Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Os repórteres estão fazendo a sua parte?

Ajudar os leitores a refletir deveria ser, nesses tempos de informação instantânea, uma preocupação diária da imprensa. Ir além da informação – ou desinformação – oficial deveria ser o começo de qualquer reunião de pauta na hora de selecionar os assuntos do dia. Buscar caminhos para dar aos leitores aquele algo a mais que nem a TV nem a internet fornecem seria o caminho natural para vencer a competição pelos leitores. Como disse Gay Talese, em entrevista a Veja (14/06/2009): ‘Com as novas tecnologias, e sobretudo com a criação da internet, o público hoje é informado de modo mais estreito, mais direcionado. Na internet, os jovens se informam de modo mais objetivo, no mau sentido. Quem lê um jornal impresso lê histórias que não procurou e, por isso, acaba adquirindo um sentido mais amplo do mundo.’

Um bom exemplo de histórias não procuradas está no Estado de S. Paulo de domingo (14/06/2009). Não foi trabalho de repórteres, mas, pelo menos, um bom trabalho de pauta, ao reunir numa página dois casos de adoção. Nos artigos, escritos por duas especialistas, o jornal mostra os dois lados de uma moeda: o caso Sean, em que o pai luta para reaver o convívio com seu filho biológico, e o caso da menina devolvida pelos pais adotivos – sem motivo aparente –, que desistiram dela depois de um período de convívio.

‘Não há estatísticas oficiais’

Claro que o caso do menino americano trazido para o Brasil pela mãe motiva mais a mídia. Como diz Débora Diniz, autora do artigo: ‘O que seria apenas mais um enredo sem final feliz de casamentos interculturais em um mundo globalizado converteu-se em um caso internacional que provoca as ambições jurídicas sobre como se devem regular relações familiares, afetivas e de filiação.’ Um caso (trazido a público pela revista piauí) que só virou notícia nos jornais – com ares de novela a cada nova decisão da justiça – depois que o governo americano pediu ao presidente Lula a devolução da criança.

Já o caso da menina devolvida pelos pais adotivos parecia condenado ao esquecimento. O caso só virou notícia porque houve uma decisão judicial – inédita – condenando os pais a pagarem uma indenização à menina. Os jornais divulgaram e o caso foi esquecido. O artigo de Lídia Weber, no Estadão de domingo, no entanto, pode servir de pauta para repórteres em busca de matérias que vão além dos dados oficiais, se prestarem atenção em alguns dados divulgados pela psicóloga, professora e pesquisadora da UFPR:

‘Apesar da adoção ser legalmente irreversível, esse tipo de `devolução´ não é incomum no Brasil e ocorre durante a guarda provisória ou após a adoção ter sido concretizada’;

‘No Brasil, milhares de crianças vivem em instituições e dezenas de recém-nascidos são abandonados em lugares públicos e não há sequer estatísticas oficiais para saber os números corretos. A implementação do Cadastro Nacional de Adoção, há cerca de um ano, mostra pouca eficácia, ausência de recursos e treinamento e passou a esconder ainda mais as crianças que vivem em abrigos, pois somente são colocadas no cadastro aquelas cujos pais forem destituídos do poder familiar, que não passam de 10% das crianças abrigadas.’

Faltam as perguntas essenciais

Uma das considerações finais poderia, inclusive, fazer parte do artigo sobre o menino americano: ‘Filhos, genéticos ou por adoção, não estão no mundo para atender às necessidades dos pais, não são cópias nem massa de modelar, não devem servir nem como expiação à culpa nem como instrumentos de caridade. Filhos são seres únicos cujos pais assumiram o compromisso de guiar, socializar e auxiliar o seu desenvolvimento, que inclui a noção de afeto que levará durante toda a sua vida’.

Viciada apenas no registro dos fatos, a mídia impressa se limita a registrar as decisões da justiça – nos dois casos – e perde a chance de fazer perguntas essenciais a quem de direito – como, por exemplo, se tanto no caso Sean como no da menina devolvida, alguém está realmente preocupado com essas crianças ou apenas com seus problemas pessoais.

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Jornalista