Em uma década marcada pela discussão sobre o futuro do jornal em papel, a mídia impressa no Brasil se renova e mostra a vitalidade do meio. Anunciadas com grande destaque, as reformas da Folha de S.Paulo, de O Globo e do O Estado de S.Paulo já podem ser conferidas nas bancas. Em todo o mundo, alterações na apresentação visual e sutis ajustes na linha editorial são uma tradição para renovar os jornais sem perder a identidade de cada publicação. No Brasil, uma das mais emblemáticas foi a empreendida pelo Jornal do Brasil na década de 1950, quando deixou de ser o "jornal das cozinheiras" – por publicar anúncios na primeira página – e tornou-se referência visual para a mídia impressa daquele período. Outra reforma que se tornou referência foi a realizada nos anos 1980 pela Folha de S.Paulo.
Na mais recente reforma, O Estado de S.Paulo mudou de desenho e de conceito: tornou-se um jornal mais denso e passou a oferecer mais conteúdo ao leitor. Além de repaginar o visual, O Globo contratou colunistas e lançou novos cadernos. Neste processo, ainda em andamento, a participação dos leitores foi incorporada ao jornal e as redações do impresso e do online passaram a funcionar em um mesmo ambiente. Todos os cadernos da Folha de S.Paulo foram renovados e as redações também foram integradas. O jornal deverá ficar mais sintético e, ao mesmo tempo, mais analítico. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (25/5) pela TV Brasil discutiu o impacto das mudanças dos três maiores jornais brasileiros.
Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu representantes das três empresas jornalísticas. Em São Paulo, participaram o editor-executivo da Folha de S.Paulo Sérgio Dávila e o diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour. Dávila foi repórter da Revista da Folha, editor da "Ilustrada" e correspondente nos EUA por dez anos. Gandour trabalhou na Folha de S.Paulo, na Editora Globo e no Diário de S.Paulo. É também diretor do comitê de Relações Internacionais da Associação Nacional de Jornais (ANJ). No Rio de Janeiro o convidado foi Ascânio Seleme, diretor-executivo de O Globo. Seleme foi repórter das editorias de Economia, Nacional e Política e coordenador de Nacional na sucursal de Brasília do Globo.
Antes do debate, na coluna "A mídia na semana", Dines comentou fatos recentes de destaque. O primeiro assunto foi a denúncia de que o desembargador Roberto Wider enviou cerca de 180 e-mails falsos em nome do jornalista investigativo Chico Otávio, de O Globo. Outro tema da seção foi a audiência pública que será realizada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) na próxima semana para debater a programação da TV Brasil e das rádios da EBC. O último assunto da coluna foi a doença do historiador inglês Tony Judt [ver íntegra abaixo].
O marketing da mudança
Em editorial, Dines comentou que as mudanças atualmente não são mais discretas. Ao contrário, são radicais, frequentes e amplamente divulgadas. Para Dines, a motivação dos três jornais é a mesma: enfrentar a concorrência com o mundo digital. "Será que os jornais conseguirão enfrentar a web adotando algumas de suas características e maneirismos?", disse. "No meio de tanto confete, o importante é não esquecer que a festa da Folha, como a do Estadão e de O Globo, são dedicadas a um serviço público fundamental para o regime democrático" [íntegra abaixo].
A reportagem produzida pelo programa mostrou as opiniões dos professores de Comunicação Muniz Sodré e Sylvia Moretzsohn. Para Muniz, as atuais reformas são tentativas de salvar o jornal como indústria ante a ameaça das mídias digitais. Sylvia Moretzsohn classificou as mudanças como jogadas de marketing porque as alterações não atingiram o modo de produção da notícia. Os jornais alegam que estão atendendo a uma demanda, mas "não sabem exatamente qual é". Para os professores, a credibilidade do jornal impresso não será substituída pelo jornalismo online. "O jornal tem a credibilidade que tem toda boa testemunha. E é essa boa testemunha que faz a História", disse Muniz. O professor alertou para o fato de que talvez o público que busca notícias na internet não seja tão exigente em relação à verdade.
No debate no estúdio, Dines perguntou a Sérgio Dávila se mudanças frequentes nos jornais afastariam os leitores, causando o efeito contrário da fidelização buscada pelas empresas. O editor-executivo da Folha explicou que a mudança foi planejada e discutida na Redação. Durante todo o processo, estiveram conscientes de que o leitor de jornais impressos é fiel e ligado ao veículo, diferentemente da maioria dos consumidores das mídias digitais. Por isso, os princípios editoriais da Folha foram mantidos. Dávila contou que após o novo jornal chegar às bancas, foi realizada uma pesquisa que constatou que 87% dos leitores aprovaram as mudanças. Para o editor da Folha, o público é fiel, mas aceita mudanças quando estas são bem feitas.
Jornalismo de qualidade
Dines relembrou que no dia da estreia do novo visual da Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo publicou uma contundente denúncia sobre a "indústria sindical" e perguntou a Ricardo Gandour se as mudanças não deveriam se pautar pela busca do bom jornalismo – investigativo e com continuidade – ao invés de travar essa batalha por meio do marketing. "Se eu tivesse que escolher apenas uma das coisas eu escolheria um conteúdo de qualidade", disse Gandour. O jornalista ponderou que é preciso manter os recursos de edição atualizados para dotar os editores dos melhores produtos para a apresentação do conteúdo. "O astro principal será sempre a notícia, será sempre a reportagem", explicou.
O Globo, ao contrário dos outros dois jornais, realizou uma grande e impactante reforma há 15 anos e ao longo do tempo promove ajustes discretos e de forma contínua. Ascânio Seleme comentou que esses ajustes são realizados para que a reforma esteja sempre atualizada. Desde o lançamento, o projeto já contemplava o conceito de fotografias abertas e textos grandes, o que marca o diferencial em relação às mídias online. "A gente não quer parecer com internet. A gente é jornal e quer ter cara de jornal", sublinhou. Seleme explicou que O Globo não apresentará "surpresas" ou novidades na condução das reformas. Manterá o mesmo ritmo.
Sérgio Dávila explicou que a reforma planejada pela Folha não pretende combater a internet porque o jornal em papel e a versão online são meios complementares e não excludentes. Dávila destacou que o conteúdo deve ter qualidade, independente do suporte que o leitor escolher. O jornal precisa oferecer informações exclusivas, ser bem escrito e apurar os dados corretamente. Vai ganhar o meio de comunicação que conseguir manter o leitor no mesmo ambiente e desfrutando deste conteúdo. "O que encarar esses meios como contraditórios, ou em oposição um ao outro, vai acabar perdendo no longo prazo", avaliou Dávila. Com a unificação das redações e a maior interação entre as plataformas, a Folha pretende aumentar a base de leitores nos dois suportes.
Cada meio com sua vocação
Dines comentou com Ricardo Gandour que o "novo Estado" foi executado respeitando os cânones deste jornal. Para Gandour, não se deve "renegar atributos e virtudes" do jornal em papel. O diretor de Conteúdo do Grupo Estado explicou que a empresa tem procurado lidar com as duas mídias de forma cautelosa. A direção busca propiciar aos leitores "a melhor experiência" tanto no jornal impresso quanto nas mídias digitais – e estimula que cada plataforma explore ao máximo a sua vocação intrínseca.
Outro ponto levantado por Dines foi a tradição das páginas 2 e 3 da Folha de S.Paulo. Desde os anos 1970, esses espaços estão reservados para a opinião do jornal e da sociedade. Sérgio Dávila comentou que o bom jornalismo não muda, mas se renova. Um fato que comprova esta tese é a contratação de um cartunista de apenas 14 anos, que terá um espaço aos domingos na página 2. "Mesmo neste espaço há lugar para a renovação, desde que você não abandone o princípio do bom jornalismo, do jornalismo de opinião bem fundamentada que caracteriza estas duas páginas", disse.
Para o editor-executivo da Folha, as mudanças mostram a vitalidade dos jornais, o que é um dado positivo. "O jornalismo brasileiro está em um bom momento agora. Temos um ano de Copa do Mundo e eleição, que são dois assuntos que necessariamente vão render muita notícia. Temos os três principais jornais se renovando, cada um à sua maneira, mas mudando e mostrando uma inquietação, e temos uma imprensa saudável financeiramente. A publicidade deve crescer 19%. A circulação sobe no Brasil, diferentemente de nos Estados Unidos, por exemplo. Eu acho que é um momento feliz da imprensa brasileira", avaliou.
Limites para a mudança
Ricardo Gandour disse que deve fazer parte do planejamento de qualquer publicação a ambição de crescer no meio físico ou digital, mas é preciso "administrar as concessões" e não perder de vista o papel de conversão do jornal. "Eu não posso querer entregar ao leitor todas as comodidades que ele imagina. Eu também preciso acreditar em alguma densidade, em alguma capacidade que a publicação tenha de mostrar assuntos com mais detalhes", ponderou. Para ele, os princípios jornalísticos do jornal em papel devem ser mantidos em outras mídias.
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Reformas na imprensa
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 547, exibido em 25/5/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Já houve um tempo em que as modificações nos jornais eram clandestinas, imperceptíveis. Quanto menos visíveis, mais bem sucedidas eram consideradas. Hoje os veículos impressos, especialmente os jornais, fazem mudanças freqüentes, ostensivas, radicais e ainda aproveitam para badalar a sua capacidade de mudar.
O primeiro a submeter-se a uma completa transformação foi o Estadão, em março passado. No último domingo (23/5), em grande estilo, foi a vez da Folha exibir os seus novos atributos. No meio, entre um e outro, O Globo adotou uma estratégia diferenciada: está mudando devagar, em doses homeopáticas.
Nos três casos, a mesma motivação: mostrar que a imprensa, o jornalismo impresso, está vivo, ativo e apto a enfrentar a poderosa concorrência da mídia digital.
As primeiras perguntas que ocorrem têm a ver com a causadora deste rebuliço: a internet. Será que os jornais conseguirão enfrentar a web adotando algumas de suas características e maneirismos? Os 400 anos de existência do meio jornal não valem como prova de vitalidade e resistência às mudanças tecnológicas?
No meio de tanto confete, o importante é não esquecer que a festa da Folha, como a do Estadão e do Globo são dedicadas a um serviço público fundamental para o regime democrático.
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A mídia na semana
** Um desembargador inventou uma modalidade tecnológica para intimidar jornalistas. Roberto Wider, afastado da corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio, contratou um técnico de informática para despachar 180 e-mails falsos aos demais desembargadores e assim comprometer o repórter Chico Otávio, de O Globo, como represália pelas denúncias sobre venda de sentenças que levaram ao seu afastamento. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal e será levado ao Superior Tribunal de Justiça. As entidades jornalísticas empresariais e profissionais uniram-se no protesto.
** O brilhante historiador inglês Tony Judt, de 62 anos, está enfrentando galhardamente uma difícil batalha contra uma doença degenerativa mas a mídia está ao seu lado. Paralisado, incapaz até de respirar sem aparelhos, Judt mantém a sua prodigiosa capacidade intelectual e passa o dia ditando suas memórias que estão sendo publicadas em revistas e suplementos culturais. Um comovente confronto entre a inteligência e a enfermidade, quase em tempo real, jamais visto.
** Pela primeira vez emissoras públicas vão submeter a sua programação à opinião da sociedade. Na terça, 1º de junho, no Rio, o Conselho Curador da EBC vai ouvir os telespectadores e ouvintes da TV Brasil e das rádios MEC e Nacional para saber o que pensam. A participação nesta audiência é livre. Basta inscrever-se no email conselho.curador@ebc.com.br