A Veja anda com a mania de mandar recados obscuros.
Repito nota lida no programa do Observatório da Imprensa no rádio, na terça-feira (29/8):
‘O jornalista Luiz Weis, autor do blog Verbo Solto, deste Observatório, criticou a reportagem da revista Veja da semana passada que usou informações de procuradores do estado de São Paulo. Foi uma crítica que muitos outros, incluído este que vos fala, fizeram. Veja não gostou e publicou uma ‘vingancinha’ contra Weis. É, como ele mesmo disse, uma tentativa indigente de difamação. Os leitores têm o direito de questionar a revista a respeito desse tipo obscuro de tentativa de intimidação. Os jornalistas têm a obrigação de tomar a defesa do colega que Veja, no estilo mais cafajeste, procurou atingir. Um jornalista usar o poder de publicar para agredir alguém equivale a um policial usar sua arma para atingir um desafeto. Mas não se preocupe com o Weis, leitor. O tiro dado por Veja não passou de um traque.’
Na edição desta semana (nº 1921, de 7/9/2005), um artigo de autodefesa chamado ‘Faxina na Fazenda’ mostra mais uma vez, em linguagem esotérica, reação a críticas feitas à revista pelo Observatório. Saiu assim:
‘A revelação de Veja [sobre encontros encaixados na agenda do ministro Antonio Palocci por seu então chefe de gabinete, Juscelino Dourado, a pedido do advogado Rogério Buratti, que foi secretário da prefeitura de Ribeirão Preto na primeira gestão de Palocci]) provocou a ira dos provectos observadores da imprensa que entoaram seu lamento de analistas oficiais do regime.’
Seja lá o que signifique ‘analistas oficiais do regime’, o Observatório da Imprensa não tem nada de oficial. Define-se como ‘entidade civil, não-governamental, não-corporativa e não-partidária que pretende acompanhar, junto com outras organizações da sociedade civil, o desempenho da mídia brasileira’.
Quanto ao adjetivo ‘provectos’, o redator (que deveria ter usado ‘de’, e não ‘dos provectos’, para não tentar fazer do leitor cúmplice do recadinho, e para poder dispensar a vírgula depois de ‘imprensa’) perdeu uma boa oportunidade de consultar o dicionário. A raiz da palavra é provectus, latim, ‘impelido para adiante’. ‘Entrado em anos’ é uma acepção derivada. Qualquer dicionário dá primeiro a acepção ‘que representa progresso, adiantado’. Caldas Aulete (Lisboa, 1881) escreveu:
‘adeantado, que leva grande deanteira; que tem feito progresso: Provecto nos estudos. (Fig.) Provado, experimentado; consummado, abalizado: Provecto na virtude. Annos provectos ou edade provecta, edade avançada, velhice: É para nós de fé que o benedictino chegado a annos já provectos e desenganado de vaidades… (Latino Coelho.)
O Observatório agradece o reconhecimento.
Se a intenção era ofender, a revista desmente a leitora (Dorli Kamkhagi) que escreveu, para elogiar o especial ‘A melhor idade’, publicado na edição anterior: ‘Podemos perceber quanto a mídia está consciente desse novo caminho que pode ser percorrido pelas pessoas que têm mais de 50 anos’. Está nada, leitora.
No mérito do artigo, Veja ligou o embromator. A revista havia viajado na bizarra idéia de que o ministro da Fazenda mandara seu chefe de gabinete comprar um equipamento de escuta telefônica. Esse foi o foco da crítica de Palocci à revista na coletiva de 21 de agosto. Eis como o assunto é resumido nesta edição, dentro de um quadro intitulado ‘Veja estava certa’:
‘O que Veja informou: Palocci foi avisado pelo Ministério Público de São Paulo da interceptação de um e-mail de Juscelino Dourado, chefe-de-gabinete do ministro, negociando a compra de um aparelho de escuta telefônica a pedido do ‘chefe’
O que disse Palocci: Que Juscelino desmentira à Veja a existência do e-mail, e a revista, ‘inadequadamente e sem propósito’, insistiu em publicar a história
O que se sabe hoje: Palocci admitiu a Veja que conversou com o procurador-geral de Justiça de São Paulo a respeito das investigações que eram feitas sobre seus auxiliares. Na conversa, o procurador qualificou o e-mail como a única peça da investigação potencialmente danosa ao ministro – mas adiantou que falava sem ter visto o documento. Veja atribuiu ao caso, na reportagem, a mesma importância dada pelas duas autoridades.’
Você entendeu, leitor? Eu também não.
Em todo caso, eis a passagem da reportagem de 24 de agosto a que o trecho acima transcrito se refere:
‘Em um e-mail, Juscelino Dourado, atual chefe-de-gabinete de Palocci, pede em nome do ‘chefe’, ajuda de Buratti para comprar um aparelho de espionagem telefônica. O conjunto de provas colhidas pela polícia e pelo Ministério Público é tão poderoso que os promotores do caso [um deles é o procurador-repórter de Ribeirão Preto Sebastião de Oliveira, aquele que saiu no meio do depoimento de Buratti para dar informações à imprensa] já decidiram enviá-las ao Supremo Tribunal Federal, instância do Judiciário responsável pela investigação e pelo julgamento de ministros’.
Onde foi parar o aparelho de espionagem telefônica? Cartas para a redação.
Sinal trocado
Por falar em intervenção de leitores, na segunda-feira após a coletiva de Palocci (22/8) a Veja online fez uma enquete cujo resultado é sugestivo: 57% de cerca de 8 mil internautas opinaram que o ministro havia sido convincente.
O tom em relação a Palocci mudou de uma edição para outra. Na capa da edição de 24 de agosto, o título era ‘Denúncias atingem Palocci – A economia agüenta sem ele?’. Agora, o artigo de Veja termina assim:
‘Pelo imenso serviço prestado na manutenção e no aperfeiçoamento da ordem econômica que o governo do PT recebeu de Fernando Henrique Cardoso, o ministro poderia ter sido poupado de tanto transtorno’.
Já não se trata de sair do governo, mas de enfrentar ‘transtorno’. O que talvez seja um exagero com o sinal trocado. A situação do ministro continua complicada, como se lê na edição de sábado (3/9) no Estado de S. Paulo (‘Palocci registrou imóvel por R$ 57,70’). [Postado às 20h55 de 3/9/2005]