Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Para lembrar que o povo manda na mídia

Sempre que alguma notícia se destaca no cotidiano brasileiro, conseqüentemente arrastando todas as pautas de TV, surgem aqueles bastiões da defesa pela democracia e qualidade da informação, do jornalismo sério, responsável, cidadão etc. Começam a chover críticas indignadas sobre as coberturas da Veja, do Jornal Nacional e tudo quanto é grande mídia. Sempre com o mesmo discurso: e os outros crimes? Não tem nada mais importante para cobrir? Ninguém agüenta mais esse assunto! Muitas vezes são estudantes de Comunicação ou até jornalistas revoltados com o indigesto e pressuposto sensacionalismo.

É fácil, nessas horas, defender os líricos conceitos do jornalismo voltado para o esclarecimento da opinião pública, com imparcialidade, prestação de serviços, a informação para a educação e toda aquela ladainha que, invariavelmente, só vem à tona junto com as Isabellas, Richthofens e vôos 3054 da TAM.

Nessas horas, aqueles pseudo-intelectuais desapegados enxergam os curiosos como desocupados, abutres na carniça, mórbidos, desinteligentes e outros adjetivos menos publicáveis. Só que, de manhãzinha, no trabalho, provavelmente esse mesmo crítico acessa a notícia da Isabella todo dia em algum portal de notícias e se informa sobre tudo bem rápido. Escondidinho. Lendo tudo com um passar de olhos, como quem acessou por acessar. Não que ele esteja curioso! Imagine…

Mercado competitivo

Esse espetáculo de hipocrisia pode ser visto em qualquer esquina, sala de aula, escritórios. São pessoas que se envergonham em reconhecer que são pessoas. Fingem que a avalanche da comoção nacional não os soterrou. Fingem que não querem saber quem matou a Isabella. Fingem que não se importam se pais da classe média tiveram coragem para esganar e jogar uma criança indefesa do sexto andar. Isso tudo, para os intelectualóides, é muito sensacionalista, popular, baixo. E a última coisa que eles querem é abrir mão da pompa, descer dos pedestais da cultura humanista e dizer, ‘eu sou apenas mais um nessa multidão querendo saber o que aconteceu, além de clamar por punição para os responsáveis’.

Mas eles preferem manter a empáfia, como quem está acima disso tudo. ‘Tanta corrupção, roubalheira, problemas sociais e econômicos para serem debatidos, e os jornais só falam de Isabella’, dizem. Então façamos um exercício: estivessem eles na posição de editor-chefe do Jornal Nacional, o que iam fazer? Dar 30 segundos ao assunto? O que fariam se fossem decidir a matéria de capa da Veja? O que decidiriam se fossem pautar os repórteres de cotidiano? Iam deixar o seu público migrar para outro canal? Ler outra revista? Acessar outro site? Ora, além de todo o interesse do público, estamos num mercado competitivo. Se um veículo está dando destaque, o outro não pode ficar para trás.

Corrigir a pontaria

Esses críticos têm, na verdade, que deixar de ser inocentes, ingênuos e amadores. Os assuntos são explorados pela mídia porque ele está na ponta da língua do povo. Os jornalistas que atuam na grande mídia não são idiotas. A população está chocada, revoltada com o crime, e quer saber como está sendo a investigação. Somos nós, o povo, que queremos saber tudo sobre o caso. Eu quero saber tudo sobre o caso.

É claro que existem outros crimes e questões milhares de vezes mais relevantes para serem noticiadas – e essas notícias estão lá. Quem quiser saber o que se passa agora em Brasília, no Senado, na Câmara, nos presídios, no Amazonas, vai saber. Está tudo aí para quem quiser procurar. Mas aí, é aquilo: ‘Quem lê tanta notícia?’

A mídia está dando o que nós queremos, que é cobertura total sobre o assunto morte de Isabella. Não foi a mídia quem determinou a popularidade do crime, foram as pessoas. Os leitores, internautas, telespectadores. Não estamos menosprezando os outros crimes ou superdimensionando este. Estamos apenas acompanhando um crime específico que despertou sentimentos em cada um. Tristeza, choque, revolta, indignação, curiosidade. E qual o problema em ter essas sensações? Comunicadores que se revoltam (ou fingem se revoltar) com a cobertura exaustiva sobre Isabella podem continuar revoltados, mas corrijam sua pontaria e direcionem sua raiva à curiosidade natural do ser humano e do povo brasileiro.

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Jornalista, São Paulo, SP