Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os fundamentos do vale-tudo

Na "Carta ao Leitor" da presente edição da Veja (nº 1.866, de 11/8/04), seu autor (não identificado) elabora interessantes reflexões sobre os recentes vazamentos que tanto assustaram o governo. Pela primeira vez, uma importante publicação brasileira oferece aos leitores e anunciantes uma explicação (ou justificativa) relativa à sua participação num surto denuncista.


Sob o título "Promoção a povo" e referindo-se com inusitada candidez aos "documentos que chegaram às mãos dos repórteres (um deles de Veja)", o autor faz a seguinte constatação:


"(…) Em um mundo ideal, esses documentos sofreriam um exame imparcial, técnico, longe da vista da imprensa, e seriam imprestáveis, portanto, para o aproveitamento político de um ou outro interesse. Não tem sido assim no Brasil (…) É utópico imaginar que daqui para a frente se possa evitar o vazamento, quase sempre ilegal, deste tipo de informação…Uma atitude mais realista é aceitar que denúncias contra servidores públicos, justas ou injustas, são praticamente inevitáveis em sociedades abertas. Quanto mais avançada uma sociedade, mais frágil é a sustentação de uma autoridade envolvida em suspeitas (…)" [ênfases do OI].


Finalmente aparece uma publicação de grande porte com coragem para recusar a cantilena do "jornalismo investigativo". Veja foi inequívoca: não houve reportagem, não houve investigação, mas entrega ilegal de documentos sigilosos. Alguém queria divulgar acusações e a imprensa, esquecendo seus compromissos com a imparcialidade, acolheu-as. Sem investigar, sem fazer qualquer avaliação técnica. Justiça sumária, paredon.


Goela abaixo


O mais importante deste oportuníssimo arrazoado é a admissão de que nossa imprensa abdica de atender os procedimentos ideais, nem está preocupada com a sua legalidade, muito menos com as injustiças que porventura esteja cometendo.


"Quanto mais avançada uma sociedade, mais frágil é a sustentação de autoridades envolvidas em suspeitas", diz a revista. Numa sociedade avançada vale tudo. Mesmo que este vale-tudo venha a converter-se no pretexto para que o governo nos enfie pela goela uma dose intragável de corporativismo peleguista em homenagem aos 50 anos da morte de Getúlio Vargas.