Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Para dar e (sobretudo) vender

Ao lado dos seios sorridentes da nova ‘Globeleza’, o texto pede licença aos autores da ‘divertida marchinha Yes, nós temos banana‘ para dizer que, na verdade, o que o Brasil tem para dar e vender é mulata bonita.

Era o destaque da coluna do Ancelmo Gois, no Globo de 13 de janeiro.

É claro que foi apenas um comentário engraçadinho.

Comentários engraçadinhos são apenas isso: engraçadinhos, bem-humorados, distraídos, inocentes.

E, no caso, também muito verdadeiros.

Pois que esta é uma das nossas principais atrações turísticas toda a gente sabe. Aliás, é por isso que os turistas comparecem com tanto entusiasmo.

Entretanto esse mesmo jornal indignava-se, no domingo anterior, com a prostituição infanto-juvenil em Fortaleza (e no Recife, e no Rio, e em qualquer outro ponto paradisíaco do extenso e exuberante litoral), fruto da ‘imagem luxuriante que o Brasil vendeu durante muito tempo no exterior’.

Vendeu e, pelo visto, deve continuar a vender.

Mas a coluna do Ancelmo não tem culpa: afinal, estamos no carnaval, e aquela inocente brincadeira com a letra da espirituosa marchinha não fez mais do que explicitar em palavras o que a Globo exibe há anos, ao escolher como símbolo do espetáculo uma mulata escultural sambando nua na tela. A mesma Globo que, orgulhosa de seu espírito de ‘empresa-cidadã’, faz coro com o governo no combate ao turismo sexual, condenando a propaganda que ostenta a mesma imagem do mulherio in natura como chamariz para os estrangeiros.

Com moderação

Em fevereiro do ano passado também era carnaval. Também num domingo O Globo denunciava o que todo mundo sabia: a prostituição nas praias de Copacabana, a atuação dos agenciadores circulando à porta dos hotéis com catálogos de fotos de suas meninas. ‘Sexo à la carte’, escandalizava-se o jornal.

Páginas adiante, na mesma edição, as fotos mais do que sugestivas das ‘candidatas a Luma’ (de Oliveira, ‘musa’ da avenida), com destaque para duas jovens atrizes da casa, que também disputavam o lugar de ‘celebridade’ na novela então em cartaz.

Porém, não era um carnaval qualquer: estávamos com o orgulho nacional ferido porque os americanos exigiam a identificação das nossas digitais nos seus aeroportos. Então reagimos na mesma moeda, mas, para compensar o constrangimento, passamos a receber os visitantes com esse nosso melhor produto de exportação. Calor humano não faltava, como prova a foto do turista velhote, com seu típico traje de gringo – mocassim marrom, meias e bermudas brancas, camisa florida –, desembarcando do Queen Mary II, feliz da vida no papel de recheio de sanduíche, engolido por duas dessas saborosas beldades nativas.

Enfim, mulatas pra dar e (sobretudo) vender.

Convém apenas acrescentar aquela ambígua advertência dos anúncios de cerveja: aprecie com moderação.

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Jornalista, doutoranda e professora da Universidade Federal Fluminense