O noticiário sobre a nova queda das bolsas em todo o mundo, na sucessão de reações do mercado aos sinais de fragilidade na economia dos países mais ricos, embute um elemento até então ausente nas análises da crise: segundo a imprensa, os investidores se ressentem da falta de uma liderança que aponte a perspectiva de solução para os problemas que estão na origem de tudo.
Mas há outras questões. Uma notícia publicada no Wall Street Journal na quinta-feira (18/8) ganhou repercussão nos sites da imprensa tradicional e nos boletins de agências que tratam de assuntos financeiros: autoridades americanas estavam analisando minuciosamente os níveis de comprometimento de filiais de bancos europeus nos Estados Unidos, para medir uma possível contaminação.
Por outro lado, a notícia de que os investidores estavam correndo para os títulos públicos americanos faz lembrar que uma das causas imediatas da atual turbulência foi o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela agência Standard & Poor’s, no último 5 de agosto.
Suspeita de vazamento
Nas edições de sexta-feira (19/8), os jornais informam que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação sobre a atuação da Standard & Poor’s antes da crise de 2008, quando foram atribuídas altas notas de avaliação aos créditos imobiliários podres – chamados de subprimes – oferecidos por instituições financeiras americanas.
Como se sabe, a avaliação favorável do nível de risco desse tipo de investimento contribuiu para a expansão da bolha no setor imobiliário dos Estados Unidos, eclodindo na maior crise financeira dos últimos tempos.
A Standard & Poor’s também é investigada pela Security Exchange Comission, correspondente americana à Comissão de Valores Mobiliários brasileira, que trata das regras no mercado de ações e títulos – pelo mesmo motivo.
Além disso, o Congresso dos Estados Unidos apura os fundamentos da decisão da agência de rebaixar a nota máxima do crédito de longo prazo dos Estados Unidos.
Segundo os jornais, já se constatou, por exemplo, que a Standard & Poor’s cometeu um erro de US$ 2 trilhões nas estimativas de aumento dos gastos públicos americanos para os próximos dez anos, uma das justificativas apresentadas para o rebaixamento da nota de risco dos Estados Unidos.
Além disso, há suspeitas de que a avaliação vazou para alguns setores do mercado antes do anúncio oficial.
Essas investigações estão expondo os fundilhos do capitalismo.
Os oráculos da imprensa
A Standard & Poor’s ainda não se pronunciou. No site oficial da agência pode-se assistir a um vídeo em inglês sobre os critérios e premissas utilizados nas avaliações do risco soberano, mas o material não responde aos questionamentos.
Na sexta-feira (19/8), o site destacava duas análises sobre o Brasil. Numa delas, afirmava-se que “a economia forte e o índice de desemprego estável devem moderar o aumento da inadimplência”. Outro relatório avaliava que a “força da economia brasileira mantém ratings de operações estruturadas estáveis no primeiro semestre de 2011”.
Jornalistas e economistas de todo o mundo costumam se valer das informações da agência para fazer suas análises e exercícios de futurologia. A notícia de que a Standard & Poors errou feio na avaliação do risco soberano dos Estados Unidos se soma agora à comprovada incúria, para dizer o mínimo, com que a agência tratou o tresloucado mercado de créditos imobiliários até o segundo semestre de 2008. Há suspeitas de que algumas dessas análises foram influenciadas por interesses de empresas associadas à agência.
No site da McGraw-Hill Companies, grupo que controla a Standard & Poor’s, há uma nota esclarecendo que, mesmo sendo uma subsidiária da empresa, a agência tem um processo de decisão separado, blindado e independente em relação ao resto da companhia. É essa afirmação – que nunca foi contestada pela imprensa – que está sendo investigada pelas autoridades dos Estados Unidos.
As notas de avaliação de risco soberano e as avaliações de desempenho de empresas costumam conduzir rebanhos inteiros de um lado para o outro dos mercados globais. Convém lembrar, por exemplo, como a imprensa brasileira comemorou, como se fosse a conquista de uma Copa do Mundo, quando a S&P concedeu ao Brasil o grau de investimento, no final de abril de 2008.
Analistas financeiros como os que se agrupam na Standard & Poor’s costumam ser vistos como verdadeiros oráculos pelo mercado e, por conseguinte, também pelos jornalistas do setor.
Talvez seja o caso de se refletir quanto a imprensa, ao correr atrás de fontes suspeitas, também ajuda a agravar as crises.