‘Presidentes não gostam de conceder entrevistas coletivas. A política contemporânea se reduziu, em boa parte, à administração de símbolos e imagens perante a opinião pública. Todo um aparato lastreado em pesquisas de opinião, recursos de propaganda e comitês de marketing dá ampla margem de manipulação ao governante. Nas entrevistas coletivas, porém, há brecha para o imprevisto.
O presidente Lula, por exemplo, não concedeu nenhuma coletiva desde a posse. Tem preferido encontros fechados, na casa de jornalistas amistosos, com a presença de colegas convidados a dedo. Protege-se, assim, contra as próprias dificuldades para se expressar em público, que o têm levado a cometer seguidas gafes e que se tornariam ainda mais patentes numa situação em que fosse confrontado.
Ao contrário das aparências, Lula tem pouco treino para a discussão de pontos de vista -e não apenas como resultado da inexperiência administrativa. Sempre foi cercado por uma corte de bajuladores. Sempre foi poupado pela imprensa e pelos adversários. Sempre se beneficiou de um preconceito invertido, o de que, sendo um líder ‘autêntico’ e ‘puro’, não poderia ser questionado ou interpelado. O Brasil paga a conta, agora, de tamanha complacência.
Seu colega norte-americano não difere dele, seja no que se refere ao discernimento verbal, seja na aversão a jornalistas independentes e entrevistas coletivas. George Bush concedeu anteontem sua terceira entrevista formal no cargo. Procura retomar a iniciativa, acuado pelos fracassos da ocupação militar do Iraque e por um candidato democrata competitivo. Além disso, a democracia americana não concebe um presidente que se furte por completo a inquirições públicas.
Não que as coletivas sejam imunes à manipulação. Em geral, o presidente decide quem vai dirigir-lhe perguntas e o jornalista tem pouca oportunidade de replicar. Mesmo assim, esses encontros permitem aos cidadãos um contato um pouco mais direto com o chefe do governo. Permitem, sobretudo, que se possa examinar sua atitude diante das dúvidas e críticas que circulam pelos meios de comunicação.
Bush não respondeu às perguntas problemáticas. Repete generalidades nas quais um número cadente de pessoas parece ainda acreditar: que o Iraque era uma ameaça ao mundo e aos Estados Unidos, que a invasão visa levar a democracia àquele país, que a América está refazendo o mundo para que se torne um lugar seguro e livre, que ele chora com os familiares dos soldados mortos.
Por que ‘levar’ a democracia ao Iraque e não a dezenas de outros países sob ditaduras? Por que insistir na ameaça iraquiana quando está claro que ela não existia, ao menos não a ponto de justificar mais uma guerra? Como respeitar a autodeterminação do povo iraquiano, que pode escolher o regime que quiser sob a condição de que o governo americano considere esse regime como ‘democrático’?
A coletiva de Bush, previsível e sem novidades, deu ao observador crítico a dimensão do gigantesco engodo que tem sido sua política externa desde a legítima invasão do Afeganistão taleban. Quanto a Lula, continua a se esquivar de semelhante prestação de contas. Em vez de coletivas, ele e seus assessores dão à imprensa ‘lições’ sobre como deveria ser o jornalismo hoje: o contrário do que era quando eles estavam na oposição… Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.’
PRÓ-MÍDIA À VISTA
‘Band apóia RR Soares e critica briga das TVs’, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/04
‘Presidente do grupo Bandeirantes, João Carlos Saad põe o dedo na ferida: afirma que as TVs estão completamente desunidas e que o conflito se acirrou em razão da disputa por empréstimo público.
À Folha, Saad criticou a Record, que faz campanha contra a intenção do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social) de custear a dívida das TVs. ‘Quem financia a Record? Com que dinheiro? De caridade?’
O presidente da Band -cuja dívida é de US$ 100 milhões- defendeu o missionário RR Soares, que arrenda o horário nobre da TV. ‘A vida dele é franciscana.’
Leia trechos da entrevista em que ele elogia Marlene Mattos, fala de Luma de Oliveira e dos investimentos da empresa num canal de música e no cinema.
Folha – Qual é a sua avaliação sobre a guerra declarada pela Record contra o empréstimo do BNDES para pagamento de dívida das TVs?
João Carlos Saad – A Band sempre se posicionou a favor do empréstimo. Acho triste que esteja se fazendo essa grande confusão em torno de algo absolutamente legítimo. A colocação da Record é muito falsa. Ela tem o Refis [programa de parcelamento de débitos tributários]. O que é isso senão o financiamento dos tributos do povo que ela deixou de pagar? A Record diz que a Igreja Universal não é sócia, apenas loca um horário. Quem financia a Record então? Quanto ela gera por mês e quanto é posto pela igreja? Com qual dinheiro? Da caridade?
Folha – Como ficará a Band se não houver empréstimo do BNDES?
Saad – Seguirá seu caminho tranqüilamente. Mas por que não haveria, se há para outros setores? Não consigo ver uma razão lógica.
Folha – A Record fala em independência em relação ao governo.
Saad – É uma discussão tola. A independência está na saúde financeira, na ética, na tradição, em saber quem é o dono. Você sabe quem são os donos da Band, da Globo, do SBT. Se houver algo errado, você sabe de quem cobrar.
Folha – Essa questão só acirrou o conflito entre as TVs. A Band havia saído da Abert (associação brasileiras de TVs) e fundado a UneTV com Record e SBT. Depois, a Record voltou à Abert. Agora saiu de novo.
Saad – Está uma baita confusão. Há um problema sério aí, e a TV perde muito. Não estamos discutindo TV digital, nada. Temos um setor fragilizado pela desunião. E o mundo não vai ficar esperando, a tecnologia vem avançando. É hora de criar juízo, buscar pontos comuns. No que houver discordância, cada um briga por si.
Folha – RR Soares tem contrato com a Bandeirantes até 2007…
Saad – Não sei se até 2007 ou 2008. Estou feliz com ele, gosto dele, acho um homem sério, correto. O que prega faz. É humilde. Não o vejo com jatos, casas em tudo quanto é lugar. Não há venda de graça no programa dele. Assista. Minha mulher é evangélica.
Folha – Ele vende livro, vende…
Saad – Vende produtos para gerir aquela máquina toda. Quando fala da graça, não está vendendo.
Folha – No site dele, há regras para o dízimo. Ele diz que, quando o fiel ganha um presente, deve calcular o valor e pagar o dízimo à igreja.
Saad – Vi outro dia um comerciante dizendo que ganhou x numa venda e quis dar o dízimo. O missionário falou: ‘Você tem que pensar no dízimo quando tiver um resultado, não sobre a venda’. Fico impressionado com isso.
Folha – O sr. está fazendo uma defesa do fato de a Band arrendar o horário nobre para um evangélico?
Saad – Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Só estou dando uma opinião pessoal. Nunca ouvi falar de nada errado. A vida dele é absolutamente franciscana.
Folha – Mas, se a Band não precisasse, não iria arrendar nem para Madre Teresa de Calcutá.
Saad – Possivelmente não. Mas não tenho vergonha, pelo contrário. Acho uma boa mensagem. Ele está pregando roubo? Não. É ruim para a família? Não. Então para que tanto preconceito?
Folha – Qual é a importância de RR Soares na reestruturação financeira da Bandeirantes?
Saad – Ele nos ajudou, acelerou a retomada da programação.
Folha – A Marlene Mattos não estaria na Band se não fosse por ele?
Saad – Pode ser que fosse mais lento, que não fosse agora. Tudo foi acelerado. E a Marlene é uma grata surpresa. Ela tem humildade. Se erra, volta atrás.
Folha – E a Luma de Oliveira? Será apresentadora da Bandeirantes?
Saad – (risos) Não sei. Preciso perguntar para a Marlene. Eles estão fazendo pesquisa, vivendo num ambiente criativo. Não quer dizer que iremos acertar sempre.
Folha – E o ‘Fogo Cruzado’, em que o apresentador Jorge Kajuru chamou a colega Astrid de ‘baranga’ no ar? É um erro ou um acerto?
Saad – Não vi. Estava na estrada. Já ouvi elogios e críticas.
Folha – Essas coisas incomodam?
Saad – Se os pré-requisitos foram feitos, pesquisa, piloto (teste), faz parte. Não é ciência exata. São químicas que ora funcionam ora não. A Band saiu dos esportes. Foi difícil porque se envolveu muito com o gênero, e os preços de direitos de transmissão subiram em progressão geométrica. Hoje, a Globo é o canal do esporte (risos), e a Band, da mulher.
Folha – Quando sairá o Band News em espanhol para países latinos?
Saad – O projeto está pronto e o considero vital e estratégico. Mas estamos encontrando sérias dificuldades para distribuir o canal. Não conseguimos penetrar em Sky, DirecTV, Telefónica, em cabo e satélite. O Brasil deveria ter tido uma visão mais estratégica nisso. Abriu seu mercado, mas não negociou para fora.
Folha – TVs pagas de países latinos não têm interesse em um canal brasileiro falado em espanhol?
Saad – Há outros interesses. O governo americano faz artilharia contra a Al Jazira. Por quê? Porque eles conseguiram constituir um veículo que dá a versão deles, não a do invasor, mas a do invadido. Nós também temos de pensar nisso, temos de ter coisas fora.
Folha – E o canal de música?
Saad – Deve ser lançado no segundo semestre. Está definida a parte estratégica, a programação. A Net não sei se vai transportar [o canal fica 45% do dia em TV aberta e 55% em fechada]. Essa é uma discussão jurídica, porque a redação [da lei que criou esse tipo misto de canal] é dúbia e não se sabe se ele é um ‘must-carry’ [que as operadoras têm obrigação de carregar]. Ou se chegará a um acordo ou possivelmente terminará na Justiça. Já definimos que o canal será operado da avenida Paulista.
Folha – A Band terá sucursal lá?
Saad – Sim, queremos ter uma base mais forte para o jornalismo não ficar preso no trânsito, que está um pavor [a sede da Band é no Morumbi]. E para a parte comercial também. Estamos montando ainda uma base no centro.
Folha – A criação da Band Filmes tem como objetivo um ganho de imagem para a Bandeirantes?
Saad – Não, a idéia número 1 é negócio mesmo. Pelas contas, é um bom negócio. Imagem é um dos pontos, mas estamos entrando como negócio e estratégia, para ir acumulando conteúdo.’
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‘Record mantém posição e não comenta crítica’, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/04
‘A TV Record não quis comentar as críticas feitas por João Carlos Saad, presidente do grupo Bandeirantes.
Procurado pela Folha, Dennis Munhoz, presidente da Record, afirmou, por meio da assessoria de imprensa da emissora, que não tinha ‘nada a declarar’ sobre a entrevista de Saad.
Segundo Munhoz, a empresa mantém sua posição em relação ao BNDES -contrária ao empréstimo para pagamento de dívida.’
FUSÃO DIRECT / SKY
‘Governo põe freio na fusão de Sky com DirecTV’, copyright O Globo, 15/04/04
‘O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) assinou com as empresas News Corp. (acionista da Sky Brasil) e Hughes (acionista da DirecTV) um acordo pelo qual as duas terão que esperar o julgamento do governo antes de se unirem no Brasil.
A operação envolve a compra da Hughes pela News, que já foi julgada e aprovada pelas autoridades de defesa da concorrência nos EUA. A decisão do Cade foi tomada depois de um pedido da associação Neo TV, que reúne 50 empresas de TV por assinatura. A alegação era de que a operação representaria riscos à concorrência porque poderia levar a uma concentração de 94,84% no mercado brasileiro.
A Neo TV também lembrou que a News tem como sócia na Sky a Globopar, que controla, por sua vez, a Net. Com isso, a fusão poderia abranger as três empresas: Sky, Net e DirecTV.’