Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘Os segredos genuínos devem ser reservados’

Segredo distribuído para 2,5 milhões pessoas não é segredo. Essa é máxima do jornalista Max Frankel – editor responsável pela publicação dos ‘Papéis do Pentágono’ no jornal The New York Times em 1971 – ao avaliar o recente vazamento de 250 mil telegramas diplomáticos dos Estados Unidos pelo site WikiLeaks. Aposentado, Frankel vê o atual episódio como resultado de um sistema ‘absurdo’ e ‘distorcido’ de troca de informações secretas entre órgãos do governo americano.

‘Uma vez que um segredo escape, não é mais segredo’

Os 250 mil telegramas vazados eram distribuídos para 2,5 milhões de pessoas, todas com acesso ao sistema SIPRNet. Mas eram qualificados como secretos. A falha foi do governo americano?

Max Frankel – O sistema americano está distorcido. Tudo o que é escrito por diplomatas e por militares de alta patente é marcado como secreto. Eles entregam segredos a milhões de pessoas. Nós encontramos nos ‘Papéis do Pentágono’ menções a artigos do New York Times e de outros jornais que foram marcados como secretos. O sistema é completamente absurdo.

O que deveria realmente ser marcado como segredo?

M.F. – Os segredos genuínos, que realmente precisam ser ocultados, devem ser poucos e disponíveis apenas a algumas autoridades. No atual caso, muitas das informações divulgadas eram conhecidas e tinham sido registradas pelos jornais. Mas, se o embaixador americano em Riad ouve do rei da Arábia Saudita sua avaliação de que os EUA deveriam atacar as instalações nucleares do Irã, essa mensagem deve chegar ao presidente dos EUA, a assessores próximos e, talvez, ao secretário de Estado. Só isso.

Mas, mesmo que a maioria das informações fosse conhecida, sua exposição causou constrangimento e problemas diplomáticos para os EUA com parceiros como Rússia, Itália e Afeganistão.

M.F. – Uma vez que um segredo escape, não é mais segredo. Essa é uma nova situação. Se o embaixador americano na Rússia quer dizer algo muito sério sobre o premiê (Vladimir) Putin ou outras autoridades locais, deve fazê-lo reservadamente e a poucas pessoas. Se ele coloca a informação no telegrama, deve esperar que algum constrangimento venha a ocorrer.

Um protesto contra a Guerra do Vietnã

Espera mudanças nos procedimentos diplomáticos dos EUA?

M.F. – Tenho certeza de que vão ocorrer. Mas não vão parar com esse sistema ridículo de colocar a marca ‘secreto’ em cada pedaço de papel que enviarem a Washington.

O vazamento do WikiLeaks é tão importante quanto o dos ‘Papéis do Pentágono’?

M.F. – Essa é uma nova era. Novos problemas foram expostos para o governo. Hoje em dia, é fácil demais copiar e distribuir documentos. O vazamento do WikiLeaks é importante por essa razão, não pelo estrago feito. A divulgação dos ‘Papéis do Pentágono’ tampouco causou qualquer estrago, apesar de o governo americano daquela época ter ficado tão agitado. Agora, não houve dano diplomático real. Se haverá dano no futuro, é difícil dizer. Mas o vazamento do WikiLeaks demonstra um problema que não havia 40 anos atrás.

O senhor crê que Julian Assange, fundador do WikiLeaks, agiu por interesses pessoais?

M.F. – Não sei. Mas, se ele publica todo tipo de documento em quantidades volumosas, ele não está particularmente interessado em uma única política pública tratada como segredo. Não está interessado, especialmente, na Guerra do Afeganistão, na Guerra do Iraque ou nas ameaças nucleares. O vazamento dos ‘Papéis do Pentágono’ foi o trabalho de um homem – Daniel Ellsberg – que procurava um meio de protestar contra uma política específica, a Guerra do Vietnã, e avaliou durante dois anos se deveria e como deveria tornar públicos os documentos.

O que as autoridades diziam e o que pensavam

O senhor vê problemas morais ou éticos na conduta de Assange?

M.F. – Talvez. Não sei quais foram suas motivações. Teríamos de perguntar para ele.

O senhor afirmou que os ‘Papéis do Pentágono’ não causaram estrago. Então, a divulgação desses documentos não alterou o rumo dado pelo governo americano para a Guerra do Vietnã?

M.F. – Não, não teve efeito. A política americana para o Vietnã não mudou por causa do vazamento. A guerra terminou, quatro anos depois, porque o governo estava exausto e as pessoas se voltaram contra ele. Mas os ‘Papéis do Pentágono’ não tiveram efeito, como Ellsberg constatou.

Quando os volumes dos ‘Papéis do Pentágono’ chegaram ao New York Times, como os jornalistas lidaram com o material?

M.F. – Nós não tínhamos propósitos políticos. Simplesmente, consideramos que os documentos eram importantes para mostrar o que as autoridades americanas estavam dizendo entre elas sobre a Guerra do Vietnã, que já se arrastava por 20 anos. Consideramos relevante mostrar a contradição entre o que as autoridades diziam ao público e o que elas realmente pensavam.

Os documentos mostraram que diferentes governos haviam mentido para a opinião pública e para o Congresso.

M.F. – Sim, tinham mentido ou intencionalmente induzido a opinião pública ao erro. Já havia considerável oposição à guerra naquela época, mas não foi sensibilizada pelas notícias sobre os ‘Papéis do Pentágono’.

O episódio foi, então, mais importante do ponto de vista jornalístico do que como fato político?

M.F. – Foi um importante momento para o jornalismo, pois o governo tentou nos impedir de publicar os documentos. A Suprema Corte decidiu ser ilegal qualquer tentativa do governo de impedir a publicação de informações. O resultado do episódio dos ‘Papéis do Pentágono’ foi a proibição da censura oficial à imprensa.

No caso do WikiLeaks, o governo deixou clara sua intenção de não ferir a liberdade de imprensa, embora esteja processando Julian Assange.

M.F. – O governo não pode fazer isso. Quando um segredo escapa, o governo sabe que não há o que fazer.

Quem é

Max Frankel nasceu na cidade de Gera, na Alemanha, e começou a trabalhar no jornal americano The New York Times em 1952. Em 1973, ganhou o Pulitzer, a mais alta premiação do jornalismo americano, pela reportagem sobre a visita de Richard Nixon à China. Ainda hoje, Frankel é lembrado por ter feito uma pergunta embaraçosa que teria prejudicado a reeleição de Gerald Ford em 1976.

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Jornalista