira Unger, sem destaque na eleição brasileira, é o novo guru da oposição argentina. O Brasil virou importador de mão de obra e em cinco anos foram dados vistos a 177,5 mil trabalhadores estrangeiros. Todas essas boas histórias destoam da pauta rotineira e confirmam: jornais podem ser interessantes, divertidos e relevantes, quando pauteiros, editores e repórteres decidem ir além da cobertura burocrática e das entrevistazinhas e repercussões coletadas por telefone.
A reportagem sobre Serra Pelada saiu no Estado de S.Paulo de domingo (25/7). A matéria contém um relato sobre a montagem do novo esquema de exploração de ouro, com a formação de empresas no Canadá e no Brasil e o envolvimento da associação de garimpeiros. A articulação foi conduzida pelo senador Edison Lobão, quando ministro de Minas e Energia. Não há denúncia direta de ilegalidade, mas o texto enumera fatos estranhos em número mais que suficiente para justificar uma investigação mais detalhada. O vice-presidente da Colossus Internacional, um geólogo brasileiro, confessou, segundo a reportagem, desconhecer o nome do presidente, ‘um inglês’, e só o informou depois de ouvi-lo soletrado por uma voz feminina: ‘R-a-n-d-y R-e-i-c-h-e-r-t’.
Importância menor
A matéria da Folha de S.Paulo sobre a venda de ações pela Black Rock, publicada na quarta-feira (22/7), tratou de forma concreta e clara para qualquer leitor um problema enfrentado pela Petrobras no mercado de capitais, O nome Black Rock já tem aparecido na imprensa brasileira. Mas a cobertura das Bolsas dificilmente vai além da apresentação dos indicadores, de preços e de comentários de alguns operadores. A história fica mais interessante e mais viva quando um funcionário de uma grande investidora explica por que se decidiu agir desta ou daquela forma em relação aos papeis de uma empresa – no caso, uma grande companhia de petróleo necessitada de muitos bilhões de dólares para a exploração do pré-sal.
O relato das novas aventuras políticas do professor Mangabeira Unger – já vinculado ao PDT e ao PRB e agora ligado ao PMDB – foi uma das mais divertidas leituras da semana. Antes conhecido por um público restrito, ele ganhou notoriedade ao descrever o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o mais corrupto da história republicana. Sua notoriedade cresceu quando o presidente Lula, atendendo ao vice José Alencar, o convidou para ser ministro e ele aceitou. Ele viajou pelo menos quatro vezes à Argentina nos últimos dez meses, segundo o jornal Valor, e tem aconselhado tanto opocisionistas da União Cívica Radical quanto peronistas rompidos com o kirchnerismo. ‘Ele falou sem parar durante duas horas’, disse o cineasta e deputado Pino Solanas, narrando um jantar em sua casa.
Assuntos mais próximos da pauta do dia a dia têm rendido também material interessante. Todos os jornais deram destaque à estimativa da economia informal produzida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo o trabalho, a atividade informal, também conhecida como economia subterrânea, equivaleu em 2008 a R$ 578 bilhões, 18,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – ou, simplesmente, um ano de produção da Argentina. Nem todas matérias explicaram, no entanto, como calcula o tamanho da informalidade – um dado essencial para a avaliação do leitor. O Globo fez um bom repique, nos dias seguintes, mostrando, com base em pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o custo e as dificuldades da formalização de empresas no Brasil.
Na mesma semana os jornais falharam na cobertura de dois assuntos importantes. Na segunda-feira (19/7), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou as medidas provisórias (MPs) 495 e 496. A de nº 496 elevou o limite de endividamento dos municípios sedes da Copa do Mundo de 2014. Grandes jornais noticiaram o assunto nos cadernos de Esportes, sem dar importância a um detalhe político e econômico: o afrouxamento – mais um – das normas de responsabilidade fiscal.
Leitura que não houve
A mudança pode nem ser muito grave, do ponto de vista financeiro, mas está longe de ser desprezível. Mas o governo brasileiro tem o costume de sobrecarregar as MPs como árvores de Natal, pendurando no mesmo documento vários assuntos. Os jornais simplesmente desprezaram os tópicos adicionais, como as novas normas de acerto de créditos e desapropriação de bens da extinta Rede Ferroviária Federal ou de compensação entre regimes previdenciários. Aparentemente, o pessoal da cobertura desprezou a leitura do texto.
Algo bem mais estranho ocorreu no caso da MP 495. A parte inicial e mais importante mudou itens da Lei de Licitações, estabelecendo preferências para produtos nacionais no caso de concorrências para venda de bens e serviços ao governo. A mudança envolve grandes interesses empresariais e é uma decisão polêmica, defendida por segmentos da indústria brasileira e criticada por alguns analistas. A primeira reportagem sobre o assunto só apareceu dois dias depois de assinada a MP e foi publicada na Folha de S.Paulo. O Valor também cuidou do assunto em pelo menos duas matérias.
Durante um dia o assunto foi ignorado pelos jornais, mas o detalhe mais intrigante é outro. Na mesma MP o presidente concedeu maior liberdade para contratos de interesse de escolas superiores e institutos de pesquisa federais. Esta parte da MP foi noticiada nas seções de Educação de grandes jornais. O fato é estranhíssimo, à primeira vista, porque esses dispositivos foram incluídos na segunda parte do texto. Terão os jornalistas lido apenas a segunda parte da MP e saltado a primeira, a mais importante economicamente e mais polêmica? A explicação parece bem mais simples. O Ministério da Educação soltou um press-release sobre o tema de seu interesse e avisou os jornalistas. Aparentemente, ninguém se dispôs a procurar imediatamente o texto completo.
Trabalhar pode ser até divertido, de vez em quando, mas é bom não abusar. Exageros podem fazer mal à saúde.
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Jornalista