Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os mais vendidos

De como Sabino manipulou a revista para se promover


Ao longo dos últimos anos, duas vertentes determinaram o aprofundamento da deformação editorial da revista Veja. No comando, Eurípedes Alcântara e suas coberturas estranhas; nas entranhas, Mário Sabino, incumbindo de coordenar a brigada dos ‘assassinos de reputação’.


Eurípedes é o homem dos altos contatos, altamente agressivo, porém sabendo disfarçar. Seus braços na revista são Lauro Jardim e Diogo Mainardi.


Já Sabino é o truculento, uma espécie de cão de guarda feroz, sem escrúpulos nos ataques a terceiros, praticando cotidianamente o ritual da maldade, com uma agressividade quase pornográfica que se propaga por seus três alter egos: Sérgio Martins, Jerônimo Teixeira e Reinaldo Azevedo.


Guarde por ora essas informações e nomes, enquanto tentamos entender melhor o desastre que foi o fenômeno Sabino para a Veja.


O caráter jornalístico


Há duas características do jornalismo que ajudam a legitimá-lo. Primeiro, investir contra qualquer ameaça de superpoder. Quando quer fuzilar algum personagem público, um dos expedientes mais utilizados pela mídia é superestimar o poder do alvo. Nas sociedades democráticas, a criação do superpoder (ou do mito) é suficiente para mobilizar a opinião pública contra ele.


Uma derivada do princípio anterior é a denúncia de qualquer forma de utilização indevida dos poderes conferidos. É por isso que denúncias sobre pequenas mordomias ecoam quase tanto quanto aquelas sobre grandes escândalos.


Obviamente, quem denuncia não pode incorrer nesses vícios. 


No entanto, esses dois princípios fundamentais foram atropelados de forma impiedosa por Sabino, como se verá a seguir


O mais vendido


A seção ‘Mais Vendidos’ é uma instituição da Veja. Criada nos anos 70, se tornou o principal referencial de vendas de livros no país. Aparecendo na lista, aumentam as encomendas do livro, e as livrarias passam a colocá-lo em lugar de destaque em vitrines e estantes. Há um ganho efetivo – intelectual e financeiro – em aparecer na relação.


Um dos textos mais agressivos de Veja foi o comentário ‘O mais vendido’, referindo-se ao jornalista Leonardo Attuch. Veja ainda estava na fase dos ataques a Dantas – que precedeu o grande pacto.


Attuch escreveu o livro A CPI que abalou o Brasil. O livro entrou para a lista dos mais vendidos. Depois, descobriu-se que a Editora Siciliano, que lançara o livro, havia inflado os dados de venda incluindo livros em consignação.


A resposta de Veja, ao estilo Sabino (embora internamente se atribua o texto a Eurípedes) foi de uma virulência desproporcional (clique aqui para ler a íntegra):




‘O mais vendido


Investigado pela Polícia Federal por atividades ilícitas, o negociante de notícias Leonardo Attuch está envolvido em uma nova fraude.’ 


Depois de qualificar Attuch como ‘quadrilheiro’ e ‘vendido’, o quarteto de Veja se aproximou dele, compondo a grande frente em defesa de Dantas na mídia. Mas isso é tema para outro capítulo.


Continuemos com os ‘Mais Vendidos’.


No dia 10 de março de 2004, o romance de estréia de Mário Sabino – O dia em que matei meu pai – foi resenhado na Veja (clique aqui). A resenha foi de responsabilidade do jornalista Carlos Graieb, repórter da revista e subordinado a Sabino. Era algo impensável, vetado por qualquer código de ética escrito ou tácito, que um subordinado fosse incumbido de resenhar um livro do chefe.


Os elogios eram derramados:




‘Dois tipos de sedução aguardam o leitor de O Dia em que Matei Meu Pai (Record; 221 páginas; 25,90 reais). Primeiro, a sedução do bom texto literário, à qual ele pode se entregar sem medo. O romance de estréia do jornalista Mario Sabino, editor executivo de VEJA, é daqueles que se devoram rápido, de preferência de uma vez só, porque a história é envolvente e a linguagem, cristalina. Sabino possui atributos fundamentais para um ficcionista, como o poder de criar imagens precisas: em seu texto, ao ser atingido pelas costas um personagem não apenas se curva antes de desabar; ele se curva como se fosse `para amarrar os sapatos´.’ 


A resenha destaca a passagem mais marcante do livro, um diálogo do personagem com o psicanalista, à altura de uma cena hamletiana:




‘A certa altura, ele grita para sua analista: `Não quero saber de interpretações. Faça-as longe de mim, e sem a minha colaboração. De que elas servem, meu Deus? Você, aqui, não passa de coadjuvante, está entendendo? Por isso, não tente ser protagonista por meio de suas interpretações´’. 


Escrita a resenha, foi encaminhada ao editor responsável pela liberação: o próprio Sabino. Ele conferiu o título, aprovou a foto em que aparece com o ar circunspecto dos grandes autores atormentados, e mandou para a gráfica.


No dia 31 de março de 2004, três semanas após o panegírico, a relação dos livros mais vendidos na categoria ‘Ficção’ era a seguinte: 




1º – Perdas e Ganhos, de Lya Lufti


2º – Pensar é transigir, de Lya Lufti


3º – Budapeste, de Chico Buarque


4º – As Filhas da Princesa, de Jean Sasson


5º – Quinze Minutos, de Paulo Coelho


6º – O Beijo da Morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee


7º – Harry Potter e a Ordem do Fênix, de J.K. Howlling


8º – O Rei das Fraudes, de John Grisban


9º – Sobre meninos e lobos, de Dennis Lehane


10º – Paixões Obscuras, de Nora Robers.


O livro de Sabino não aparecia.


Na edição seguinte, de 7 de abril de 2004, a seção dos ‘Mais Vendidos’ anunciava uma mudança nos critérios de classificação dos livros. 




‘Da categoria de ficção farão parte apenas romances e coletâneas de contos. Da categoria de não-ficção constarão ensaios e biografias, mas também livros de crônicas, cuja referência principal se encontra no noticiário e no registro de uma realidade mais imediata’ Isso acontecerá ainda que o cronista lance mão de recursos ficcionais’


Não fazia sentido. Há um padrão consagrado nas listas e nas premiações e de mais vendidos, de considerar crônicas como ficção. Segundo o leitor Saulo Maciel, que percebeu essa manobra:




‘Um livro de Luis Fernando Verissimo – 100% ficcional –, depois de dois anos na categoria Ficção, passava a ser considerado Não-Ficção, embora o próprio sítio internet de sua editora, a Objetiva, o incluísse na página Ficção. (Recentemente os livros de Verissimo voltaram a figurar, sem explicação aparente, na categoria Ficção). A revista também não explicava por que quatro livrarias haviam sido excluídas da lista de estabelecimentos consultados. (Basta conferir com a edição anterior).’


Quatro livros da categoria ‘Ficção’ foram transferidos para a ‘Não Ficção’: os dois da campeã Lya Luft, As filhas da princesa, e um de Luiz Fernando Veríssimo.


Essas mudanças permitiram ao livro de Sabino entrar em 10º lugar na lista, na categoria ‘Ficção’ (clique aqui). 


Geralmente o livro entra na relação dos mais vendidos na semana do lançamento, ainda mais após a exposição recebida de Veja. O de Sabino entrava na terceira semana, à custa de mudança de critérios e da exclusão de livrarias pesquisadas.


Mesmo com as alterações nos critérios, o livro não resistiu e sumiu da lista na semana seguinte. Depois, sem muito alarde, voltaram os critérios originais dos ‘Mais Vendidos’.


Pouco tempo depois, Graieb foi promovido.


As mordomias do cargo 


Não ficou apenas nisso. Valendo-se do prestígio conferido pelo cargo, Sabino estabeleceu contatos pessoais para ‘emplacar’ o livro. Marcou almoço com Otavio Frias Filho, da Folha. Em 1986, Sabino havia sido demitido do jornal por ser considerado muito parcial na edição da página de livros da Ilustrada: defendia seus amigos e atacava os inimigos. Atacou, por exemplo, o escritor Marcos Rey, chamando-o de ‘sapo’. Como se ele, Sabino, tivesse a fina estampa de um príncipe.


No dia 10 de dezembro de 2003, Sabino fez questão de assinar resenha consagradora do livro lançado por Otavio. Logo após o almoço, Sabino obteve uma resenha elogiosa da Folha.


Na Época recorreu a seu então amigo Luiz Antonio Giron – que, depois, seria alvo de uma tentativa de ‘assassinato de reputação’ no caso dos IPods de Maria Rita -, ganhando mais uma resenha elogiosa.


O uso do cargo em proveito próprio não ficou só nisso.


O caso Record 


De 2003 a 2007, Mário Sabino foi namorado da diretora editorial da Record, Luciana Villas-Boas. Houve troca de favores, na época, que provocou ressentimento tanto nas editoras concorrentes como das seções de lançamento de livros de outras publicações.


Entusiasmada com o talento nascente do namorado, durante a Bienal do Livro em São Paulo de 2004 Luciana mandou espalhar outdoors por toda a cidade, vendendo Sabino como a grande descoberta do novo romance brasileiro.


Mesmo assim, tirando resenhas de amigos e subalternos, a repercussão foi quase nula.


Mas, a partir dessa relação, a seção de Livros de Veja passou a dar um tratamento diferenciado para a Record – e a Record a dar com exclusividade, para Veja, o anúncio de seus lançamentos mais relevantes. Se a Abril quiser aprofundar, bastará consultar as editoras concorrentes.


A Record se indispôs com todos os demais veículos, ao privilegiar Veja no lançamento de alguns títulos – caso de Memória de minhas putas tristes, de Gabriel García Márquez, que saiu com chamada na capa de Veja, e livros de Lya Luft, com várias exclusividades para a revista. E Veja se indispôs com outras editoras, pelo favorecimento explícito à Record.


Sabino ia conseguindo pavimentar seu prestígio pessoal, à custa desse duplo desgaste.


A situação tornou-se tão escandalosa que vários chefes de revistas concorrentes foram tomar satisfações com Luciana.


Mesmo assim, seguiu-se um jogo de troca de favores poucas vezes visto no jornalismo cultural brasileiro. Sabino assinava uma resenha positiva sobre Miguel Sanchez Neto. Grato, Miguel incluía um conto de Sabino na coletânea Contos para ler. O volume era publicado por Luciana Villas-Boas, que conseguia nota bajulatória em Veja.


Mas não se ficou nisso.


Como conta um jornalista do setor, o esquema de divulgação da editora Record segue uma velocidade de McDonald´s. Ela lança um livro por dia, e não dá atenção aos autores por muito tempo. Mas Sabino mereceu tratamento vip: além dos outdoors, seus livros passaram a ser oferecidos no exterior, graças ao empenho pessoal de Luciana e à enorme influência da Record, maior editora brasileira.


O segundo livro de Sabino, O antinarciso foi resenhado pelo escritor e médico gaúcho Moacir Scliar.


Na edição de 11 de maio de 2005, o romance Na noite do ventre, o diamante, de Scliar, mereceu resenha elogiosa de Jerônimo Teixeira (clique aqui), subordinado de Sabino.


Duas edições depois, em 25 de maio de 2005, Scliar resenhou o livro de contos de Sabino (clique aqui). Não havia nenhuma possibilidade de uma resenha negativa.


No fecho da resenha, Scliar chamava a atenção para o título O antinarciso, que não sai de nenhum dos contos: 




‘A esse narcisismo cego, que barra as possibilidades afetivas dos personagens, é que se contrapõe o olhar atento do autor antinarciso. E também se opõe à tentação que assalta muitos escritores contemporâneos – de girar em torno ao próprio umbigo, de fazer do pronome `eu´ a palavra mais importante da literatura. Os contos de Mario Sabino mostram que a subjetividade só tem sentido quando está a serviço do entendimento, quando funciona como um sensível sismógrafo capaz de captar as vibrações da alma’. 


O compadrio na literatura


O ‘compadrio’ no meio editorial é conhecido. No início daquele ano, um jornalista cultural anotou o seguinte sobre as ‘orelhas’ de livros:




‘Longe de serem acessórios dispensáveis a um bom livro, introduções ou orelhas assinadas são com freqüência moeda de troca do compadrio literário. O autor do elogio confirma seu prestígio cultural e ainda ganha um troco das editoras. O escritor elogiado recebe um empurrãozinho na carreira. Só perde o leitor ingênuo, que acredita no aval dos medalhões literários’.


A matéria ‘Pagos para elogiar’ era da própria Veja, em 26 de janeiro de 2005, assinada por Jerônimo Teixeira (clique aqui). Era maldosa, ao estilo Veja, escrita especificamente para atingir Luiz Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony. 


Mencionava genericamente pagamentos por ‘orelhas’, depois levantava algumas ‘orelhas’ assinadas por Luiz Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony – adversários ideológicos. Não havia uma prova sequer que teriam ‘vendido’ os comentários – ao contrários dos resenhistas de Veja, que eram remunerados quando teceram loas a Sabino.


Mas, dentro do estilo malicioso da revista, ficava a insinuação.


A matéria valia pela lição de Veríssimo, sobre a arte de elogiar um trabalho que não entusiasma:




‘A única arte, ou dificuldade, é escrever algo favorável sobre um trabalho que não entusiasma sem parecer condescendente ou falso. Em geral, isso é feito para ajudar alguém que está começando.’ 


Grande escritor, na resenha de O antinarciso Scliar deu uma demonstração soberba de como escrever algo favorável de um livro que não o entusiasmou, como a ‘orelha’ escrita para um amigo iniciante: 




‘Com uma apurada economia de linguagem, seus textos mergulham, em sua própria expressão, no `buraco negro´ em que cada personagem esconde não só sua miséria, mas também sua grandeza.’


(…) ‘Em alguns casos, a narrativa se resume a um diálogo, forma que o autor maneja com agilidade e objetividade – basta ver `Miserere´, surpreendente conversa entre um ser que se julga culpado e um interlocutor que detém um poder infinito’.


(…) ‘Em `Da Amizade Masculina, a ligação entre dois colegas de uma faculdade de filosofia serve para um exame da natureza do relacionamento entre homens’


(…) ‘A esse narcisismo cego, que barra as possibilidades afetivas dos personagens, é que se contrapõe o olhar atento do autor antinarciso’ .


(…) ‘Os contos de Mario Sabino mostram que a subjetividade só tem sentido quando está a serviço do entendimento, quando funciona como um sensível sismógrafo capaz de captar as vibrações da alma’.


O antinarciso 


O levantamento das mudanças na lista dos ‘Mais Vendidos’ foi publicado por Saulo Maciel em dezembro de 2005, no Observatório da Imprensa (ver ‘Sutilezas do ranking‘,). Passou despercebido.


Semanas atrás, quando republiquei seu artigo no meu blog, Sabino decidiu se valer de Reinaldo Azevedo – blogueiro do portal da Veja, contratado e comandado por ele.


Subordinado a Sabino, Azevedo resolveu ‘espontaneamente’ solicitar-lhe um artigo, para que pudesse falar de seu próprio valor literário.


O ‘pedido’ de Azevedo é um marco do jornalismo bajulatório; a resposta de Sabino um marco do jornalismo autolaudatório. Juntando as duas partes, se terá o quadro mais expressivo, até agora, das deformações que passaram a fazer parte do ambiente interno da revista, refletindo-se inevitavelmente em seu conteúdo.


De Reinaldo Azevedo:




‘Vejam só: sou um pouco mais briguento do que algumas pessoas com as quais convivo. Por mais que certos ataques sejam de impressionante vileza, de uma estupidez ímpar, acabam ganhando a rede e são usados como instrumento de luta pela Al Qaeda eletrônica. E precisam ter uma resposta. Uma resposta dada às pessoas de bem, não aos terroristas. Mario Sabino, redator-chefe da Veja, tem sido alvo de uma impressionante baixaria. Por isso, eu o convidei a escrever um texto para o blog. E pedi: `Gostaria que fosse um testemunho, na primeira pessoa mesmo´. Acabamos combinando que ele me mandaria um e-mail, que eu publicaria se achasse conveniente.


Trata-se de um jornalista brilhante – nem quem eventualmente o detesta lhe nega isso – e de um escritor formidável, além de bem-sucedido. Certos círculos têm horror à competência.’ 


Estava falando do próprio chefe. Mas como um bom seguro não faz mal a ninguém, do nada Azevedo estendia seus elogios ao diretor de redação da Folha, Otavio Frias Filho:




‘Em 2003, resenhei, por exemplo, ainda na revista Primeira Leitura, o excelente livro Queda livre, de Otavio Frias Filho. Gostei tanto da resenha, que a publiquei em Contra o consenso, uma antologia de artigos meus. Aponto ali que os livros de Otavio costumam ter uma recepção fria da crítica por ele `ser quem é, não por escrever como escreve´. Explico-me: ofende certa mentalidade escrava o fato de o diretor de redação (e dono) da Folha ser também um dos melhores textos do país.


Ah, não. Não estava procurando emprego. Se estivesse, acho que Otavio não me contrataria se o preço fosse uma resenha favorável (…) Um petralha vagabundo (pleonasmo) enviou-me um comentário: `Aí, hein?, puxou o saco do Otavio no seu livro, mas ele acham você um lixo, ka, ka, ka’ (esse ‘ka, ka, ka’ é como estranhamente representa graficamente o que suponho ser sua risada).


Vou fazer o quê? Descobrir defeitos no texto de Otavio porque um articulista seu decide me atacar de modo boçal, rasteiro? Arrepender-me? Ah, não! Esse não sou eu. O mundo em que vivo é feito de outras qualidades. Que eu saiba, Otavio prepara um novo livro, que aguardo com muito boa expectativa.’


Tudo isso no site da Veja, como parte do seu conteúdo editorial.


Sobre esses círculos de adulação, capaz de chocar qualquer pessoa com um mínimo de caráter, escreverei em outro capítulo.


Interessa, neste momento, a resposta de Sabino, o autor de O antinarciso, o escritor que, segundo Scliar, se opunha ‘à tentação que assalta muitos escritores contemporâneos – de girar em torno ao próprio umbigo, de fazer do pronome `eu´ a palavra mais importante da literatura’.




‘Reinaldo, caro,


Com o risco de parecer cabotino, o fato é que sou um autor bem-sucedido. Tenho dois livros publicados, o romance O dia em que matei meu pai, de 2004, e um de contos, O antinarciso, de 2005. Antes de lançar o romance, mostrei-o a Raduan Nassar, que deu duas sugestões – acatadas – e me fez elogios. Disse que eu era um narrador `brilhante´, adjetivo do qual, vindo de quem veio, muito me orgulho. Poucas pessoas têm conhecimento disso. Só o revelo agora por causa dos insultos que ando recebendo. O livro vendeu, no Brasil, cerca de 4 500 exemplares, uma marca, como você sabe, acima da média nacional. Não precisei mendigar críticas positivas, ao contrário do que espalham os inimigos de Veja. Ele foi elogiado na Folha, no Estado, no Globo, na Bravo! e outras publicações especializadas, como o jornal Rascunho, de Curitiba. Até a revista Época, concorrente de Veja, brindou-me com uma resenha elogiosa, escrita por Luís Antonio Giron.’ 


Até hoje Giron lamenta seu momento de simpatia. Sobre o fato do livro ter sido resenhado por um subordinado que, na seqüência, foi promovido, a explicação de Sabino era de um simplismo atroz:




‘O livro recebeu uma bela resenha em Veja, escrita por Carlos Graieb, um profissional honrado, tradutor de Emerson e ex-editor de Opinião do Estadão. O livro foi passado a Graieb pelo diretor de redação, Euripedes Alcântara. O que sei é que Carlos Graieb leu e gostou. Ele foi promovido depois? Foi, mas não por causa da resenha positiva, como afirmou um detrator da revista. A promoção já estava acertada muito antes de eu publicar o meu livro. Seu desempenho extraordinário como editor de Artes e Espetáculos justificou a ascensão. Veja chegou ao posto de quarta revista semanal do mundo porque, em sua redação, vigora a meritocracia, não o compadrio.’ 


Prosseguia o inacreditável libelo do ‘antinarciso’, explicando o sucesso do seu romance:




‘O romance está fazendo uma carreira internacional, se me permite o adjetivo, estupenda. Já foi publicado em Portugal e Itália.’ 


O antinarciso fez carreira mais modesta. Culpa de quem? Dos petistas. 




O antinarciso foi finalista, ainda, do Prêmio Portugal Telecom em 2006. Apesar de chegar à final, houve boicote dos jurados. Como sei? Um deles, do qual declino o nome por razões óbvias, contou à editora Record que boa parte dos jurados, petistas ou simpatizantes havia concluído que `para alguém da direita, o Sabino já havia ido longe demais. Um editor da Veja não pode ganhar o prêmio´. Obviamente, não compareci à entrega. Sou péssimo ator. Tudo bem, não ligo para o boicote, mas é um desaforo me acusarem de manipulador. Quem manipula são eles.’ 


Se entrar no site da Amazon e clicar ‘Luis Nassif’ aparecerão o CD ‘Roda de Choro’, relançado alguns anos atrás, e meus livros O menino de São Benedito e Os cabeças de planilha. Não ousaria dizer que nenhum deles foi sucesso internacional, nem mesmo nacional, apesar do primeiro ter sido finalista da categoria Conto/Crônica, do Prêmio Jabuti. Hoje em dia, provavelmente está fora de catálogo. Mas continua aparecendo na Amazon.


Se clicar o nome de Mario Sabino, aparecerão três menções: uma ópera de Verdi (que nada tem a ver com ele), uma pornochanchada (presumo que não), e seu livro O antinarciso, edição brasileira. Nenhuma obra em outra língua.


Sobre a manipulação da lista de Veja, Sabino envereda em um contorcionismo extravagante:


‘Quanto aos livros que, naquele momento, passaram a ser considerados `não-ficção´, qualquer pessoa alfabetizada que os abrir verificará que fizemos o certo. Aliás, é comum que as livrarias forneçam à imprensa listas em que trocam os livros de categoria, como sabem os profissionais encarregados de fazer as tabulações nos jornais e nas revistas. Esses ajustes, pelo menos em Veja, são freqüentes. Se não me engano, meu romance, na ocasião em que foi lançado, vendeu, na primeira e segunda semanas, 300 e 250 livros, respectivamente. Foi o bastante para pegar o último lugar na lista de ficção, numa única semana. Convenhamos que, como manipulador, sou um desastre.’


Foi um desastre como venda. A manipulação ocorreu, ocorreram os favores de amigos, o acordo com a Record que garantiu campanha de outodoor nas ruas. E nem assim o livro emplacou.


Duas coisas chamavam a atenção. Uma, a falta de limites em colocar seu cargo a serviço de seus interesses pessoais, inclusive comprometendo uma das instituições de Veja, a lista dos ‘Mais Vendidos’. Mas isso é problema de Roberto Civita.


A segunda, o fato de Sabino julgar que o nível raso de seus argumentos poderia convencer qualquer leitor medianamente informado, de que não houve manipulação. Como explicar esse nível primário de argumentação, partindo de um ‘jornalista brilhante – nem quem eventualmente o detesta lhe nega isso’, nos dizeres de seu subordinado, Azevedo?


Tudo isso passou incólume no jornalismo impresso por que, a esta altura, a imprensa estava controlada por um fenômeno que, na França, foi batizado de ‘os novos cães de guarda’: a montagem de grupos de autopromoção, com um exercício tão ostensivo de agressividade gratuita (contra os de fora) e de lisonja (para os poderosos), de autopromoção escandalosa, que era impossível passar despercebido dos formadores de opinião.


Esse processo de compadrio, de colocar a revista a serviço da promoção pessoal, trouxe mais desgaste à Veja do que as coberturas estranhas de negócios empresariais. Mas será assunto para o próximo capítulo.

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Jornalista