O Observatório da Imprensa abre a temporada 2011 com uma série especial gravada no final de 2010 na Espanha. No primeiro dos quatro episódios, exibido na terça–feira (1/02) pela TV Brasil, Alberto Dines entrevistou um dos mais importantes nomes da imprensa espanhola, o jornalista Juan Luis Cebrián. Fundador e ex–diretor do jornal El País, onde atualmente atua como conselheiro delegado, Cebrián é CEO do Grupo Prisa, que reúne jornais, revistas, canais de rádio e emissoras de televisão. Voltado para educação, informação e entretenimento, o conglomerado de mídia está presente em mais de 20 países nos cinco continentes e chega a cerca de 50 milhões de pessoas.
Escritor de livros de ensaio e de ficção, Cebrián é membro da Real Academia Española. Sua obra mais recente, O Pianista de Bordel, reúne dez crônicas sobre jornalismo, democracia e o impacto das mudanças tecnológicas na sociedade. Cebrián começou a carreira em 1963, quando graduou–se pela Escuela Oficial de Periodismo. Participou da transição entre o jornalismo romântico e o profissional, e da ditadura franquista para a democracia. Foi um dos fundadores do jornal Cuadernos para el diálogo, trabalhou como redator–chefe e subdiretor dos diários Pueblo e Informaciones de Madrid e dirigiu o Serviço de Notícias da Televisão Espanhola. Recebeu diversos prêmios internacionais de jornalismo e homenagens de universidades.
Na abertura do programa, Dines contou que se tornou leitor do jornal El País em 1982, quando cobriu a Copa do Mundo. ‘Passei cinco semanas na Espanha, comprando todo dia o El País. Quando terminou o Mundial, infelizmente ruim para o Brasil, levei no avião as cinco semanas do El País inteiras. Eu achei um jornal perfeito, do futuro, um jornal que todos nós gostaríamos de fazer. Naquela época, chamava–se Diário Independente da Manhã‘, recordou. Dines comentou que o jornal cresceu, hoje é global, mas a qualidade permanece intacta. ‘Era um contrapoder. E hoje, será um poder?’, perguntou.
Poder em transformação
Para Cebrián, a influência da imprensa na sociedade precisa ser revista a partir do crescimento das mídias sociais: ‘Os jornais estão perdendo o poder, em geral, justamente porque têm desaparecido da centralidade da formação da opinião pública. Achamos que nós, políticos e jornalistas, ainda continuamos tendo um enorme poder, uma enorme influência na formação da opinião pública. E sem dúvida temos, mas não tão grande quanto antes. Então, os jornais eram contra o poder, vão continuar sendo. Eram um poder, vão continuar sendo. Mas há outros sistemas que formam a opinião pública. Google e Facebook, formam a opinião pública – ou a deformam’. Sites como estes, na avaliação de Cebrián, são verdadeiros concorrentes da hegemonia dos jornais.
Dines destacou que para um jornal sobreviver, precisa crescer. Nesse processo, acaba perdendo algumas de suas características e, no longo prazo, essa mudança pode afetar de forma negativa a empresa. Cebrián põe em dúvida o futuro dos jornais em papel. ‘Os jornais pertencem à Revolução Industrial, à criação das democracias burguesas. Por isso foram tão importantes, e continuam sendo, para a institucionalização democrática dos países’, disse o CEO do Grupo Prisa. No entanto, em um mercado planetário – onde informações e opiniões de todos os tipos circulam pela rede a toda velocidade – os jornais têm que se adaptar às novas circunstâncias. Características antes vistas como imutáveis pelos jornalistas podem ser sacrificadas em nome da sobrevivência.
No percurso, outras possibilidades podem se abrir para os jornais. ‘El País foi um jornal que nasceu para a fundação da democracia espanhola, no início da transição política, e El País agora é um jornal que tem influência crescente sobre a comunidade hispanofalante da América Latina. Inclusive na comunidade lusofalante, posto que, em Portugal e no Brasil, tem alguma influência sobre as elites e pode continuar servindo aos seus objetivos fundamentais de defesa da democracia e defesa do diálogo como sistema de resolução dos conflitos’, explicou Cebrián.
Uma fama ingrata
Um ditado espanhol, que serviu de inspiração para o título do livro mais recente de Cebrián, mostra como a profissão de jornalista era encarada: ‘Não digam à minha mãe que sou jornalista. Prefiro que continue acreditando que toco piano em um bordel’. O jornalista explicou que a frase tem a ver com a suposição de que a imprensa tem sido ‘muito ruim’. ‘Há algumas definições de jornalistas que destacam isso. Uma definição italiana diz: ‘O que faz um jornalista?’ E a resposta: ‘Trabalhar é pior’. E outra definição aqui da Espanha diz: ‘Chegaram os jornalistas’. ‘Então, que entrem e comam.’ Quero dizer, ocasionalmente temos tido muito má reputação’, resumiu Cebrián. Ele atribuiu parte dessa fama aos ‘poderosos’, uma vez que as denúncias publicadas pela imprensa incomodam.
Financiadora de guerras e expedições, a imprensa do século 19 se converteu em grandes, poderosos e influentes impérios. E em um negócio altamente rentável. ‘Em volta deles, se construíram efetivamente grandes empresas. Isto já desapareceu ou está a ponto de desaparecer. As maiores empresas da comunicação foram montadas há escassos oito ou dez anos. Algumas, nem isso. Algumas, seis ou sete, foram montadas nos dormitórios universitários por jovens de 20 anos, ou nas garagens das famílias de classe média americana. E estas são as empresas que mais se capitalizam neste momento nos mercados internacionais’, sublinhou.
As características mídia mudaram e as empresas tradicionais, tanto as maiores quanto as menores, têm muitas dificuldades de adaptação. ‘É curioso assinalar que nenhuma dessas grandes empresas que estão agora no mundo digital, como Google, Facebook, Amazon, Microsoft ou qualquer outra que queiramos citar, nenhuma procede dos antigos impérios industriais midiáticos. Isto faz com que todo mundo fique muito nervoso, como é óbvio, sobretudo nas empresas mídia. E faz supor que estamos só no início da transformação’, observou. Cebrián acredita as empresas de mídia entraram em uma nova etapa e a forma como esta configuração irá afetar a oferta de emprego, a preparação dos jornalistas e a qualidade da informação ainda é uma incógnita.
Ética na rede
Dines comentou que em uma recente entrevista ao caderno cultural Babelia, do El País, o fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, declara que a sociedade civil está morta. ‘A democracia, fundamentalmente como a conhecemos, como tem durado esses 200 anos, é uma democracia representativa. O povo elege os seus representantes para que eles tomem as decisões em seu nome – e se tomam decisões erradas, são trocados. Com a internet, reaparecem dois sonhos. O sonho da democracia direta – não é certo que a democracia direta seja melhor ou de maior qualidade do que a representativa – e o sonho do anarquista. ‘Posso fazer o que quiser, quando quiser, como quiser, posso dizer o que quiser ao mundo e tenho o mundo inteiro para me escutar’. Todos esses são imagens ou ícones que não correspondem à realidade’ avaliou Cebrián.
O jornalista não acredita no fim da sociedade civil, mas ponderou que os comportamentos tendem a mudar. A suposição de que o mundo será ‘totalmente transparente’ porque tudo pode ser exposto na rede é infundada. ‘É verdade que a internet é uma oportunidade para a maior transparência do político, das empresas, das pessoas, das famílias, mas existem valores fundamentais para a democracia – o direito à intimidade, o direito à privacidade, a propriedade intelectual – que têm que ser respeitados e estão sendo constantemente vulnerados pela atividade na rede’, criticou. O cumprimento dessas garantias através dos sistemas institucionais e legislativos tradicionais é difícil, na avaliação do jornalista.
Para Cebrián, o problema fundamental do futuro do livro, e sobretudo dos jornais, é a rede de distribuição. ‘O professor [Philip] Meyer, que anuncia que em 2043 desaparecerão os jornais, anuncia, na realidade, que em 2043 desaparecerão os leitores de jornais, que ninguém vai querer lê-los porque poderá lê-los na rede, nos tablets, no iPad. Então, se ninguém vai querer lê-los, nem comprá-los, então ninguém os produzirá. A publicidade irá embora antes; a publicidade na imprensa já está sofrendo enormes baixas e é um sistema fundamental para financiar os jornais.’ Com isso, haverá menos dinheiro disponível para contratar jornalistas, para enviar correspondentes. Na ponta final do processo, a qualidade da informação será afetada.
Haverá um novo modelo?
Os modelos tradicionais de sociedade ruíram, na avaliação de Cebrián. ‘Deveríamos perguntar-nos se vai haver modelo, se avançamos a um mundo fragmentado, sem modelos, onde haverá um pensamento único. Google News é o sistema de informação para mais de 60% da população americana. As buscas na Europa são feitas, em mais de 90%, no Google News. Facebook tem 500 milhões de habitantes em seus servidores, habitantes que estão com suas fotos, suas famílias, seus amigos, seus gostos pessoais, seus endereços. É exatamente o dobro da população dos Estados Unidos da América. Então, as comunidades virtuais estão mudando o sistema de relacionamento das pessoas’, explicou. Se a sociedade civil não souber organizar esta nova forma de relacionamento, as empresas que levam a cabo essas comunidades virtuais acabarão organizando.
Na sociedade digital, a censura se faz cada vez mais difícil. ‘Vemos, inclusive, sociedades tão férreas e tão fechadas quanto a iraniana, ou a chinesa, ou a cubana, com dificuldades para lutar contra a livre circulação de ideias e de opiniões na rede’, disse. A autocensura dos jornalistas, na avaliação de Cebrián, é a que mais deve preocupar às grandes empresas de comunicação: ‘Ninguém lhes disse nada, ninguém lhes deu instrução alguma, mas decidem não falar de algo porque supõem de antemão que vai incomodar a empresa, ou prejudicar publicitariamente. Ou não será do agrado do diretor ou do dono da empresa. Ou ainda que vai prejudicar os interesses alheios à empresa’. Esta ‘grave doença’ atinge a maioria das redações ocidentais. ‘É uma censura tremenda porque parte do próprio coração ou das tripas do jornalista. Do próprio pianista que decide não tocar algumas peças porque não lhe parecem adequadas’, lamentou.
Outro ponto tratado na entrevista foi a concentração da mídia. Para Cebrián, esta é uma deformação do capitalismo e o próprio capitalismo gerou soluções para essa situação. ‘As normas anticoncentração ou antitruste são suficientes para regular qualquer tipo de operações no mercado’, disse. O jornalista defende que a imprensa não precisa de leis específicas neste campo: ‘O estabelecimento de normas de concorrência claras, não exclusivas nem precisas para os meios de comunicação, senão para toda a atividade econômica, mas aplicadas aos meios de comunicação, podem ser aplicadas por uma comissão como a FCC [Federal Communications Commission, agência independente dos Estados Unidos]. Ou pode ser aplicada por um tribunal antitruste, como acontece na Inglaterra ou aqui na Espanha’ propôs Cebrián.
Regulação da mídia
Sobre o panorama na América Latina, Cebrián foi pragmático. ‘A realidade é que no Brasil, sobretudo também no México ou na Argentina, há evidências de grupos, senão monopolísticos, oligopolísticos, que condicionam enormemente o poder. E que o poder se queixa deles sempre, mas logo não se sente suficientemente forte para reformar a situação. Além do mais, quando tratam de fazê-lo, essa confrontação com os grupos oligopolísticos costuma ferir os menores e não resolve o problema fundamental.’ Além da adoção de um mecanismo regulador dinâmico, é preciso uma mudança de postura dos governos. ‘Os governos têm também que renunciar à tentação de utilizar essa questão para justificar intervenções abusivas, como de fato tem sido o caso da Argentina, por exemplo, por razões de confrontação política ou porque não lhes agrada a opinião dos veículos’, afirmou.
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Jornalista