Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Para ombudsmans, jornal enfrenta crise de identidade

Na avaliação dos dez ombudsmans, jornalistas que nos últimos 22 anos intermediaram as críticas diárias e os elogios do leitor, a Folha vive aos 90 anos uma crise de identidade, causada pelo impacto da internet sobre os veículos impressos.

Acostumados, na função, a fazer uma análise rigorosa dos jornais, eles foram convidados a opinar, como leitores, sobre o que mudou na Folha.

‘Desafiado pelo mundo on-line, o jornal parece confuso em suas apostas’, diz Junia Nogueira de Sá, 50. ‘O jornal que foi sensível nos episódios das ‘Diretas-Já’ e do ‘Fora Collor’ não seduz os novos em idade e novos no mercado consumidor’, avalia Junia. São leitores que buscam informação na internet, ‘não nos jornais, nem na Folha’, afirma.

Hoje consultora de comunicação corporativa, Junia diz que a versão impressa ‘não vai às causas e fica nas consequências’: ‘Compete com o noticiário on-line por manchetes que, no papel, sempre parecem amanhecidas’. ‘Enfim, um jornal que, hoje, dá para não ler’, ironiza, numa referência à campanha publicitária do jornal.

Renata Lo Prete, 47, editora do ‘Painel’ político, diz que ‘o ambiente noticioso tornou-se hipercompetitivo’: ‘A oferta de informações é muito maior, e a demanda, mais fragmentada. A disponibilidade de tempo do leitor encolheu. O jornal tem hoje mais dificuldade em se diferenciar e, portanto, em se mostrar indispensável’.

Mário Magalhães, 46, entende que o jornal impresso não deve ‘rebaixar os padrões consagrados do jornalismo de qualidade, buscando mimetizar mídias com linguagens, atrativos e exigências diferentes’.

Dedicado a escrever a biografia de Carlos Marighella, Magalhães acredita que jornais como a Folha não devem ‘abandonar seus trunfos históricos, como reportagens de fôlego’, nem ‘sufocar as narrativas em espaços cada vez mais reduzidos’.

‘Para quem se contenta com o mosaico, a internet oferece serviço melhor que o jornal impresso’, diz Marcelo Leite, 53, hoje repórter especial da Folha. ‘O espaço diminuto desestimula o repórter a investir em pesquisa e apuração’, observa Leite. ‘A narrativa, que nunca foi o forte da Folha, se encontra em extinção, segregada ao caderno Ilustríssima ou prerrogativa de umas poucas grifes.’

‘Infantil’

Caio Túlio Costa, 56, diz que a Folha ‘tem dificuldade de sair do factual no dia seguinte, de fazer uma cobertura mais abrangente e analítica’. ‘Continua muito infantil, publica muitas vezes informações tratadas por um viés equivocado’, critica o primeiro ombudsman.

Professor e consultor de mídia digital, Costa diz que o jornal melhorou na parte de opinião, com a gama de colunistas que trazem o olhar de fora, embora pareça que muitos ‘escrevem por escrever, sem ter o que dizer’.

‘O jornal avançou bastante’, diz Carlos Eduardo Lins da Silva, 58. ‘Ainda há muito a fazer, mas tem sido constante o leitor se surpreender com o assunto da manchete, que costumava ser repetição dos temas que a mídia eletrônica havia exaustivamente explorado na véspera’.

Diretor do Espaço Educacional Educare e editor da revista Política Externa, Lins da Silva observa que algumas mudanças gráficas e editoriais recentes foram ‘pouco além de alterações cosméticas ou de títulos’.

Bernardo Ajzenberg, 52, diz que o jornal parece ‘mais próximo da comunidade nas questões de cotidiano e de serviços’. Escritor e tradutor, diretor da editora Cosac Naify, Ajzenberg acha que a Folha aprendeu a valorizar problemas que têm muita relevância na vida prática dos leitores. Mas ‘burocratizou-se em coberturas especiais de grandes fatos históricos, item em que era imbatível’.

Para Mario Vítor Santos, 56, ‘a Folha hoje é um jornal mais completo, procura tratar de uma gama maior de temas’. Porém o diretor-executivo da Casa do Saber (centro de cursos sobre várias áreas do conhecimento) percebe uma miopia para identificar a dimensão das transformações na economia e na sociedade.

‘Maduro’

Marcelo Beraba (2004 a 2007), que não pode comparecer ao encontro Santos diz que o jornal mantém uma cultura de ouvir diversos lados e de corrigir os erros, embora sem a generosidade adequada, principalmente nos erros mais importantes.

Para Leite, ‘o jornal está mais maduro e criterioso, com uma cultura de apuração e detalhismo mais solidamente enraizada’. Mas registra que, ‘com frequência, publicam-se textos desarticulados, sem linha interpretativa, quando não com omissões óbvias’.

Renata diz que ‘a Folha é um jornal mais coeso do que há 20 anos’. ‘Os pilares do projeto editorial estão presentes, de modo orgânico, em todos os cadernos.’

‘Sinto um esforço da Folha de manter a qualidade do jornal e de colocar um pé no futuro, reforçando a sua marca em novas plataformas’, diz Suzana Singer, 45, atual ombudsman. Segundo ela, os desafios centrais ‘são cobrir o novo governo e as mudanças sociais advindas de um bom crescimento econômico nos últimos anos’.

A função do ombudsman continua relevante, diz Marcelo Beraba, 59, hoje diretor da sucursal de O Estado de S. Paulo no Rio de Janeiro.

‘Não é a única iniciativa, nem sozinha garante a qualidade exigida pelos leitores, mas é, sem dúvida, uma das mais importantes’, conclui.

Folha.com

Acompanhe vídeo com o encontro dos ombudsmans no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

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Repórter especial da Folha de S.Paulo