Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Para além da pauta convencional

Dois grandes jornais noticiaram na primeira página o projeto de abertura de 1.853 vagas federais, enviado ao Congresso no dia 6/7 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um deles foi o Estado de S.Paulo. O outro, O Globo, acrescentou um detalhe: com aquele projeto, o presidente violou a promessa de não aumentar de novo as despesas com pessoal.

Destaque exagerado? A avaliação depende da importância política atribuída ao gasto público. É impossível contar a formação da moderna democracia representativa sem falar de impostos e de orçamentos. Esse lembrete poderia bastar. Mas o recurso à história talvez nem seja necessário, num ano de eleições, para justificar o acompanhamento atento das finanças públicas.

Grandes jornais têm seguido de perto o jogo das despesas, tanto no Congresso quanto no Executivo. Noticiaram durante semanas o festival de aumentos salariais concedidos a funcionários dos três Poderes e as propostas de reestruturação de carreiras. No começo de julho, a cobertura se voltou não só para a criação de cargos, mas também para a apressada liberação de verbas para cumprimento de emendas parlamentares. A maior parte das verbas foi destinada a emendas de congressistas da base aliada.

Segundo um funcionário citado pelo Globo, essa preferência é justificável porque as emendas apresentadas pelos aliados são mais afinadas com as prioridades governamentais. Mas a maioria dessas propostas, como divulgam todo ano os jornais, é voltada principalmente para obras e ações de interesse paroquial e não têm a mínima relação com qualquer planejamento em grande escala. Vale a pena ouvir o ‘outro lado’, até para registrar explicações desse tipo. Em apenas cinco dias, segundo registrou o Estadão, foram liberados R$ 2,74 bilhões – 157,4% a mais que a média de cada período de cinco dias do mês anterior.

Sem cuidado, dúvida é justificável

O grande tema seguinte foi a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelos congressistas na quinta-feira (8/7). Os jornais, especialmente O Globo e o Estado de S.Paulo, seguiram as manobras e negociações de última hora. O relator do projeto, senador Tião Viana (PT-AC), desistiu de propor um salário mínimo de R$ 550,00 para 2011. Deixou o valor em aberto, mas o texto impõe a concessão de aumento real tanto para o mínimo quanto para as aposentadorias e pensões maiores que o salário básico. O assunto ficou para decisão conjunta do presidente Lula e de quem vencer a eleição presidencial.

O Estadão deu ênfase à política do mínimo e dos benefícios previdenciários e avançou, no fim de semana, em cálculos sobre o efeito possível nas despesas federais. O Globo destacou na sexta-feira (9/7) a criação de uma brecha, na LDO, para criação de cargos pelo novo governo. A Folha de S.Paulo desprezou o assunto logo depois da aprovação do projeto.

O leitor mais cuidadoso deve ter sentido falta de um detalhe nas principais coberturas: faltou a reprodução literal das emendas mais importantes, como a do salário mínimo e a das aposentadorias. Repórteres e editores gostam muito de declarações entre aspas e costumam usá-las até quando são inúteis e desinteressantes. Mas pouco se empenham em reproduzir passagens importantes, às vezes curtas e fáceis de citar, de projetos de lei, de leis aprovadas e de outros documentos oficiais.

O leitor precisa também disso para formar sua opinião. Sem esse cuidado na produção e na edição do material, é perfeitamente justificável a dúvida: afinal, qual foi mesmo a regra criada para o salário mínimo e para os benefícios da Previdência? A essa pergunta, se acrescentam outras: houve algum tipo de vinculação entre os dois valores? Até que ponto o orçamento de 2011 estará amarrado por essa determinação da LDO?

Contra o consumidor

O serviço de alerta do Estadão funcionou muito bem com a informação sobre a manobra do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) para adiar a votação da lei de reforma do sistema da concorrência. A notícia saiu na sexta-feira (9/7). O senador conseguiu tirar o projeto da pauta e ainda anunciou a intenção de propor duas emendas. A primeira será para reduzir as multas por violação das normas da concorrência. Desde 1994, o teto é 30% do faturamento bruto. O máximo aplicado até hoje, segundo a matéria, ficou na faixa de 20% a 25%, contra uma empresa acusada de formação de cartel na indústria de compressores para refrigeração. A intenção declarada pelo senador é baixar o teto para algo entre 1% e 2%.

A outra emenda será contra um dos itens mais importantes da reforma, a instituição do exame prévio de fusões e aquisições. Se esse exame for feito num prazo razoável, será possível evitar prejuízos tanto para as empresas diretamente envolvidas na operação quanto para o mercado. Tem sido apoiada, por exemplo, por líderes da indústria paulista. Se aprovada, a emenda prometida pelo senador eliminará um dos pontos mais importantes da reforma. O mero adiamento da votação, no entanto, já será ruim para o país. A reorganização do sistema, mantendo-se o Cade na posição central, é muito importante para a modernização institucional e para a maior eficácia da defesa da concorrência.

Essa matéria é mais um excelente exemplo de como se pode fazer a marcação. Mas para isso é preciso ir muito além da pauta convencional.

******

Jornalista