Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Para onde vai o jornalismo econômico

Façam suas apostas: a economia brasileira está no rumo da estagnação e da crise cambial ou apenas em marcha mais lenta que a do ano passado? O Banco Central tem acertado ou a inflação continua a subir, apesar de nove aumentos da taxa básica de juros?

A imprensa tem publicado números para todos os gostos e para justificar qualquer escolha. Os indicadores divulgados em profusão por fontes oficiais e privadas parecem apontar em todas as direções. Os leitores não podem reclamar da falta de estatísticas sobre juros, crédito, cotações, comércio exterior, câmbio, produção, emprego e investimentos. Mas poderiam pedir aos jornais pelo menos um bônus: um esforço um pouco maior de organização e análise dos dados.

Não se trata de editorializar as páginas do noticiário, nem de apresentar ao leitor conclusões prontas e acabadas. O algo mais que os jornais poderiam oferecer seria simplesmente um pouco de arrumação do noticiário. Se vale a pena publicar os indicadores de investimento, importantes para se avaliar as tendências da economia, deve também valer a pena esmiuçar e organizar os dados.

Falta explicação

Números muito agregados nem sempre são esclarecedores. De fevereiro para março, a produção de bens de capital, isto é, de máquinas e equipamentos, cresceu 5,4%, depois de uma queda acumulada de 4,8% no bimestre anterior. O resultado trimestral, no entanto, foi 0,2% menor que o dos três meses finais de 2004, quando já havia ocorrido uma queda de 0,4%, e 2,5% superior ao de igual período do ano passado.

Que concluir desses números? O investimento está diminuindo? Os empresários estão abandonando planos de expansão e de modernização por causa dos juros e do câmbio?

A análise não é tão simples. Quando se esmiúçam os dados, nota-se que a produção de máquinas e equipamentos para fins industriais e comerciais, no primeiro trimestre, superou por 8,7% a de um ano antes. Mas a fabricação de tratores, máquinas e equipamentos agrícolas ficou 29% abaixo da observada entre janeiro e março de 2004. Isso não parece muito surpreendente, quando se consideram os efeitos da seca no Sul e da queda de preços de algumas commodities no final de 2004 e no começo de 2005. A demora do governo em socorrer os prejudicados pela seca aumentou a insegurança de muitos produtores.

Apresentados a seco e de forma agregada, os números mostram pouco. Mesmo desagregados são pouco informativos, se não forem acompanhados de alguma explicação, que nem sempre é muito trabalhosa.

Cuidado necessário

Nas melhores coberturas os números têm aparecido com algum detalhamento, mas a análise e a explicação têm sido escassas. Editores e repórteres têm preferido, quase sempre, ir atrás da famigerada repercussão. Acabam coletando opiniões que refletem geralmente interesses de setores e às vezes de empresas, mas que raramente esclarecem os dados estatísticos.

Esses entrevistas, quase sempre por telefone, pouco ajudam na identificação de tendências. Mas funcionam como canais para manifestações de quem deseja mudança no câmbio ou na política de juros. Esses desejos podem ser legítimos, mas não acrescentam novidade ao noticiário. Em geral, as entrevistas nem servem para iluminar o debate sobre juros e câmbio. Servem para recados e para pressões.

Executivos do setor automobilístico têm avisado que reduziram as previsões de exportação. Têm aproveitado para cobrar do governo intervenção no câmbio e incentivos fiscais para vender automóveis no mercado interno. Quem não gostaria de receber esses benefícios?

Mas, se continua a aumentar a fabricação de máquinas industriais, quem está comprando? Alguns dirão que as vendas estão dirigidas principalmente para o mercado externo, já que as empresas nacionais, segundo algumas fontes, deixaram de investir e estão pondo dinheiro em títulos de renda fixa. Vale a pena esclarecer essa conversa? Com certeza, vale. Para isso é preciso entrevistar não somente um ou dois, mas vários empresários produtores e usuários de máquinas.

Mesmo realizando todo esse trabalho, é pouco provável que a imprensa possa oferecer respostas definitivas e eliminar todas as dúvidas. Mas pode tornar o cenário menos confuso e elevar a qualidade da informação, separando mais claramente a análise técnica e a defesa de interesses. O cuidado é necessário mesmo quando as opiniões são de especialistas de excelente reputação.

Vozerio confuso

Numa entrevista recente, o professor Antônio Barros de Castro afirmou que os juros e o câmbio estão desestimulando o investimento e que isso explica o fraco desempenho do BNDES no começo do ano. No texto publicado, no entanto, não se menciona um só argumento a favor dessa tese. Mas aparecem ressalvas importantes que a enfraquecem. Ele estaria falando como o bom economista que todos conhecem e respeitam ou justificando o desempenho de uma instituição da qual é diretor?

Nota-se a mesma insuficiência nas matérias sobre comércio exterior, câmbio e inflação. Apesar do real valorizado, a exportação continua vigorosa. Os exportadores podem estar perdendo rentabilidade e mantendo as vendas ao exterior para não perder clientes e para não depender só de um mercado interno menos ativo que em 2004. Mas a rentabilidade não depende só do câmbio. Depende também da produtividade, que tem crescido em vários setores.

Que a valorização do real seja preocupante não é novidade. Mas é preciso avançar mais nos detalhes para avaliar o poder de competição das empresas brasileiras. Pode ser que algumas que persistem na exportação – muitas ou poucas? – ainda tenham boas condições para competir. Nem sempre é fácil distinguir informação e reivindicação. O que não se justifica, de toda forma, é renunciar ao esforço. Boas páginas de economia não podem ser apenas canais de pressão de empresas, de setores, de especialistas empenhados em vender assessoria ou de candidatos a postos no governo.

Alguns analistas têm feito um esforço admirável para pôr alguma ordem na massa enorme de estatísticas e para dar um pouco mais de clareza ao vozerio confuso das diversas fontes. Empenham-se, por exemplo, em mostrar as diferenças entre os vários índices de preços. Quebram a cabeça para dar um sentido aos IGPs que apontam recuo da inflação e a alguns IPCs que indicam persistência das pressões inflacionárias. A maior parte da informação, no entanto, continua a ser lançada sem o mínimo tratamento, para crescente confusão dos leitores.

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Jornalista