Cobrir a capitalização da Petrobras tem sido um duplo desafio. Além de correr atrás da notícia, o pessoal tem suado para montar esquemas gráficos e explicar o processo montado pelo governo. Não é fácil esmiuçar, por exemplo, a cessão onerosa de cinco bilhões de barris de petróleo da União, a forma de converter em dinheiro essa participação e a relação contábil entre a empresa e o Estado. De modo geral, a imprensa tem conseguido realizar a tarefa. De vez em quando, algum jornal se adianta. A Folha de S.Paulo, por exemplo, informou em manchete a discussão sobre o campo inicialmente escolhido para a cessão à Petrobras. A reserva desse campo – Franco – poderia ser menor que os cinco bilhões de barris.
Foi um belo ponto. Não houve desmentido e o arranjo oficial, anunciado poucos dias depois, envolveu a cessão de seis campos e, além disso, um sétimo, o de Peroba, foi escolhido como reserva e precaução. Os jornais informaram com vários dias de antecedência o preço provável do barril de petróleo: US$ 8,50 ou algo muito próximo. Seria a média aritmética dos valores extremos sugeridos por duas consultorias, uma contratada pela Petrobras (US$ 5), outra pela Agência Nacional do Petróleo (US$ 12).
O valor finalmente informado pelo governo foi US$ 8,51. Esse preço foi apresentado como a média ponderada dos valores estimados para cada um dos seis campos. Foi uma coincidência extraordinária. Escreverá uma das melhores histórias do ano – e certamente uma das mais divertidas – quem contar como foram estimados o potencial de cada campo e o preço do petróleo de cada um e quem orientou o trabalho.
Manobras contábeis
O esquema de transferência dos cinco bilhões de barris foi apresentado oficialmente na quarta-feira (1/9). No dia seguinte a Petrobras anunciou os primeiros detalhes do lançamento de ações. Na sexta-feira (3), só o Valor Econômico deu um bom resumo das novas informações, com a estimativa de captação de cerca de R$ 128 bilhões. Os outros jornais tiveram provavelmente problema de horário e só publicaram no sábado o resumo do prospecto.
O governo tem montado uma complicada arquitetura financeira para levar adiante seus planos sem comprometer, pelo menos de forma ostensiva, a meta fiscal. Os arranjos diretos entre a União e a Petrobras são apenas parte desse esforço. Os esquemas de capitalização da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também são exemplos de criatividade, com transferências de ações de estatais e até de direitos do Tesouro sobre futuros dividendos.
Quatro jornais citaram os fatos, na edição de quarta-feira (1/9). A história mais detalhada foi escrita por Adriana Fernandes e Fabio Graner, do Estado de S.Paulo. Conseguiram descrever os lances contábeis e mostrar como o Tesouro ainda conseguiria melhorar suas contas com uma receita não-tributária.
Dados confusos
Os dois outros grandes assuntos da mesma semana foram a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e a divulgação das contas nacionais do segundo trimestre – e, portanto, do primeiro semestre completo.
O Copom simplesmente manteve os juros básicos em 10,75%, sem surpresa para os analistas econômicos. Porta-vozes do setor privado também reagiram como se previa: reclamaram porque o BC manteve os juros, em vez de cortá-los. Apesar da previsibilidade, os meios de comunicação gastaram o espaço e o tempo habituais com essas declarações.
As contas nacionais, divulgadas na sexta-feira (3/9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram noticiadas em matérias amplas, mas sem novidade no tratamento. As imprecisões também foram as de sempre. O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre foi 8,8% maior que o de igual período do ano passado. Segundo os jornais, o PIB cresceu 8,8% no período de abril a junho e 8,9% no primeiro semestre. Não tem sentido, em casos como esses, o verbo ‘crescer’. Pode-se usar esse verbo quando se trata de períodos consecutivos: no segundo trimestre o PIB cresceu 1,2% em relação ao primeiro e 4,9% em termos anualizados. Da mesma forma, o PIB cresceu 5,1% nos últimos quatro trimestres sobre os quatro imediatamente anteriores.
Também ocorreu, pelo menos em alguns jornais, uma confusão nos dados sobre o investimento. O valor investido no segundo trimestre foi 26,5% maior que o de um ano antes. Houve quem falasse em recorde de investimento. Mas o recorde foi apenas a diferença entre aqueles dois valores. A taxa de investimento (medida em relação ao PIB) foi 17,9% foi maior que a do segundo trimestre de 2009 (15,8%), mas inferior à do mesmo período de 2008 (18,4%).
Cuidar desses detalhes não é preciosismo.
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Jornalista