Começou a luta pela conquista do Planalto em 2006 e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está no meio do fogo cruzado. Ministros, partidos, empresários e sindicalistas participam dos combates, além de um chefe de governo tentado pela gastança eleitoral mas empenhado, ao mesmo tempo, em manter a imagem de prudência financeira. A imprensa chegou logo ao miolo da questão, a estratégia de campanha. Mas demorou alguns dias para soltar as primeira histórias sobre os bastidores da guerra e, especialmente, para mostrar a intervenção de empresários e sindicalistas.
O conflito entre gastança e austeridade vem de longe, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ganhou ares de guerra quando a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Roussef, chamou de ‘rudimentar’ o plano de ajuste de longo prazo proposto por seus colegas do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Palocci.
A nova escalada começou com a longa entrevista publicada pelo Estado de S.Paulo (terça, 8/11). À noite, o ministro do Planejamento respondeu à ministra, em tom moderado, numa entrevista a Miriam Leitão, da Globo News. Pouco depois, Merval Pereira, em comentário no mesmo canal, apontou em linguagem direta o objetivo eleitoral da crítica aos ministros da área financeira.
Nem aí
O novo ataque atingiu um Palocci mais vulnerável, pressionado pelas investigações da CPI dos Bingos e pelas denúncias de irregularidades em sua gestão como prefeito de Ribeirão Preto. A jogada seguinte caberia ao chefe do governo. O presidente limitou-se a pedir paz entre seus ministros. Numa situação parecida, o presidente Fernando Henrique Cardoso havia demitido seu amigo e ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho.
A imprensa interpretou o gesto de Lula não como falha de liderança e de gestão, mas como apoio implícito à ministra-chefe da Casa Civil. A ambigüidade seria apenas aparente: indicava, ainda, um compromisso com a política fiscal em vigor, mas ao mesmo tempo deixava entrever a resistência a qualquer projeto de ajuste de maior alcance.
A cobertura da crise, nos dias seguintes, continuou parecida com o trabalho dos velhos sinólogos dos anos 1960 e 70 – aqueles especialistas em decifrar, nos tempos da China mais fechada, as palavras, gestos, trejeitos, entonações e silêncios dos poderosos de Pequim.
Depois de alguns dias de retiro, Palocci antecipou seu depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, numa tentativa de virar o jogo. Os jornais, no dia seguinte, registraram um bom desempenho do ministro, mas assinalaram, também com destaque, o silêncio do presidente.
No dia do depoimento (16/11), Lula falou com otimismo sobre a economia, num evento em Brasília, mas não mencionou o ministro. Um dia depois, quinta-feira, o presidente citou seis vezes a ministra Dilma Roussef, num discurso a respeito do biodiesel. Na saída, negou ter assistido ao depoimento de Palocci no Senado, mas disse acreditar ter sido bom, porque essa tinha sido a avaliação da imprensa.
Ordem a cumprir
A maior parte dos jornais deu manchete com as palavras de Lula, mas o Estado de S.Paulo preferiu ir aos bastidores. Destacou em manchete a ação de ministra Dilma Roussef como porta-voz de reclamações contra Palocci e deixou para o subtítulo a referência aos elogios do presidente.
Duas semanas antes, segundo a matéria, assinada pelo repórter Roldão Arruda, a ministra havia levado um relatório sobre as dificuldades financeiras apontadas por vários ministros. De fato, uma tabela incluída na reportagem desmente os ministros, porque mostra a liberação, até 8 de novembro, de 84,4% das verbas previstas para custeio e investimento. Mas o relato é precioso porque mostra uma grande reunião de forças, dentro do governo, contra Palocci e, por extensão, contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Essa matéria foi publicada na sexta-feira (18/11). No sábado, Veja destacou, na seção ‘Holofote’, a participação atribuída ao ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, no ataque à política fiscal. Furlan teria persuadido a ministra Dilma Roussef a atacar a política de superávits primários, segundo assessores de Palocci.
Furlan havia sido citado na matéria do Estadão, assim como seu colega da Agricultura, Roberto Rodrigues. Outros ministros foram incluídos na relação dos descontentes, mas seus nomes são menos lembrados, habitualmente, quando se fala em pragmatismo e competência.
Na mesma sexta-feira o Estadão noticiou, num texto curto, mais um ataque do presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, ao ministro da Fazenda. O dirigente sindical deu até prazo para a demissão: se não ocorrer até dia 30 de novembro, haverá um festival de manifestações contra o ministro, segundo prometeu.
A Agência Estado havia divulgado uma história mais longa e com um detalhe muito interessante: Paulo Pereira da Silva defendeu a substituição de Palocci por ‘um representante do setor produtivo, preferencialmente ligado à indústria’.
Um jornalista com preferência por pratos condimentados poderia ter escrito: ‘Sindicalista propõe patrão para a Fazenda’. Mas a história, mais do que pitoresca, é intrigante. O presidente da Força Sindical já havia reivindicado a demissão de Palocci no dia 10 de novembro. No mesmo dia, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), noticiou o envio de uma carta de seu presidente, o empresário Newton de Mello, ao presidente da República.
Nessa carta, Newton de Mello acusou a equipe econômica de perseguir ‘metas de inflação irreais e superávits primários fantasiosos’ e sugeriu a substituição de Palocci por pessoas com ‘viés desenvolvimentista’, como os ministros Dilma Roussef, Luiz Furlan e Roberto Rodrigues e o presidente do BNDES, Guido Mantega.
Na semana seguinte, quando o presidente da Força voltou a reivindicar a demissão do Palocci, fixando até o um prazo para o presidente Lula cumprir sua ordem, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, também se manifestou pela mudança da política econômica e ainda propôs a ampliação do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Post scriptum
O Estadão mostrou no domingo (20/11) a intervenção de Newton de Mello e Paulo Skaf, ressalvando a defesa da política econômica pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. Ressalvou, também, a observação prudente do presidente da Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista da Costa: é preciso mudar a política, mas não é hora de alimentar conflitos.
A matéria concentrou-se nos empresários – era o seu objetivo – e não explorou a coincidência de seus ataques a Palocci com as manifestações de Paulo Pereira da Silva. Houve um bom avanço, mas ainda falta ver se é possível juntar algumas pontas. Afinal, a articulação contra as políticas fiscal e monetária envolve tanto nomes importantes do governo federal quanto figuras conhecidas do setor privado – dirigentes patronais e sindicais alinhados contra a equipe de Palocci e a favor até da privatização parcial da política econômica.
A discussão dos interesses também avançou. Um bom exemplo do tratamento do assunto foi a coluna de Maria Cristina Fernandes, no Valor (18/11). ‘PMDB é Dilma e PSDB é Palocci. E o PT está completamente perdido no meio desse tiroteio’, diagnosticou a colunista e editora de Política em seu comentário semanal, num bom contraponto com a coluna de Cláudia Safatle.
Cláudia analisou a proposta de um plano de ajuste de longo prazo e mostrou sua importância para a implantação de um novo tipo de execução orçamentária, menos dependente do controle na boca da caixa e mais voltada para a qualidade do gasto. Afinal, como lembrou a colunista, nem o dinheiro liberado pelo Tesouro é gasto como seria necessário, porque há uma enorme incapacidade operacional no governo.
É forte a tentação de acrescentar a essa coluna um pós-escrito: Palocci pode ser pão-duro, seu estilo de controle não é o mais adequado e o pessoal da Fazenda sabe disso, mas seus colegas são escandalosamente incompetentes na formulação e na realização de projetos.
******
Jornalista